29/01/2020

Os outros Nirvana


30|JANEIRO|2004 Y
nirvana|música

Os outros Nirvana


A história de um equívoco que serviu para dar a conhecer uma das mais requintadas e ignoradas bandas da pop dos 60’s. Os primeiros álbuns estão aí. O mito começa a nascer.

É um dos equívocos mais divertidos da pop – a confusão que se instala sempre que um fã declara a grande banda que foram os Nirvana e outro, mais velho, concorda, com um sorriso largo no rosto, acrescentando que sim, que foram uma deliciosa banda psicadélica, responsável por magníficas canções açucaradas por cubos de LSD.
            “Estás a gozar comigo!?”, urra o primeiro, considerando a tirada ofensiva para a memória do seu ídolo, Kurt Cobain. “De modo nenhum!”, insiste o segundo, alargando ainda mais o sorriso. Tal discussão termina com o segundo a explicar ao primeiro, num gesto magnânimo, a causa de tamanha discrepância, aplacando deste modo a estupefação e, nalguns casos, a fúria do acérrimo defensor dos heróis do “grunge”.
            Pois bem, caros leitores, as enciclopédias registam de facto duas bandas com o nome Nirvana, cada uma delas em ação num período distinto. Os Nirvana de “Nevermind” e do rock escavado como uma ferida não cicatrizada estão bem documentados. Não é deles, porém, mas dos outros que se começa a falar, um pouco por todo o lado (discotecas lá fora, por exemplo, passam a sua música nas colunas e enchem com ela os escaparates e muitas revistas da especialidade incluem recensões aos discos nas respetivas páginas de reedições).
            A perplexidade causada pela existência de dois Nirvana estendeu-se à própria banda de Seattle, ao tomar conhecimento dos seus homónimos de três décadas antes, e da consequente proibição legal em utilizar o nome. O “litígio” foi resolvido amigavelmente, com os Nirvana ingleses a abdicarem do uso exclusivo do nome. Melhor ainda: num gesto que aumentou ainda mais a confusão, os Nirvana originais gravaram uma versão do “single” “Lithium”, dos Nirvana modernos, arrumando-a, ao lado de inéditos de arquivo, na antologia de 1996, “Orange and Blue”.
            O resultado não se fez esperar. Alguns comentários afixados no site da Amazon, de compradores “enganados”, são hilariantes. Um exemplo: “O meu primo ofereceu-me este disco no meu aniversário, sem se dar conta de que não são os mesmos Nirvana, os que fazem boa música!”. Outro: “Isto é mau! Realmente mau! Se gostam dos Nirvana de Seattle, não comprem este disco”. Menos preconceituoso, DJ Shadow samplou o tema “Love suite” (de “To Markos III”) em “Stem”, incluído no seu álbum de estreia na Mo Wax, “Endtroducing”.

            os outros. Mas quem são estes “outros” que desencadeiam tanto o ódio como a admiração? Eram uma banda de pop psicadélica britânica que nos anos 60 gravou pérolas pop de sonho, como “Tiny goddess”, “Pentecost hotel” e “Rainbow Chaser”, e três álbuns cuja música tem o poder de transformar os admiradores dos Nirvana dos 90’s em psicóticos enraivecidos: “The Story of Simon Simopath” (67), “All of Us” (68) e “To Markos III” (70). Todos disponíveis nas lojas portuguesas, em novas versões remasterizadas e acrescidas de “bonus tracks”, substituindo as mais antigas da Edel dos dois primeiros, editados à época pela Island.
            Patrick Campbell-Lyons e Alex Spyropoulos, um irlandês e um grego, formavam a dupla criativa dos Nirvana e desta aparente incompatibilidade de culturas terá resultado a originalidade da música – uma pop ornamentada por arranjos barrocos para melodias evanescentes. Não é um som típico, nem da pop nem do psicadelismo, mas um híbrido dos dois.
            “The Story of Simon Simopath” é um dos mais antigos “concept albums” da pop britânica, a par de “S. F. Sorrow”, dos Pretty Things, e “Ogden’s Nut Gone Flake”, dos Small Faces. A história, inspirada na literatura de Ficção Científica, descreve as aventuras do dito Simon e a sua aprendizagem no espaço sideral (a história conta que no hospital psiquiátrico não lhe encontraram qualquer anomalia), o que, atendendo à contribuição do LSD na manufatura do álbum, terá sido fácil de conseguir. As canções são fábulas às cores, pintadas com violoncelos, gliockenspiel e “french horn”, e títulos como “Wings of love”, “Satellite jockey”, “In the courtyard of the stars” e “Pentecost hotel”, este último uma das melodias memoráveis que fazem de “The Story of Simon Simopath” um disco indispensável para quem gosta da pop psicadélica inglesa, na sua vertente mais angelical, cultivada por grupos como Zombies, The Association e Kaleidoscope/Fairfi eld Parlour, ou da sua correspondente americana personificada pelos Millenium e Sagittarius. A nova reedição apresenta o mesmo alinhamento nas versões stereo e mono, mais quatro inéditos, incluindo um bizarro “Requiem to John Coltrane” em registo de “free pop”.
            “All of us” é um manjar de melodias requintadas. “Rainbow chaser”, enfeitado com cravo e luxuriantes arranjos orquestrais, é um clássico do “acid rock” bucólica, ao nível do melhor que se fez em Inglaterra nos anos 60. “Tiny goddess”, outro exemplo da veia melódica da dupla Lyons/Spyropoulos, evoca tanto os Beatles, como os Beach Boys de “Pet Sounds” e os Bee Gees (não fujam já aos gritos!) do período psicadélico dos quatro primeiros álbuns (“First”, “Horizontal”, “Idea” e “Odessa”). Bem, é verdade que o refrão de “Melanie blue” imita os Bee Gees naquilo que estes tinham de mais pindérico. Mas “Trapeze” – ao mais puro estilo dos Fairfield Parlour de “From Home to Home” – consegue falar de Camelot e de trapézios voadores sem cair no ridículo e a flauta de bisel e o violoncelo conferem a “The show must go on” um ambiente de pop de câmara semelhante ao dos Fuchsia (outra banda obscura da folk-gótica-psicadélica inglesa). “Girl in the park” fulge como um cristal cuja melodia os Kinks não desdenhariam, “You can try” poderia trazer a assinatura de Brian Wilson e “St. John’s wood affair” é Paul McCartney a rodar um caleidoscópio, canção-camaleão onde cabe uma mão cheia de viagens de LSD. “The touchables”, por sua vez, é o canção-tema do filme com o mesmo nome realizado por Robert Freeman. E assim sucessivamente, cada canção com a capacidade de prender o ouvido através de um arranjo ou de uma volta especiais, quais mini-sinfonias cuidadosamente esculpidas mas que a cada momento ameaçam levantar voo e desaparecer.
            Em comparação com “The Story of Simon Simopath” e “All of Us”, “To Markos III”, gravado quando o desentendimento entre Lyons e Spyropulos já se fazia sentir muda para um tom que raia o patético em temas como “Aline cherie” e “Love suite”. O equilíbrio das vozes desfaz-se no exagero, caindo no “music hall” e em sugestões de “glam”, sobrando do delicado psicadelismo dos primeiros álbuns apenas “It happened two Sundays ago” e “Christopher Lucifer”.
            Consumada a saída do grupo de Spyropulos, Campbell-Lyons faria sozinho a transição dos Nirvana para o rock progressivo, em “Local Anaesthetic”, álbum de 1971 composto por apenas dois longos temas (“Modus operandi” e “Home”) para a Vertigo, editora lendária do Progressivo da qual Lyons se tornou um dos principais produtores. Apesar de altamente colecionável na edição original em vinilo (o CD saiu pela Repertoire) a música alterna boas “jams” progressivas com o horrível. A magia, essa já desaparecera nas asas de Simão Simopath.

NIRVANA
The Story of Simon Simopath
8|10

All of Us
9|10

To Markos III
6|10

Island, distri. Universal

The Who, a ópera do cérebro


Y 30|JANEIRO|2004
roteiro|discos

the who, a ópera do cérebro


THE WHO
Tommy
2xCD Polydor, distri. Universal
9|10

“Tommy, can you hear me?”, o grito, ouvido nos quarto cantos do mundo onde se ouve música rock, volta a ecoar, passados 35 anos. Tommy, o rapaz cego, surdo e mudo que se relacionava com a realidade através dos jogos de flippers, nos quais era imbatível, está de regresso. Agora em formato de super áudio CD (legível também nos leitores vulgares), em som Surround e aumentado para dois discos. Sujeito a nova remistura por Pete Townshend, o álbum tem agora a companhia de 17 temas extra, incluindo “demos” e apontamentos dispensáveis. Lamenta-se ainda, em comparação com a anterior reedição (em CD simples), a ausência das letras e a eliminação do grafismo original.
            Mas é “Tommy”, a ópera-rock, que renasce das cinzas. Na altura foi recebida com aclamações de “obra-prima” mas também como uma exploração chocante da temática do autismo e da violação (numa parte da narrativa, Tommy, ainda criança, é violado por um tio). “Tommy” é ambas as coisas, marcado pelo acesso de misticismo de Townshend, na altura influenciado pelas ideias de Meher Baba (o grande álbum da banda, “Who’s Next”, abriria mesmo com o tema-dedicatória “Baba O’Riley”).
            Sexo, drogas (o ácido, claro, estava-se em 1969…e em 2004, o último número da Mojo dedica 40 páginas ao tema!...), ilusões, traumas, religião, falhanços e, em última instância, o triunfo e a glória do herói, metamorfoseado em Messias, refletem as preocupações do líder e guitarrista dos The Who, para quem a realidade não é percebida exclusivamente pelos sentidos mas por uma visão interior. “Tommy” é essa viagem de descoberta interior. O disco teve, aliás, títulos provisórios elucidativos, como “Amazing Journey”, “The Brain Opera”, “Journey into Space” e “Deaf, Dumb and Blind Boy”. Sofreu percalços. De grande música derivou para o espetáculo de pacotilha em que Ken Russell o transformou, ao fazer do tema matéria para o seu filme e, consequentemente, convocando para a banda sonora uma chusma de estrelas para interpretarem, no filme e no disco, as personagens idealizadas por Townshend. Esse, porém, é outro “Tommy”, porventura até mais conhecido.
            As 24 canções de “Tommy” são jogadas acutilantes de pop e rock que integram elementos de psicadelismo (“Christmas”, “Cousin Kevin” ou “Smash the mirror”, por exemplo, mais do que “The acid queen”, são suficientes para amolgar o cérebro), melodias de sedução e precisão notáveis e arranjos que desmentem em absoluto a ideia da ópera-rock ser invariavelmente um amontoado balofo de exibicionismo de meios e lugares-comuns. “It’s a boy”, “Pinball wizard” e “I’m free” são as canções mais conhecidas, aquelas às quais as radios e as memórias se agarraram, mas é a sequência total que impressiona.
            “See me, feel me, touch me, heal me” é o pedido de auxílio, lançado insistentemente pelo deus dos “flippers”. “Tommy”, o disco, faz o mesmo apelo.

Hey Jimi! [Jimi Hendrix]


Y 30|JANEIRO|2004
música|reedições


Hey Jimi!

Uma caixa de 10 singles, outra com um concerto em Londres exaustivamente documentado, mais um DVD de um espetáculo em Berkeley – os colecionadores esfregam as mãos.

Astérix, Obélix, Abraracourcix, Hendrix. Irredutíveis guerreiros. O último, Hendrix, impressionou particularmente, graças aos seus feitos como músico. Jimi Hendrix, rocker e guitarrista de Seattle, morto aos 28 anos, foi um guerreiro da luz. Ao desaparecer, levou consigo as estrelas e as explosões flamejantes da sua Fender Stratocaster. Preparava aquele que seria o seu quarto álbum de estúdio, “First Ray of the New Rising Sun”. Mas a nova aurora nunca chegou a nascer.
            A partir dessa data, 18 de Setembro de 1970, nunca mais parou a especulação em torno do seu nome. Como já acontecera, aliás, em vida. Sucederam-se as histórias, inventaram-se pormenores, fizeram-se prognósticos sobre o futuro hipotético, sobre o estilo musical que iria marcar as etapas seguintes. Segundo uns, Hendrix preparava-se para ser um músico de jazz (faz sentido). Dispusera-se a aprofundar as suas raízes “blues” (faz sentido), garantiam outros. Manteria a mesma direção (faz sentido) dos três anteriores álbuns (“Are you Experienced?”, “Axis: Bold as Love”, “Electric Ladyland”), afiançava outra fação.
            Provavelmente Hendrix faria como sempre fez, fecharia os olhos e seguiria para onde a guitarra lhe mandasse. E, também provavelmente, foi isso mesmo que aconteceu e foi a guitarra que lhe ordenou a morte. Ela já estava presente na música, enquanto celebração impossível de uma transcendência que ao simples mortal é vedada, pela via que Hendrix escolheu – a via da mão esquerda (ele que era esquerdino) e do poder.
            Em conformidade, correu-se a esgravatar na vida e nos arquivos de estúdio, onde o guitarrista deixara quilómetros e quilómetros de fita gravada, bem como nos registos ao vivo de concertos. Editaram-se dezenas de álbuns póstumos – dos quais o mais importante será “The Cry of Love” –, antologias e “bootlegs”, sem qualquer espécie de controle ou, no mínimo, de respeito pela sua memória. Até ao dia (em 1995) em que a família, através do pai, Al Hendrix, e da meia-irmã, Janie, comprou os direitos legais da obra e meteu mãos à obra de pôr ordem na casa e um ponto final à especulação e ao caos editorial.
            Para tal, criaram o selo Experience Hendrix, chamaram os engenheiros de som John McDermott e Eddie Kramer (responsável pelas gravações originais do guitarrista) para tomar conta das remasterizações dos três álbuns gravados em vida por Hendrix, lançados no mercado em 1997, e até uma quantidade razoável de gravações de interesse apenas para os colecionadores, organizadas e comercializadas através de outro selo criado pela família, a Dagger Records, com autorização legal para editar “bootlegs” do artista.

            experiências. No entanto, o fluxo editorial está longe de poder ser considerado estancado. Três novos “objetos” com a marca Hendrix surgem agora quase em simultâneo no mercado português: “The Singles Collection”, “The Last Experience” e “Jimi Plays Berkeley”.
            “The Singles Collection” é uma caixa com 10 singles remasterizados e embalados em capas de cartão a imitar os originais. “The Last Experience” junta em três CDs o concerto da Jimi Hendrix Experience no Royal Albert Hall, de Londres, a 24 de Fevereiro de 1969, editado pela primeira vez na sua totalidade, uma vez que a anterior reedição apenas apresentava a versão usada originalmente como banda sonora do filme “Experience”. Por fim, “Jimi Plays Berkeley” é um DVD do duplo concerto no Berkeley Community Theatre, realizado a 30 de Maio de 1970.
            A caixa de “singles” vale pelo objeto em si, uma vez que não se compreende a específica seleção de “singles”. Não estão todos. Mas os que estão oferecem, além da curiosidade da embalagem, um som excecional, resultado da remasterização de Eddie Kramer (os mais puristas torcerão o nariz, em nome da autenticidade, mas…). São eles: “Hey Joe”/”Stone free”, “Purple haze”/”51st anniversary”, “The wind cries Mary”/”Highway chile”, “Burning of the midnight lamo”/ “The stars that play with laughing Sam’s dice”, “Foxy lady”/ “Manic depression”, “Crosstown traffi c”/ “Gypsy eyes”, “Voodoo chile”/ “Hey Joe”/ “Watchtower”, “Stepping stone”/ “Isabella”, “Dolly Dagger”/ “Night bird flying” e o disco de Natal com o “medley”, “Little drummer boy – Silent night – Auld lang syne”/ “Three little bears”. Todos temas que já constavam de anteriores edições. Podem ser ouvidos agora em separado. Como brinquedos eventualmente perigosos…
            Imagens de agitação estudantil na cidade justapostas à música de Hendrix fazem parte do material que preenche o DVD “Jimi Plays Berkeley” dos concertos de Berkeley, originalmente editados num documentário vencedor do 1º prémio do Festival de Cinema de Amsterdão. As imagens originais foram transferidas digitalmente para o novo formato e a banda sonora remisturada em stereo e 5.1 “audio surround” por Eddie Kramer. As “special feautures” apresentam ainda, apenas em formato áudio, a totalidade do segundo concerto, também misturado em som “surround”. Temas como “Hey baby (new rising sun)”, “Lover man”, “Stone free”, “Machine gun”, “Foxy lady”, “Purple haze” e “Voodoo child (slight return)” são aqui executados pela Jimi Hendrix Experience, então formada pelo baterista Mitch Mitchell e o baixista Billy Cox que, entretanto, substituíra Noel Redding, do trio original.
            Por fim, a “última experiência” respeita pela primeira vez, além da totalidade do concerto, também o alinhamento original do espetáculo no Royal Albert Hall, iniciado, logo após a afinação da guitarra (faixa 1), com “Lover man”, uma versão de “Rock me baby”, de B. B. King. O primeiro CD inclui versões longas de “Stone free”, “Red house”, bem como “Foxy lady” e “Sunshine of your love”, dos Cream. No segundo estão, entre outros, “Little wing”, “Voodoo Chile (slight return)”, “Room full of mirrors”, “Purple haze” e “Star-spangled banner”, o hino americano interpretado com as notas do Apocalipse no final do festival de Woodstock, em 1969, que ficou imortalizada nas imagens do documentário de 1970 de Michael Wadleigh. Os últimos sons, colados no final, de Hendrix a destruir o amplificador com a guitarra, figuram com título “Smashing of the amps”, como se fosse uma verdadeira canção. Pensando bem, poderia ser…
            Há ainda duas versões editadas (“Bleeding heart” e “Room full of mirrors”) e uma sequência de “soundchecks” de interesse duvidoso que começam no segundo compacto e se estendem pela totalidade do terceiro. Os colecionadores agradecem. Os simples melómanos ou admiradores de Hendrix, duvida-se que gastem o “laser” do leitor de CD a reproduzir os ensaios, experiências de som e outras operações técnicas ou de aquecimento para o concerto propriamente dito.
            Há, acima de tudo, um Hendrix em combustão, em solos demolidores (“I don’t live today” diz tudo em poucos minutos). Nas suas mãos a Stratocaster era um vulcão, uma espada, um circuito eletrónico complexo, um tanque de guerra, uma mulher, loucura. Mas também lágrimas e devoção aos “blues” (“Red house”). “Foxy lady” prova, por outro lado, que a sua guitarra era, mais do que um instrumento musical, uma nave espacial. Foi a bordo dela que Jimi Hendrix partiu para o espaço.

JIMI HENDRIX
The Singles Collection
10xCD single, Experience Hendrix, distri. Universal
8|10

The Last Experience
Charly. distri. Música Activa
7|10

Mogwai, felizes como esqueletos


Y 30|JANEIRO|2004
roteiro|ao vivo

mogwai
felizes como esqueletos

Para os Mogwai o termo pós-rock (ou “cosmic post-rock”, como os descreve o All Music Guide) continua a fazer sentido, como o demonstra o seu último álbum, editado no ano passado, “Happy Songs for Happy People”. As linhas metronómicas de baixo e bateria que regra geral definem esta corrente estão presentes, a par de quadros abstratos servindo de cenário a experiências de música eletrónica/ambiental como “Moses? I amn’t”, tão árida e profunda como os desertos noturnos dos Stars of the Lid, e “Stop coming to my house”, que não esconde as mesmas pretensões épicas dos gybe!. “Kids will be skeletons” balança em sintetizadores longínquos e sonhadores diretamente inspirados na música de Brian Eno de “Another Green World” ou, mais tardiamente, nos Labradford. O tema evolui em crescendo (leia-se, aumentando de volume e a quantidade de instrumentos ou “takes”), estratégia que quase sempre resulta satisfatória, ainda que, por norma, a um nível meramente superficial. “Boring machines disturbs sleep” acumula “feedback” residual na linha dos Main mas nada no álbum consegue ser notável, ainda que a combinação de piano obsessivo e imagens cristalinas de sintetizador, em “I know you are but what am I?”, consigam construir algo mais forte e consistente naquela que é, de longe, a melhor faixa do disco – ou, pelo menos, a que condensa e mantém um estado de espírito mais duradoiro.
            Mas as canções de “Happy Songs for Happy People” não são tão felizes como isso (o pós-rock raramente o foi) e os Mogwai (que dia 5 e dia 6 se apresentam em Lisboa e Gaia) como tantas bandas do género que ficaram pelo caminho ou se mudaram para diferentes latitudes, pecam pelo habitual: a música parece, amiúde, incompleta, sugerindo como uma base ou os rudimentos de algo com mais corpo que ficou por gravar. Como se alguém se tivesse esquecido de a completar. Ficam esqueletos e formas geométricas com algum interesse, mas o mundo de sons fantásticos que mesmo algum pós-rock produziu está para além das possibilidades da banda de Glasgow. Ao vivo é de esperar um reforço de energia, mas “cósmico” é, definitivamente, um termo que não assenta bem aos Mogwai.

MOGWAI
LISBOA|Paradise Garage
R. João de Oliveira Miguéis, 38. 5ª, 5, às 21h30. (portas abrem às 21h) Tel.: 213243400. Bilhetes: €19.
1ª parte: Malcom Middleton (Arab Strap).
GAIA|Hard Club
6ª, 6, às 22h, €19
1ª parte: Malcom Middleton (Arab Strap).