9
de Junho 2000
REEDIÇÕES
O
tambor da lua
Moondog
In Europe (9/10)
H’Art
Songs (9/10)
A
New Sound of An Old Instrument (7/10)
Elpmas
(8/10)
Sax
for a Pax (8/10)
Kopf,
distri. Ananana
O
que terá levado músicos como Peter Hammill, Andrew Davis (dos Stackridge, pop
progressivo dos anos 70) e Andi Toma, dos Mouse on Mars, a colaborarem com este
venerável ancião cego de longas barbas brancas e ar de profeta cuja música
permaneceu, ao longo das últimas cinco décadas, apenas do conhecimento de um
número restrito de admiradores, como Lamonte Young, Philip Glass, Steve Reich,
Terry Riley, Frank Zappa e William Burroughs?
O
ancião morreu no ano passado, aos 83 anos. Chamava-se Louis Thomas Hardin, mas
ficou conhecido pelo nome artístico de Moondog, em honra de um cão que não
parava de uivar à lua.
Moondog
nasceu no Wyoming em 1916 e ficou cego aos 16 anos, vítima de uma explosão de
uma barra de dinamite mesmo em frente aos olhos. A infância, passou-a em Forte
Bridger, onde o seu pai mantinha uma loja de trocas comerciais com os índios
Arapaho. Foram estes que lhe ensinaram a tocar o mesmo tambor em pele de
bisonte que os chefes índios usavam nos seus cerimoniais. Quando chegou a Nova
Iorque, nos anos 40, passou a ser visto a tocar percussões em frente aos clubes
da Rua 52. Lenny Bruce e Charlie Parker repararam nele, bem como Charles Mingus,
Benny Goodman e Miles Davis. Gravou os seus primeiros álbuns nos anos 50, para
a editora Prestige e arranjou uma série de canções para Julie Andrews.
Nos
anos 60 já a sua figura excêntrica (costumava envergar um capacete viking)
impressionara o imaginário da comunidade “hippie” e de figuras como Tiny Tim e
Janis Joplin, que cantaria mesmo um dos seus madrigais. Os minimalistas
adotaram-no como guru, mas a sua música, agora gravada para a Columbia,
continuava sem conseguir furar a barreira do anonimato.
Chegado
aos anos 70, um convite para tocar na Alemanha alteraria a direção da sua
carreira e da sua obra. A aceitação que a sua música [teve] levou-o a declarar
que se sentia um “europeu de todo o seu coração”. E é neste ponto que a
história das presentes reedições tem início. Os três primeiros álbuns agora
reeditados pela Kopf, “In Europe”, “H’Art Songs” e “New Sounds of An Old Instrument”,
foram gravados na Alemanha respetivamente em 1978, 1979 e 1980. Álbuns marcados
por um estilo pessoalíssimo de composição (alguns especialistas costumavam
dizer, em tom de brincadeira, que a música de Moondog era o elo de ligação
entre Bach e o século XX…), cada um ilustra uma peculiar faceta do seu autor.
Em
“In Europe”, alinham-se peças para quarteto de cordas, celesta, órgão de igreja
e trompa. A música é minimalista e misteriosa e através dela Moondog
exterioriza a sua obsessão pelos vikings, sobretudo numa série de variações
executadas em órgão de igreja, por Fritz Storfinger, do tema “Lögründr”.
Síntese inclassificável de popular, música minimal repetitiva, citações
étnicas, um certo sabor aos musicais da Broadway, música de câmara e música
barroca, “In Europe” inclui uma valsa de realejo, caixas de música e marchas de
soldadinhos de chumbo, chamamentos longínquos para a guerra e liturgias de
órgão que criam um clima de irrealidade sem limites.
Em
“H’Art Songs” o registo muda para a canção. Moondog canta aqui pela primeira e
única vez na sua carreira. O resultado é um cruzamento bizarro do cabaré de
Kurt Weill com a música de variedades do princípio do século, o cutelo de John
Cale e o “nonsense” alucinatório de Robert Wyatt, com cuja voz as inflexões de
Moondog coincidem em mais do que uma ocasião. Estas canções falam de um mundo
pessoal e intransmissível e é preciso ouvi-las várias vezes se se quiser
conhecer em plenitude o que se oculta sob o manto, aparentemente diáfano, dos
seus segredos.
“A
New Sound of An Old Instrument” altera de novo as coordenadas. Desta feita o
órgão de igreja ocupa a totalidade do palco sonoro, estando a sua execução a
cargo de novo de Fritz Storfinger e, nas peças em dueto, de Wolfgang Schwering.
Impressões da juventude, a arquitetura fantasmagórica do gelo sobre uma flor da
Antártida, miragens do deserto, a reprodução do galope de um cavalo e, uma vez
mais, a liturgia, em duas novas versões de “Lögründr” demonstram o talento do
seu autor na arte do contraponto, mas pecam, paradoxalmente, pela omnipresença
dos tambores, cuja marcação rítmica cerrada acaba por se tornar redundante.
Porém, a atmosfera de religiosidade e a originalidade da composição marcam
pontos e fazem de “A New Sound of An Old Instrument” a variante humanista de um
álbum como “Four Organs/Phase Patterns” de Steve Reich.
Após
este álbum, a carreira discográfica de Moondog sofreu um interregno de 11 anos
e o artista apenas voltaria a gravar em 1991, o álbum “Elpmas”. Moondog
socorre-se do sampler com parcimónia para simular o som de marimbas, coloridas
por sons da natureza, numa série de peças dedicadas à defesa das culturas dos
aborígenes australianos, dos povos da Amazónia e dos índios Arapaho e Sioux.
Álbum de conotações étnicas, imbuído do espírito da new age (não falta um tema
dedicado às baleias) – interrompido por interlúdios clássicos de câmara ou por
uma melodia de inacreditável pureza como a de “Fujiyama 2” –, termina com uma
longa peça ambiental de quase meia hora destinada a meditação: uma sucessão de
vagas harmónicas nevoentas que se vão sobrepondo infinitamente, algures entre a
“Discreet Music” de Brian Eno, a banda sonora do naufrágio de “Titanic” segundo
Gavin Bryars e a música meditacional de Laraaji. O álbum teve a participação,
como produtor e guitarrista, de Andi Toma, dos Mouse on Mars.
Se
dúvidas ainda existissem quanto à versatilidade de Moondog, “Sax Pax for a
Sax”, de 1994, dissipa-as por completo. De todos os álbuns do compositor este
será aquele que melhor integra a componente religiosa e celebratória da sua
música. Escrito com o objetivo de retirar ao saxofone o estatuto de
“instrumento militar”, “Sax Pax for a Sax” insere-se numa série de composições
designadas por Moondog como “Zajaz” (“jazz em duas direções…”), estando a
execução a cargo do grupo de saxofones The London Saxophonic. Admirável junção
do espírito gospel, do “vaudeville” (como no fantástico hino à alegria de viver
que é “Paris”) e do jazz. Um jazz com passagem por Nova Orleães, pelo swing e –
no tema “Bird’s lament”, dedicado a Charlie Parker, pelo be-bop, que chega a
tomar a forma das massas totalitárias dos Urban Sax. Colaboraram neste álbum
onde o tambor de Moondog se fez ouvir por uma das últimas vezes, o seu velho
amigo Danny Thompson e, no papel quase anónimo de simples figurantes, nos
apoios corais, Peter Hammill e Andrew Davis, “perdidos” nas vocalizações
coletivas e de admiração pelo mestre.