08/08/2011

Punk's not dead

25 de Fevereiro 2000
OPINAR

Punk’s not dead

Sou grande fã de punk rock. PUNK ROCK, atenção. Não me refiro a esses punks comerciais que proliferam nos nossos dias, refiro-me sim ao verdadeiro punk rock: Ramones, Dead Boys, The Clash… Grandes tempos!
Será que me podiam dar umas dicas? Gostava de conhecer mais grupos punk rock desse tempo. Obrigado.
Henrique Cabo, via e-mail

Bom, caro Henrique, a lista é extensa, mas vou restringir-me a alguns dos álbuns mais representativos de grupos punk ou aparentados, da época. Algumas das bandas citadas evoluíram para fora dos parâmetros punk. Como consequência, nalguns casos, os seus melhores álbuns pouco ou nada têm a ver com este movimento, como acontece com os Wire, Siouxsie and the Banshees, The Fall ou The Stranglers, por exemplo.A lista que se segue, por ordem alfabética, cinge-se, pois, aos álbuns mais próximos e característicos do espírito e da atitude punks originais.

Em Inglaterra The Adverts: Crossing the Red Sea with The Adverts (1978); Angelic Upstarts: Teenage Warning (1979); Bethnal: Dangerous Times (1978); The Boomtown Rats (1977) e A Tonic for the Troops (1978); Buzzcocks: Another Music in a Different Kitchen (1978, o meu preferido da lista) e Love Bites (1978); Chelsea: Chelsea (1979); The Clash: The Clash (1977), Give ‘em enough Rope (1978) e London’s Calling (1979); Crass: The Feeding of the 5000 (1978); The Damned: Damned, Damned, Damned (1977) e Music For Pleasure (1977); Eddie and the Hot Rods: Teenage Depression (1976); The Fall: Dragnet (1979); Generation X: Generation X (1979); The Jam: In the City (1977), This is the Modern World (1977) e All Mad Cons (1978); The Mekons: The Quality of Mercy is Not Strnen (1979); Rezillos: Can’t Stand the Rezillos (1978); Sex Pistols: Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols (1977); Siouxsie ant the Banshees: The Scream (1978); Slaughter and the Dogs: Do it Dog Style (1978); The Stranglers: IV Rattus Norvegicus (1977), No more Heroes (1977) e Black and White (1978); UK Subs: Another Kind of Blues (1979); The Undertones: The Undertones (1979); Wire: Pink Flag (1977) e Chairs Missing (1978); X-Ray Spex: Germ Free Adolescents (1978); 999: Separates (1978) Nos Estados Unidos e… Dead Boys: Young, Loud & Snotty (1977) e We have Come for your Children (1978); James Chance & The Contortions: Buy (1979) + James White & The Blacks: Off White (1979); Jane Aire & The Belvederes:Jane Aire & The Belvederes (1979); MX-80 Sound: Hard Attack (1977); Richard Hell & The Voivods: Blank Generation (1977); Ramones: Ramones (1976), Leave Home (1977) e Rocket to Russia (1977); The Saints (Austrália): I’m Stranded (1977) F.M.

Farinha Maizena [Angra do Budismo]

25 de Fevereiro 2000

Mentor dos Ocaso Épico regressa mais espiritual

Farinha Maizena

Lembram-se de Farinha e dos Ocaso Épico? Nos anos 80, provocaram com a sua mistura de pop saloia e electrónica futurista. Pois o provocador farinha está de volta, com a mesma electrónica, agora já não tão futurista, desta vez mesclada de filosofia oriental, no novo projecto Angra do Budismo. Zen e energias cósmicas para cada um interpretar como quiser.

Depois do ocaso dos Ocaso Épico, juntamente com António Variações, um dos nomes que mais rastilhos de pólvora acendeu à pop nacional, Farinha entrou em letargia. Um período prolongado de doença afastou-o dos estúdios e dos palcos, mas agora o veterano provocador regressa imbuído de energia renovada e da vontade de vencer.
Angra do Budismo é o seu novo conceito, partilhado com Luís Bernardo, guitarra e voz, e um terceiro elemento, Manuel Machado, teclados e voz. Farinha encarrega-se das programações, guitarra e voz. O projecto nasceu há cerca de um ano. “O Luís é de um elemento astrológico com uma energia mãe da minha enquanto a minha energia é mãe da energia do Manuel. Existe aqui uma energia de apoio que acabou por gerar uma construção.” Neste ponto Farinha prontifica-se a mostrar os vários tratados de budismo que traz consigo. Percebe-se que a onda não é bem a mesma em que navegavam os Ocaso Épico.
Angra do Budismo joga nas associações. Com humor, afinal uma das características que não se ausentou da personalidade musical de Farinha. Luís Bernardo, no entanto, carrega na tecla do eruditismo, apontando o “estudo e o acompanhamento de ciências orientais como a macrobiótica ou as doutrinas zen de Lao-Tsé”. “Não como praticantes, mas como curiosos.” Farinha corrige de imediato o seu companheiro: “Mas já fizeste alguns exercícios, eu tenho feito bastantes, embora não tenha nenhum mestre e ache que um homem deva ter um. Pronto, não há um enquadramento em estruturas rígidas, mas apenas uma observação de longe.” “É o budismo como podia ser o taoismo”, explica Farinha, esclarecendo que o grupo estava para ser chamado “Portal” – o “portal informático”, o “portal da sabedoria”, com conotações fadistas o “portal da Severa” e o portal 57 porque ele é energia do sol 5 e eu sou metal 7”.
Postas as coisas nestes termos, tudo se torna mais claro. Há ainda o fogo de Kundalini presente nas letras, sobretudo num tema como “Dança de Kundalini”, em que são notórias algumas parecenças com os Sétima Legião, influência que Farinha, de resto, não renega. Como não se importa quando alguém chama a este tema uma “canção romântica”.
“Fugia de ti”, “Trambolhão”, “Trash city”, “Alguém não” e “Irreal” são outros dos temas dos Angra do Budismo, contidos numa demo que, embora ainda não na sua versão definitiva, constitui já “um cartão de visita” daquilo que o grupo pode e quer fazer. Já há propostas de pequenos editores, porque se trata de “uma música não apontada ao circuito comercial”.
Falta sentido de humor à canção nacional? “Há é falta de descontracção”, lança Luís Bernardo. Farinha faz questão de dizer que este projecto não se insere na estética do drum ‘n’ bass, que considera ter “uma origem muito próxima do Brasil”. No leitor do automóvel tem andado – “Vais ficar à toa!” – um disco dos Anjos. Ao lado de Nusrat Fateh Ali-Khan, dos Kraftwerk, Blasted Mechanism e Da Weasel. Luís Bernardo também ouve de tudo, neste momento mais os Thievery Corporation.
O que também não se perdeu foi aquele lado mais popular que já estava presente nos Ocaso Épico. “Música popular, mas completamente electrónica e mecânica. Os puristas tocam só com cavaquinho e os da pop têm vergonha de ir àquilo que é castiço, eventual motivo de vergonha.” Farinha, “dixit”. Com ele ninguém faz farinha.

Tracy Chapman - Telling Stories

25 de Fevereiro 2000
POP ROCK

Tracy Chapman
Telling Stories (6/10)
Elektra, distri. Warner Music


É engraçado como sempre que ouço a veterana Tracy Chapman cantar me lembro de algumas vozes masculinas dos anos 70, algumas engraçadas, como a de Cat Stevens, outras simplesmente “obscenas” como a de Chris de Burgh, que não consigo deixar de recordar ao ouvir um tema deste álbum como “Less than strangers”. Aliás, tudo na música de Tracy Chapman faz lembrar os “singer songwriters” dos anos 70 – as mesmas inflexões dramáticas, o mesmo idealismo, até o mesmo tipo de arranjos. Claire Hamill, por exemplo, fez coisas muito parecidas, há muitos anos, com este “Telling Stories”, como “One House Left Standing” e “October” (desta vez é “Speak the word” a conduzir-me aos arquivos da memória). Mas “Telling Stories” não é um álbum para deitar fora, antes pelo contrário: numa linha de música-comercia-feita-com-dignidade, Tracy Chapman é uma grande senhora, incapaz de descer abaixo da mediania. Mesmo quando grande parte dos seus álbuns conquistou discos de platina. Mesmo quando já guarda em casa quatro prémios Grammy. Tradicional no capítulo dos arranjos, sempre elegante no que toca ás interpretações, “Telling Stories” não deslustra a sua autora, que afirma: “Quando gravo um disco, o meu objectivo é sempre ter alguma coisa para oferecer e que essa coisa seja a melhor possível no momento.” Em “Telling Stories” oferece belíssimas canções, com “Wedding song” à cabeça, desviando-se mais para o final do disco para uma vertente country que culmina em “The only one” com a participação, nos apoios vocais, de Emmylou Harris. Álbuns destes podem ser uma boa companhia.

Pan American - 360 Business/360 Bypass

25 de Fevereiro 2000
POP ROCK

Pan American
360 Business/360 Bypass (6/10)
Mute, distri. Zona Música


Segunda incursão de Mark Nelson, sob a designação Pan American, numa electrónica mais dançável que a dos Labradford, “360 Business/360 Bypass” é o típico disco de “paisagens sonoras” capaz de pôr alguns a flutuar nas nuvens e outros a trepar pelas paredes, de irritação. Quer isto dizer que cada um dos seis temas que compõem o disco começam e acabam como começaram ou, dito de outra maneira, não adiantam nem atrasam. Quando a ideia ou as programações utilizadas são sonicamente agradáveis ou minimamente imaginativas, aguenta-se o tempo que for preciso. Com prazer. Quando não, dá vontade de partir o CD e rogar pragas a quem inventou os computadores e se esqueceu de criar um botão para desligar os programadores. No primeiro caso, do “ai que som tão giro”, estão “Double rail”, num registo Pan Sonic moles, “Coastal”, fractal, pneumático e com uma razoável dose de mistério ao estilo Mouse on Mars dos primeiros discos, e “K. Luminate”, tecno em negativo com uma sonoridade mais próxima da dos Labradford. No segundo, das “secas monumentais com groove rafeiro” estão “Steel stars”, “Code”. A meio caminho fica “Both ends fixed”, igualmente numa linha ambiental, neste caso mais pianística e colorida por um trompete de jazz, a fazer lembrar um cruzamento dos Recoil (de “1+2” e “Hydrology”) com Don Cherry, ao ratardador. Uma boa ideia que não soube parar a tempo. Feitas as contas, a média é positiva. E pode sempre contornar-se a questão das faixas chatas fazendo de conta que são “hipnóticas”.

A arte de caminhar no reino dos zombies [Reedições]

25 de Fevereiro 2000
REEDIÇÕES

A arte de caminhar no reino dos zombies

Com “The Art of Walking” de 1980, e “Song of the Bailing Man”, de 1982, fica completa a série de reedições de toda a fase inicial dos Pere Ubu, iniciada com “The Modern Dance” (1978), “Dub Housing” (1978) e “New Picnic Time” (1979). Os Pere Ubu foram provavelmente o grupo mais importante de uma geração onde também pontificaram os Devo e os Talking Heads. Na região metalúrgica de Cleveland, o niilismo punk, ao contrário do que, na mesma época, acontecia com os grupos ingleses, a raiva muniu-se de tecnologia electrónica e do conceito de “mutação”, fruto de um ambiente marcado pela infecção e pela toxicidade industrial. Mas os Pere Ubu, além de revoltados, eram intelectuais para quem gritar de revolta não chegava. Era preciso juntar-lhes uma carga de absurdo e de onirismo que eram uma outra forma de dar nome e exorcizar o pesadelo. “The Art of Walking” é uma ginástica de sobrevivência, feita de gestos de marioneta e de canções aparafusadas directamente aos nervos, onde David Thomas dá livre curso à sua loucura de criança magoada a quem arrancaram uma infância feliz. Nos Pere Ubu, a electrónica, aliada ao rock e à esquizofrenia iluminada, fere e faz sangrar. “The Art of Walking”, avançando aos tombos e às cavalitas da histeria do seu vocalista, é a arte de aproveitar e sobreviver a essa dor.
Menos convulsivo mas mais variado do que o seu antecessor, “The Song of the Bailing Man” arrancou as correias que prendiam o grupo na câmara das torturas, aliviando o sofrimento ora num swing jazzístico de sopros e vibrafone, ora em incursões nevróticas por um parque de diversões onde o algodão não é doce e há uma banda de metais com marcianos a tocar. David Thomas diverte-se a inventar vozes ridículas e a cuspir setas de kitsch envenenado, mimando as canções românticas da América dos filmes para logo a seguir rachar a cabeça ao casal, “marido que chega a casa e beija a sua housewife loura de avental”. Apesar do tom mais “arty” e de uma descontracção impossível de discernir nos álbuns anteriores, são canções. E divertidas, se também nós aceitarmos ser um pouco “anormais”… (Cooking Vinyl, distri. Megamúsica 9/10 e 9/10)

Dignos de figurar no grupo dos clássicos da pop dos anos 60 é “Odessey and Oracle” dos Zombies, ombro a ombro com “Sgt. Pepper’s” dos Beatles, “Pet Sounds” dos Beach Boys e “Something Else” (e, já agora, com o brilhante e desconhecido “Grass and Wild Strawberries” dos australianos The Collectors). Lançado em 1968, foi posteriormente reeditado, em versão remasterizada, pela Rhino, tendo a presente reedição (de 1998, comemorativa dos 30 anos da edição original) a particularidade de apresentar duas versões completas do álbum, em mono e em stereo, além de três temas extra. Com base nos talentos do organista Rod Argent e das vocalizações de Colin Blunstone, os Zombies assinaram aqui a sua obra-prima em 12 temas de pop imaculadamente composta, arranjada e executada. Orquestrações de luxo, melodias e harmonias de uma doçura feita de sonhos, um piano tocado pelo homem-da-lua, guitarras à descoberta de si próprias, criam um universo de canções-arco-íris como a trip completa de “Changes”, o épico recheado de efeitos e mudanças de registo vocal, um pouco à maneira de uns Incredible String Band espaciais, “Butcher’s tale (western front 1914)” ou, a fechar, “Time of the season”, um dos “hits” do grupo. Um caleidoscópio em constante mutação, símbolo de toda uma época (Big Beat, import. Lojas Valentim de Carvalho, 10/10).

Mergulhados em LSD estavam os norte-americanos Pearls Before Swine, ao ponto de o seu vocalista, Tom Rapp, dar ideia de ter abusado nas doses e perdido todos os seus dentes, a julgar pela forma como canta na canção que abre “One Nation Underground” (1967), “Another time”, um hino psicadélico com uma melodia viciante, apesar da tal vocalização do tipo “velho yankee desdentado” e de uma letra a perguntar “Did you follow the crystal swan? Did you see yourself deep inside the velvet pond? Or have you come by again to die again? Try again another time”. A abarrotar de sons “pedrados” atirados para a mesa de mistura de maneira aparentemente aleatória e de melodias no limite da desbunda, “One Nation Underground” consegue, apesar de tudo, soar menos desconjuntado, atrevendo-se mesmo a fazer alguma crítica social, do que o álbum seguinte “Balaklava”, gravado para a mesma editora “freak ESP”. A capa é uma miniatura em cartão fiel ao original, com a gravura de “O Jardim das Delícias”, do pintor holandês do Renascimento, Hyeronimus Bosch. (Get Back, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10)

Das fábricas da Alemanha, chega “Produkt der Deutsch Amerikanische Freundschaft”, ou seja, o álbum de estreia dos D. A. F., de 1979, ainda sem o vocalista-gigolo espanhol Gabi Delgado e com Kurt Dahlke, também conhecido por Pyrolator e, mais tarde, elemento dos Der Plan. É uma correria de temas com a duração média de um minuto de punk-metal electrónico. Urgente, compulsiva e ruidosa, versão mais rock e espontânea dos Einstürzende Neubauten da qual viria a nascer, nos álbuns seguintes, a batida erótico-militarista que viria a tornar-se imagem de marca do grupo. (Mute, distri. Zona Música, 7/10)

Ainda da Alemanha louve-se a primeira reedição em compacto de “Rot”, “Vermelho” (1973), segundo álbum de Conrad Schnitzler, o baterista no álbum de estreia dos Tangerine Dream, “Electronic Meditation” (free-rock distante da música cósmica que evoluiu de “Alpha Centauri” até se cristalizar em “Rubycon”) que, ao longo das décadas seguintes, se revelaria como um dos expoentes da electrónica mais sombria e experimentalista. “Rot” é, juntamente com os primeiros discos dos Cluster (Kluster incluídos) e dos franceses Heldon, um dos trabalhos precursores da música industrial e o primeiro a apresentar uma faixa com o nome “Krautrock” (a segunda aparece no quarto álbum dos Faust), 20 minutos de borbulhar analógico, guitarras – mais do que eléctricas, que dão choque – e, em geral, um fascínio exacerbado pelos sintetizadores analógicos encarados como geradores de automatismos onde são dependuradas vísceras e cartilagens electrónicas. O outro tema, “Meditation”, é uma longa sequência electrónica fabril, pondo a funcionar uma gigantesca linha de montagem de engrenagens, roldanas, metal fundido e maquinismos ameaçadores. (Plate Lunch, distri. Matéria Prima, 8/10)