29/01/2020

Hey Jimi! [Jimi Hendrix]


Y 30|JANEIRO|2004
música|reedições


Hey Jimi!

Uma caixa de 10 singles, outra com um concerto em Londres exaustivamente documentado, mais um DVD de um espetáculo em Berkeley – os colecionadores esfregam as mãos.

Astérix, Obélix, Abraracourcix, Hendrix. Irredutíveis guerreiros. O último, Hendrix, impressionou particularmente, graças aos seus feitos como músico. Jimi Hendrix, rocker e guitarrista de Seattle, morto aos 28 anos, foi um guerreiro da luz. Ao desaparecer, levou consigo as estrelas e as explosões flamejantes da sua Fender Stratocaster. Preparava aquele que seria o seu quarto álbum de estúdio, “First Ray of the New Rising Sun”. Mas a nova aurora nunca chegou a nascer.
            A partir dessa data, 18 de Setembro de 1970, nunca mais parou a especulação em torno do seu nome. Como já acontecera, aliás, em vida. Sucederam-se as histórias, inventaram-se pormenores, fizeram-se prognósticos sobre o futuro hipotético, sobre o estilo musical que iria marcar as etapas seguintes. Segundo uns, Hendrix preparava-se para ser um músico de jazz (faz sentido). Dispusera-se a aprofundar as suas raízes “blues” (faz sentido), garantiam outros. Manteria a mesma direção (faz sentido) dos três anteriores álbuns (“Are you Experienced?”, “Axis: Bold as Love”, “Electric Ladyland”), afiançava outra fação.
            Provavelmente Hendrix faria como sempre fez, fecharia os olhos e seguiria para onde a guitarra lhe mandasse. E, também provavelmente, foi isso mesmo que aconteceu e foi a guitarra que lhe ordenou a morte. Ela já estava presente na música, enquanto celebração impossível de uma transcendência que ao simples mortal é vedada, pela via que Hendrix escolheu – a via da mão esquerda (ele que era esquerdino) e do poder.
            Em conformidade, correu-se a esgravatar na vida e nos arquivos de estúdio, onde o guitarrista deixara quilómetros e quilómetros de fita gravada, bem como nos registos ao vivo de concertos. Editaram-se dezenas de álbuns póstumos – dos quais o mais importante será “The Cry of Love” –, antologias e “bootlegs”, sem qualquer espécie de controle ou, no mínimo, de respeito pela sua memória. Até ao dia (em 1995) em que a família, através do pai, Al Hendrix, e da meia-irmã, Janie, comprou os direitos legais da obra e meteu mãos à obra de pôr ordem na casa e um ponto final à especulação e ao caos editorial.
            Para tal, criaram o selo Experience Hendrix, chamaram os engenheiros de som John McDermott e Eddie Kramer (responsável pelas gravações originais do guitarrista) para tomar conta das remasterizações dos três álbuns gravados em vida por Hendrix, lançados no mercado em 1997, e até uma quantidade razoável de gravações de interesse apenas para os colecionadores, organizadas e comercializadas através de outro selo criado pela família, a Dagger Records, com autorização legal para editar “bootlegs” do artista.

            experiências. No entanto, o fluxo editorial está longe de poder ser considerado estancado. Três novos “objetos” com a marca Hendrix surgem agora quase em simultâneo no mercado português: “The Singles Collection”, “The Last Experience” e “Jimi Plays Berkeley”.
            “The Singles Collection” é uma caixa com 10 singles remasterizados e embalados em capas de cartão a imitar os originais. “The Last Experience” junta em três CDs o concerto da Jimi Hendrix Experience no Royal Albert Hall, de Londres, a 24 de Fevereiro de 1969, editado pela primeira vez na sua totalidade, uma vez que a anterior reedição apenas apresentava a versão usada originalmente como banda sonora do filme “Experience”. Por fim, “Jimi Plays Berkeley” é um DVD do duplo concerto no Berkeley Community Theatre, realizado a 30 de Maio de 1970.
            A caixa de “singles” vale pelo objeto em si, uma vez que não se compreende a específica seleção de “singles”. Não estão todos. Mas os que estão oferecem, além da curiosidade da embalagem, um som excecional, resultado da remasterização de Eddie Kramer (os mais puristas torcerão o nariz, em nome da autenticidade, mas…). São eles: “Hey Joe”/”Stone free”, “Purple haze”/”51st anniversary”, “The wind cries Mary”/”Highway chile”, “Burning of the midnight lamo”/ “The stars that play with laughing Sam’s dice”, “Foxy lady”/ “Manic depression”, “Crosstown traffi c”/ “Gypsy eyes”, “Voodoo chile”/ “Hey Joe”/ “Watchtower”, “Stepping stone”/ “Isabella”, “Dolly Dagger”/ “Night bird flying” e o disco de Natal com o “medley”, “Little drummer boy – Silent night – Auld lang syne”/ “Three little bears”. Todos temas que já constavam de anteriores edições. Podem ser ouvidos agora em separado. Como brinquedos eventualmente perigosos…
            Imagens de agitação estudantil na cidade justapostas à música de Hendrix fazem parte do material que preenche o DVD “Jimi Plays Berkeley” dos concertos de Berkeley, originalmente editados num documentário vencedor do 1º prémio do Festival de Cinema de Amsterdão. As imagens originais foram transferidas digitalmente para o novo formato e a banda sonora remisturada em stereo e 5.1 “audio surround” por Eddie Kramer. As “special feautures” apresentam ainda, apenas em formato áudio, a totalidade do segundo concerto, também misturado em som “surround”. Temas como “Hey baby (new rising sun)”, “Lover man”, “Stone free”, “Machine gun”, “Foxy lady”, “Purple haze” e “Voodoo child (slight return)” são aqui executados pela Jimi Hendrix Experience, então formada pelo baterista Mitch Mitchell e o baixista Billy Cox que, entretanto, substituíra Noel Redding, do trio original.
            Por fim, a “última experiência” respeita pela primeira vez, além da totalidade do concerto, também o alinhamento original do espetáculo no Royal Albert Hall, iniciado, logo após a afinação da guitarra (faixa 1), com “Lover man”, uma versão de “Rock me baby”, de B. B. King. O primeiro CD inclui versões longas de “Stone free”, “Red house”, bem como “Foxy lady” e “Sunshine of your love”, dos Cream. No segundo estão, entre outros, “Little wing”, “Voodoo Chile (slight return)”, “Room full of mirrors”, “Purple haze” e “Star-spangled banner”, o hino americano interpretado com as notas do Apocalipse no final do festival de Woodstock, em 1969, que ficou imortalizada nas imagens do documentário de 1970 de Michael Wadleigh. Os últimos sons, colados no final, de Hendrix a destruir o amplificador com a guitarra, figuram com título “Smashing of the amps”, como se fosse uma verdadeira canção. Pensando bem, poderia ser…
            Há ainda duas versões editadas (“Bleeding heart” e “Room full of mirrors”) e uma sequência de “soundchecks” de interesse duvidoso que começam no segundo compacto e se estendem pela totalidade do terceiro. Os colecionadores agradecem. Os simples melómanos ou admiradores de Hendrix, duvida-se que gastem o “laser” do leitor de CD a reproduzir os ensaios, experiências de som e outras operações técnicas ou de aquecimento para o concerto propriamente dito.
            Há, acima de tudo, um Hendrix em combustão, em solos demolidores (“I don’t live today” diz tudo em poucos minutos). Nas suas mãos a Stratocaster era um vulcão, uma espada, um circuito eletrónico complexo, um tanque de guerra, uma mulher, loucura. Mas também lágrimas e devoção aos “blues” (“Red house”). “Foxy lady” prova, por outro lado, que a sua guitarra era, mais do que um instrumento musical, uma nave espacial. Foi a bordo dela que Jimi Hendrix partiu para o espaço.

JIMI HENDRIX
The Singles Collection
10xCD single, Experience Hendrix, distri. Universal
8|10

The Last Experience
Charly. distri. Música Activa
7|10

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