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22/12/2014

Por este Porto acima [11º Festival Intercéltico do Porto]



MÚSICAS

KEPA JUNKERA E FAUSTO NO INTERCÉLTICO DO PORTO

POR ESTE PORTO ACIMA

COMEÇA HOJE A 11ª EDIÇÃO DO FESTIVAL INTERCÉLTICO. UM FIM-DE-SEMANA RECHEADO DE BOA MÚSICA E ATIVIDADES PARALELAS EM TORNO DE UMA MANEIRA DIFERENTE DE ENTENDER A EUROPA, AS SUAS RAÍZES E PARTE DA SUA RAZÃO DE SER. KEPA JUNKERA, CEOLBEG, MUXICAS E LÚNASA SÃO OS ESTRANGEIROS DE UM CARTAZ QUE FECHA COM O PORTUGUÊS FAUSTO.

A PRESENÇA de Fausto no Intercéltico é a principal novidade de um festival em plena fase de crescimento que, pelo segundo ano consecutivo, estende as suas atividades por duas salas da capital nortenha, o Coliseu, onde terão lugar os concertos mais importantes, e o Rivoli, de gratas recordações para os “habitués” do festival, onde ficará instalado o Café Concerto e decorrerão algumas das atividades paralelas.
            Kepa Junkera vem ao Porto disposto a triunfar, na sequência de anteriores e memoráveis atuações no nosso país, nomeadamente no Cantigas do Maio, no Seixal, no Funchal, na Madeira, e num “showcase” na FNAC do Colombo, em Lisboa. Preparem-se as gentes do Norte, e não só, para vibrar, já esta noite, com a música deste basco, executante de “trikitixa” (acordeão), cujo virtuosismo, criatividade e entusiasmo põem invariavelmente as polvorosa as audiências perante as quais se apresenta.
            Em termos de virtuosismo Kepa olha para a sua frente e não vê ninguém. Será hoje, provavelmente, o expoente do acordeão, em termos de pesquisa e desenvolvimento sistemáticos das possibilidades expressivas deste instrumento, colocando-se, a este nível, ao lado do que um Valentin Clastrier faz em relação à sanfona. Kepa é daqueles instrumentistas “sobrenaturais” cujas proezas técnicas na “trikitixa” parecem impossíveis. Mas impossível é termo que não cabe no dicionário de Kepa Junkera. Ele vai sempre mais longe na sua relação com a “trikitixa”, consigo próprio e com a música tradicional basca, que nele encontrou um sucessor para os Oskorri, enquanto embaixador da música deste “país” no mundo.
            O grupo que o acompanha é excelente, recomendando-se a máxima atenção para a execução simultânea, a quatro mãos, da txalaparta (variante móvel e aumentada do xilofone, em versão basca), por Harkaitz Martinex e Igor Otxoa. Steve Reich, se alguma vez os ouvisse, decerto que os recrutaria de imediato para as fileiras do minimalismo…

Bilbau, à meia-noite

            Da discografia de Kepa Junkera destacam-se os álbuns “Trans Europe Diatonique” (em trio com outros dois tecnicistas do acordeão, o inglês John Kirkpatrick e o italiano Riccardo Tesi), “Lau Eskutara” (com Júlio Pereira) e o “Bilbao 00:00h”, este último com convidados como Hedningarna, La Bottine Souriante, Carlos Nuñez, Xosé Manuel Budiño, Justin Vali, Paddy Moloney (dos Chieftains), Oskorri e a portuguesa Dulce Pontes.
            Antes de Kepa Junkera atuam os escoceses Ceolbeg, com garantias dadas no panorama folk europeu e uma apetência rara para a troca de correspondência com a música de outras tradições, como as da Galiza ou dos Balcãs. Entre o folk rock, a característica veia guerreira da música de gaita-de-foles das terras altas e os rendilhados intimistas da música de câmara para harpa céltica, a música dos Ceolbeg nem sempre se pautou pelo equilíbrio sendo inegável, porém, que desse facto nunca se ressentiram as suas atuações ao vivo, como se pôde comprovar pela primeira passagem do grupo por Portugal, nas festas da cidade da Amadora.
            O mesmo acontece, de resto, na fase mais recente da discografia dos Ceolbeg, em “Ceolbeg 5” e, provavelmente, no álbum já deste ano, “Cairn Water”, onde a energia que desde sempre é imagem de marca do grupo está disciplinada e enquadrada da melhor forma numa leitura renovada da tradição. Uma chamada de atenção para a voz de comando do guitarrista e vocalista Rod Paterson, para a delicadeza da harpa de Wendy Stewart (autora de notáveis álbuns a solo neste instrumento) e para o verdadeiramente incendiário Gary West, uma força da natureza, nas “Highland bagpipes”.

Célticos latinos

Sábado é dia dos galegos Muxicas e dos irlandeses Lúnasa. Os primeiros já atuaram em Portugal numa das edições dos Encontros Musicais da Tradição Europeia. Os segundos constituem estreia absoluta. Naturais de Vigo os Muxicas constituem, de há longos anos a esta parte, uma fortaleza contra as investidas da “irlandização” da música galega. Adeptos da teoria, contestável, de que a música desta região do Norte da Península Ibérica é “mais latina do que celta”, os Muxicas construíram uma obra de uma solidez a toda a prova que, alheia à polémica, soa indiscutivelmente “galega” e, nalguns casos, minhota e transmontana.
As gaitas-de-foles são uma afirmação de poder, os cantos possuem o orgulho e a integridade das velhas invocações religiosas ou de trabalho dos tempos antigos, o coletivo impõe-se ao indivíduo numa música cuja pujança e vivacidade o Porto terá oportunidade de apreciar. Siga-se a evolução dos Muxicas ao longo dos últimos quatro álbuns: “Desafinaturum”, “Escoitando Medra-la Herba”, “No Colo do Vento” e “Naturalmente”.
Lúnasa, em gaélico “Lughnasdh” (festa ligada às colheitas mas também designação do mês de Agosto), é um grupo recente do qual se poderá esperar algumas aproximações ao rock, pelo menos a julgar pelos antecedentes de um dos seus elementos, Trevor Hutchinson, ex-baixista dos Waterboys mas que também integrou uma das formações da acordeonista Sharon Shannon e tocou ao lado de Máire Breatnach, Eileen Ivers, Moving Cloud e Altan. Dos Moving Cloud transitou também para os Lúnasa um notável flautista, Kevin Crawford. Veremos qual o balanço que os Lúnasa imprimem aos jigs e reels da praxe, atendendo a que tocam música exclusivamente instrumental, onde a importância dos arranjos é fundamental. “Lúnasa” e “Otherworld” são, até agora, os álbuns editados pelo grupo, o último na insuspeita Green Linnet, o que, por si só, serve como atestado de qualidade.

Um segredo bem guardado

            É com alguma expetativa que se aguarda a atuação de Fausto no último dia do Intercéltico. Sendo raras as suas aparições em público e conhecendo-se a importância deste autor-cantor na música popular portuguesa das últimas duas décadas, justifica-se em pleno a sua escolha para fecho de festival. Acompanhado por um coletivo de nove elementos, entre os quais João Balão, mentor do recente projeto Cantigas de Amigos, e de dois Gaiteiros de Lisboa, José Manuel David e Carlos Guerreiro, Fausto apresentará os mais recentes capítulos de uma odisseia ímpar na música portuguesa que começou com “Por Este Rio Acima”, prosseguiu com “Atrás dos Tempos vêm tempos” e fez uma pausa em “Grande Grande é a Viagem”.
            No Café-Concerto instalado no Teatro Rivoli, tocará (hoje e amanhã, cerca das 24h) outra banda irlandesa, os Shantalla, um quinteto apostado em revitalizar o reportório tradicional irlandês e escocês em bases acústicas (acordeão, bouzouki, flautim, flauta, bandolim, violino, viola de arco, bodhran, guitarra e gaita-de-foles) que reivindica, como influências, os grandes Planxty, The Bothy Band e Dick Gaughan. Um crítico irlandês chamou aos Shantalla “o segredo da música céltica tradicional mais bem guardado da Europa”. Um segredo que já começou a ser desvendado através do álbum “Shantalla” e que continuará a sê-lo, nas altas e misteriosas horas do Intercéltico em que se descobre a sua face mais intimista.
            Os Segue-me à Capela atuam hoje e amanhã, no mesmo espaço, enquanto os Comvinha Tradicional (hoje e amanhã, pelas 23h) e os O Ó Que Som Tem, de Rui Júnior, com a Companhia de Música “Tocá Rufar” (amanhã, pelas 18h) ocuparão o Teatro Rivoli. As atividades paralelas incluem uma Feira/Exposição de Instrumentos com a participação de construtores portugueses e galegos (entre os quais a nova cooperativa Bailadouro, orientada por Tentúgal), uma Feira do Disco Folk e Celta, a mostra de vídeos de temática céltica, Celtivideo, a apresentação do livro autobiográfico “Carlos Paredes – A Guitarra de um Povo”, com a participação musical de Paulo Soares (guitarra portuguesa) e Fernando Alvim (guitarra), no Rivoli, amanhã, pelas 17h, e um workshop de guitarra portuguesa dirigido por Paulo Soares. O Intercéltico é uma iniciativa da Câmara Municipal do Porto, produzida pela Culturporto, com produção executiva, programação e divulgação a cargo do MC - Mundo da Canção.


ARTES | sexta-feira, 31 março 2000

04/12/2014

O último "reel" é o primeiro [Festival Intercéltico do Porto]



cultura TERÇA-FEIRA, 4 ABRIL 2000

Lúnasa subiram ao pódio do Festival Intercéltico do Porto

O último “reel” é o primeiro

Da Irlanda veio, uma vez mais, a glória. Com os Lúnasa, que no segundo dia do Intercéltico rubricaram uma das melhores atuações de sempre de um grupo irlandês no festival. Jornada inesquecível também para os galegos Muxicas. O Intercéltico fechou as portas no domingo, com o regresso triunfal de Fausto à cidade do Porto.

Sábado, 2 de Abril, ficará para a história do Festival Intercéltico do Porto como um dos dias em que a música rondou a perfeição. Lúnasa, irlandeses recém-chegados ao circuito “folk” europeu, e Muxicas, galegos, há longos anos a defenderem a genuína música tradicional da sua região, levaram, por caminhos diferentes, a loucura a um público que esgotou a lotação do Coliseu.
            Os Muxicas foram a força e a autenticidade das raízes galegas. O som que nasce da terra e do mar nas gaitas-de-foles, na sanfona, nas percussões e no canto coletivo. Liño Figueroa Costas, Magoia Bodega Pérez e Diego Garcia Rodriguez fizeram soar com a força de um imperativo as gaitas, símbolo de afirmação de um nacionalismo que, na música, constantemente se defronta com a intromissão aquém (Castela) e além (Irlanda) fronteiras.
            A solo, em duo ou em trio, a ancestral voz das gaitas primou pela pujança e pela afirmação de uma individualidade que, na Europa, apenas terá paralelo nas “uillean pipes” irlandesas e na “biniou kozh” bretã. Cantos de unidade, agora irmanados em cânticos de resistência e logo apaziguados em momentos de intimismo e união com os segredos mais íntimos da forma de sentir tradicional. Através da música dos Muxicas enfrentamos as ondas do mar para logo a seguir nos aconchegarmos à lareira a escutar os lamentos da noite e os sortilégios das “meigas” (feiticeiras).
            Muiñeiras, polcas, rumbas galegas, danças antigas que os Muxicas renovam sem traírem, extraídas dos álbuns “Desafinaturum”, “Escoitando Medra-la Herba”, “No Colo do Vento” e “Naturalmente” cativaram a plateia, que acolheu de braços abertos esta música atlântica que amiúde bailou numa roda do Minho.
            Mas, depois do intervalo e de uma visita à feira de construtores de instrumentos tradicionais instalada numa das salas do Coliseu, vieram os Lúnasa e, como já acontecera em edições anteriores do Intercéltico, sempre que atuam grupos irlandeses de primeira grandeza tudo parece mergulhar na penumbra para melhor deixar brilhar os génios da Ilha Esmeralda.
            Aconteceu assim antes com os Chieftains, com os De Dannan, com os Dervish ou com os Four Man and a Dog. Voltou a acontecer com os Lúnasa. Como qualquer destas bandas, os Lúnasa incluem-se na categoria das “máquinas infernais”. Começam a carburar em grande, engrenam na vertigem e acabam numa orgia de bem-aventurança. Se pudessem tocar para sempre, para sempre a música continuaria a rolar como uma locomotiva que tudo atropela na sua passagem. Pegando nas palavras de um dos elementos da banda na introdução de um “set” instrumental, da mesma forma que para um irlandês “the last pint” (o último copo) da noite nunca é verdadeiramente o último, também o último “reel” deixa sempre lugar para mais outro. Para mais uma aceleração, mais um gesto técnico prodigioso, mais uma mudança súbita de compasso na transição do “jig” para o “reel”. Eis o que torna a “irish traditional music” contagiante e eis o que os Lúnasa fizeram no Porto de forma superlativa.
            Bem apoiados por uma secção rítmica composta por Trevor Hutchinson, no contrabaixo, e Donogh Henessey, na guitarra, os três solistas, Kevin Crawford, na flauta e “tin whistle”, Séan Smyth, no violino e “tin whistle” e um novo elemento, nas “uillean pipes”, fizeram miséria. A uma música já de si rica acrescentaram a mais-valia de uma criatividade constante, ao nível dos arranjos e da interpretação. Brilhantes os “breaks” executados a meio de um tempo acelerado para lhes conferir um “swing” e um “drive” adicionais, técnica só ao alcance dos sobredotados. Não falemos sequer de velocidade, capítulo em que os Lúnasa deixaram o Coliseu de rastos. Falemos antes da alegria, da absoluta comunicação entre os músicos e dos músicos com a assistência, da forma como os sons e as emoções se combinam para exemplificar aquilo que toda a gente amante da “folk” já sabe – que a música irlandesa, quando feita por mestres como os Lúnasa, é a melhor música do mundo. E dançou-se no Coliseu, claro, enquanto no átrio se esgotaram num ápice os dois álbuns do grupo, “Lúnasa” e “Otherworld”.
            Domingo assistiu ao regresso triunfal de Fausto ao Porto, com o espetáculo “Grande, Grande É a Cidade”. Canção urbana inspirada nos ritmos tradicionais portugueses que levou a assistência do Coliseu ao rubro. Uma viagem que começou na crítica “à tirania do pop e do rock”, responsáveis, para este cantautor, pela normalização da música atual, passou pela dramatização declamada do tema da “Peregrinação” e terminou em euforia com a inevitável “Navegar, navegar”.
            Noutros locais do Intercéltico, assistiu-se ainda à conversão do grupo de percussão O Ó Que Som Tem à bateria e a uma vertente teatral na linha dos Stomp e ao louvável trabalho sobre a música coral do Norte de Portugal pelo grupo vocal feminino Segue-me à Capela. Saldo final: organização impecável, como é timbre do Intercéltico, e música que apenas desiludiu com os Ceolbeg. Para o livro de ouro: Kepa Junkera, Muxicas e Lúnasa.