Y 30|JANEIRO|2004
música|reedições
Hey Jimi!
Uma caixa de 10 singles,
outra com um concerto em Londres exaustivamente documentado, mais um DVD de um
espetáculo em Berkeley – os colecionadores esfregam as mãos.
Astérix, Obélix,
Abraracourcix, Hendrix. Irredutíveis guerreiros. O último, Hendrix,
impressionou particularmente, graças aos seus feitos como músico. Jimi Hendrix,
rocker e guitarrista de Seattle, morto aos 28 anos, foi um guerreiro da luz. Ao
desaparecer, levou consigo as estrelas e as explosões flamejantes da sua Fender
Stratocaster. Preparava aquele que seria o seu quarto álbum de estúdio, “First
Ray of the New Rising Sun”. Mas a nova aurora nunca chegou a nascer.
A partir dessa data, 18 de Setembro de 1970, nunca mais
parou a especulação em torno do seu nome. Como já acontecera, aliás, em vida. Sucederam-se
as histórias, inventaram-se pormenores, fizeram-se prognósticos sobre o futuro
hipotético, sobre o estilo musical que iria marcar as etapas seguintes. Segundo
uns, Hendrix preparava-se para ser um músico de jazz (faz sentido).
Dispusera-se a aprofundar as suas raízes “blues” (faz sentido), garantiam
outros. Manteria a mesma direção (faz sentido) dos três anteriores álbuns (“Are
you Experienced?”, “Axis: Bold as Love”, “Electric Ladyland”), afiançava outra
fação.
Provavelmente Hendrix faria como sempre fez, fecharia os
olhos e seguiria para onde a guitarra lhe mandasse. E, também provavelmente,
foi isso mesmo que aconteceu e foi a guitarra que lhe ordenou a morte. Ela já
estava presente na música, enquanto celebração impossível de uma transcendência
que ao simples mortal é vedada, pela via que Hendrix escolheu – a via da mão esquerda
(ele que era esquerdino) e do poder.
Em conformidade, correu-se a esgravatar na vida e nos
arquivos de estúdio, onde o guitarrista deixara quilómetros e quilómetros de
fita gravada, bem como nos registos ao vivo de concertos. Editaram-se dezenas
de álbuns póstumos – dos quais o mais importante será “The Cry of Love” –,
antologias e “bootlegs”, sem qualquer espécie de controle ou, no mínimo, de
respeito pela sua memória. Até ao dia (em 1995) em que a família, através do
pai, Al Hendrix, e da meia-irmã, Janie, comprou os direitos legais da obra e
meteu mãos à obra de pôr ordem na casa e um ponto final à especulação e ao caos
editorial.
Para tal, criaram o selo Experience Hendrix, chamaram os
engenheiros de som John McDermott e Eddie Kramer (responsável pelas gravações originais
do guitarrista) para tomar conta das remasterizações dos três álbuns gravados
em vida por Hendrix, lançados no mercado em 1997, e até uma quantidade razoável
de gravações de interesse apenas para os colecionadores, organizadas e comercializadas
através de outro selo criado pela família, a Dagger Records, com autorização
legal para editar “bootlegs” do artista.
experiências. No entanto, o fluxo
editorial está longe de poder ser considerado estancado. Três novos “objetos”
com a marca Hendrix surgem agora quase em simultâneo no mercado português: “The
Singles Collection”, “The Last Experience” e “Jimi Plays Berkeley”.
“The Singles Collection” é uma caixa com 10 singles
remasterizados e embalados em capas de cartão a imitar os originais. “The Last Experience”
junta em três CDs o concerto da Jimi Hendrix Experience no Royal Albert Hall, de
Londres, a 24 de Fevereiro de 1969, editado pela primeira vez na sua
totalidade, uma vez que a anterior reedição apenas apresentava a versão usada
originalmente como banda sonora do filme “Experience”. Por fim, “Jimi Plays
Berkeley” é um DVD do duplo concerto no Berkeley Community Theatre, realizado a
30 de Maio de 1970.
A caixa de “singles” vale pelo objeto em si, uma vez que
não se compreende a específica seleção de “singles”. Não estão todos. Mas os
que estão oferecem, além da curiosidade da embalagem, um som excecional,
resultado da remasterização de Eddie Kramer (os mais puristas torcerão o nariz,
em nome da autenticidade, mas…). São eles: “Hey Joe”/”Stone free”, “Purple
haze”/”51st anniversary”, “The wind cries Mary”/”Highway chile”, “Burning of the
midnight lamo”/ “The stars that play with laughing Sam’s dice”, “Foxy lady”/
“Manic depression”, “Crosstown traffi c”/ “Gypsy eyes”, “Voodoo chile”/ “Hey
Joe”/ “Watchtower”, “Stepping stone”/ “Isabella”, “Dolly Dagger”/ “Night bird
flying” e o disco de Natal com o “medley”, “Little drummer boy – Silent night –
Auld lang syne”/ “Three little bears”. Todos temas que já constavam de
anteriores edições. Podem ser ouvidos agora em separado. Como brinquedos
eventualmente perigosos…
Imagens de agitação estudantil na cidade justapostas à
música de Hendrix fazem parte do material que preenche o DVD “Jimi Plays
Berkeley” dos concertos de Berkeley, originalmente editados num documentário
vencedor do 1º prémio do Festival de Cinema de Amsterdão. As imagens originais
foram transferidas digitalmente para o novo formato e a banda sonora remisturada
em stereo e 5.1 “audio surround” por Eddie Kramer. As “special feautures”
apresentam ainda, apenas em formato áudio, a totalidade do segundo concerto,
também misturado em som “surround”. Temas como “Hey baby (new rising sun)”,
“Lover man”, “Stone free”, “Machine gun”, “Foxy lady”, “Purple haze” e “Voodoo
child (slight return)” são aqui executados pela Jimi Hendrix Experience, então
formada pelo baterista Mitch Mitchell e o baixista Billy Cox que, entretanto,
substituíra Noel Redding, do trio original.
Por fim, a “última experiência” respeita pela primeira
vez, além da totalidade do concerto, também o alinhamento original do espetáculo
no Royal Albert Hall, iniciado, logo após a afinação da guitarra (faixa 1), com
“Lover man”, uma versão de “Rock me baby”, de B. B. King. O primeiro CD inclui
versões longas de “Stone free”, “Red house”, bem como “Foxy lady” e “Sunshine of
your love”, dos Cream. No segundo estão, entre outros, “Little wing”, “Voodoo
Chile (slight return)”, “Room full of mirrors”, “Purple haze” e “Star-spangled
banner”, o hino americano interpretado com as notas do Apocalipse no final do festival
de Woodstock, em 1969, que ficou imortalizada nas imagens do documentário de
1970 de Michael Wadleigh. Os últimos sons, colados no final, de Hendrix a
destruir o amplificador com a guitarra, figuram com título “Smashing of the amps”,
como se fosse uma verdadeira canção. Pensando bem, poderia ser…
Há ainda duas versões editadas (“Bleeding heart” e “Room
full of mirrors”) e uma sequência de “soundchecks” de interesse duvidoso que
começam no segundo compacto e se estendem pela totalidade do terceiro. Os colecionadores
agradecem. Os simples melómanos ou admiradores de Hendrix, duvida-se que gastem
o “laser” do leitor de CD a reproduzir os ensaios, experiências de som e outras
operações técnicas ou de aquecimento para o concerto propriamente dito.
Há, acima de tudo, um Hendrix em combustão, em solos
demolidores (“I don’t live today” diz tudo em poucos minutos). Nas suas mãos a Stratocaster
era um vulcão, uma espada, um circuito eletrónico complexo, um tanque de
guerra, uma mulher, loucura. Mas também lágrimas e devoção aos “blues” (“Red
house”). “Foxy lady” prova, por outro lado, que a sua guitarra era, mais do que
um instrumento musical, uma nave espacial. Foi a bordo dela que Jimi Hendrix partiu
para o espaço.
JIMI HENDRIX
The Singles Collection
10xCD
single, Experience Hendrix, distri. Universal
8|10
The Last Experience
Charly. distri.
Música Activa
7|10
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