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05/08/2016

Paul Simon - The Rhythm Of The Saints

Pop Rock
31 de Outubro 1990

PONTE CULTURAL



PAUL SIMON
The Rhythm of the Saints
LP, MC e CD, Warner Bros. distri. WEA

África, América do Sul, Cochinchina, Odivelas e o Terceiro Mundo em geral transformaram-se nos últimos anos numa inesgotável fonte de inspiração e, porque não dizê-lo, de rendimentos, à disposição do músico ocidental civilizado e preocupado com os problemas económico-político-sociais dos seus irmãos mais desfavorecidos. “World Music” foi o termo convenientemente inventado para dar cobertura a fusões de toda a espécie, empacotada de preferência com rótulos do tipo: “Só há uma Terra”, “Salvemos a Amazónia” ou, no caso de Odivelas, “Não à cidade-dormitório e à construção clandestina, a Câmara tem de fazer qualquer coisa”.
Da grande sopa entretanto sucessivamente requintada, que tenta encobrir com o excesso de temperos a ausência de um sabor original, destacam-se algumas obras de autores aparentemente acima de qualquer suspeita, como “Rei Momo”, de David Byrne, e “Passion”, de Peter Gabriel, para citar algumas das mais recentes. Talking Heads + ritmos sul-americanos, no primeiro caso, Scorsese + “tudo ao molho e fé em Deus”, no segundo. Poucos se lembram do pioneirismo de Holger Czukay, em “Cannaxis”, superlativo em todos os aspetos e nas tintas para se era ou não Música do Mundo. E o próprio Paul Simon, claro, na aproximação político-musical à cultura negra sul-africana, em “Graceland”.
Para este último chegou agora a vez de o Brasil, de mãos dadas com a África e alguns nomes sortidos da mais-ou-menos vanguarda nova-iorquina, servir de pretexto e ponto de partida para mais um álbum. Assim foram gravados os habituais batuques brasucas, posteriormente levados para o estúdio, ouvidos, truncados e acrescidos de posteriores contribuições instrumentais. Do lado “genuinamente terceiro-mundista”, foram contratados os grupos Olodum e Uakti, Remy Kabocka, Mingo Araújo, Mazzola Ya Yo de la Nelson, Jorginho Marcalzinho, Wilson das Neves, Dom Chacal, Elolongue Mbango Catherine, Sidinho e por aí fora, todos os nomes exóticos ou de pronúncia portuguesa. Aculturados: Milton Nascimento (canta parte de “Spirit Voices” em português), o percussionista Naná Vasconcelos e os Ladysmith Black Mambazo (grupo vocal). Vanguardistas ou simples músicos de estúdio: Adrian Belew (guitarra), Michael e Randy Brecker (respetivamente sintetizadores e trompete) e Steve Gadd (bateria). Lunáticos: J. J. Cale (guitarra). Caídos no disco por engano: Ringo Starr. Principais instigadores: Armand Sabal-Lecco e Bakithi Kumalo (baixo), Vincent Bguini e Ray Phiri (guitarra), pertencentes à nata dos músicos africanos e com os quais Paul Simon decidiu as linhas metras orientadoras do trabalho.
O esquema do álbum é, na aparência, simples: sobre as estruturas rítmicas previamente compostas e produzidas, Paul Simon escreveu as linhas melódicas, de maneira a poder chamar ao resultado “canções”. Os resultados variam entre o excelente (“Can’t Run but” – cadência hipnótica de marimbas, algures entre o minimalismo de Tom van der Geld e o batuque subliminal dos Can, a que se juntou a guitarra distante e incisiva de J. J. Cale, aqui também ele lembrando o “metal cristalino” de Michael Karoli, “Further to Fly”, e o espetáculo das percussões, “The Cool, Cool River”, em tudo semelhante, até nas entoações vocais de Simon, à vertente mais étnica e percussiva de Peter Gabriel ou ainda ao tropicalismo etéreo de “Spirit Voices”) e o monótono, em temas como “She Moves on”, que mais parecem canções do tempo em que fazia dupla com Art Garfunkel, enfeitadas com ritmo de samba para turista ver.

Experiência neste campo minado das alianças Ocidente-resto do Mundo tem-na Paul Simon de sobra. Dito de outra maneira: sabe disfarçar bem uma cantiga mais mal amanhada com um arranjo e produção suficientemente luxuriantes, de molde a esconder a deficiência. O músico consegue, no entanto, sair-se bastante bem do empreendimento. Soube reciclar-se sem parecer oportunista e, sobretudo, parece ter encontrado uma forma elegante e inteligente de partir à conquista dos sons do Planeta e de os integrar no seu próprio discurso sem que o processo soe a falso. Ou seja, conseguiu fazer a ligação entre as duas margens, sem meter água, à custa de uma suficientemente sólida “Bridge over Troubled Water”. ***

05/06/2009

Paul Simon - Songs From “The Capeman”

Sons

14 de Novembro 1997
DISCOS - POP ROCK

Sob a capa do vampiro

Paul Simon
Songs from “The Capeman” (8)
Warner Bros., distri. Warner Music

Há cerca de seis anos que Paul Simon não entrava num estúdio para gravar novas canções. O que ninguém sabia é que, precisamente desde essa altura, ou seja, desde o princípio desta década, o antigo companheiro de Art Garfunkel tem passado o tempo a compor para uma obra de dimensões ambiciosas. O resultado final de todo este labor, é nada mais nada menos, um “music-hall” intitulado “The Capeman”, a estrear em Nova Iorque a 8 de Janeiro do próximo ano. As letras de “The Capeman”, da autoria de Derek Walcott, Prémio Nobel da Literatura em 1992, e com raízes caraibenhas, narram a história verídica de Salvador Agron, um jovem porto-riquenho membro de um “gang” do Upper West Side de Nova Iorque, que foi condenado à morte aos 16 anos, em 1959, acusado de ter esfaqueado dois adolescentes pertencentes a um “gang” rival, os “The Norsemen”, sendo a pena comutada alguns anos mais tarde. Salvador era conhecido por “The Capeman” devido a envergar uma capa negra, símbolo do “gang” a que pertencia, “The Vampires” (“Os vampiros”). A versão de “The Capeman” destinada aos palcos inclui um total de 30 canções e a participação de uma companhia de 40 cantores e dançarinos.
O presente lançamento faz uma selecção de 13 dessas canções, incluindo colaborações com os convidados Ruben Blades, Marc Anthony e Ednita Nazario, três nomes famosos de cena musical latino-americana com presença habitual nos ecrãs televisivos, no canal HTV.
A esta quantidade de meios e de ambição corresponde um dos mais sólidos trabalhos musicais de toda a carreira de Paul Simon, com base nas culturas e na música do chamado “Terceiro Mundo”, dando deste modo sequência a uma tendência que se tem vindo a acentuar em álbuns como “Graceland”, com ênfase na música do “soweto” da África do Sul, e no mais recente “Rhythm of the Saints”, em torno da música tradicional brasileira. Em “The Capeman”, cada canção foi escrita especificamente para uma personagem, sobressaindo progressivamente o carácter da personagem principal, que acabou por morrer aos 43 anos, pouco depois de ter saído da prisão.
“The Capeman” é um álbum de muitas e diversificadas cores, com uma linguagem por vezes crua, confirmando que a “loucura” de Paul Simon está longe de se poder considerar extinta. Centrada num conceito, a música diverge por uma pluralidade de facetas que permitem pôr em evidência a experiência acumulada pelo autor ao longo das últimas quatro décadas, concretizada num som que, matizado por múltiplas notas étnicas, não é world music, mas o testemunho de um compositor-intérprete criador de uma linguagem amadurecida que tanto afirma o enraizamento na tradição clássica dos grandes autores norte-americanos como se mantém atenta às contribuições provenientes das culturas “marginais” que a sustentam de fora para dentro. “Se o som da música está certo”, diz o compositor, “então percebe-se a história”.
No início, predomina a religiosidade e um sentido de unidade, em temas como “Adios hermanos”, “Born in Puerto Rico” e “Satin summer nights”, a primeira numa polifonia evocativa dos Ladysmith Black Mambazo, a terceira inspirada directamente no “gospel”. “The vampires”, um dos momentos altos do disco, é um “mambo” com a força dos cubanos Sierra Maestro, num quadro de latinidade equivalente ao que David Byrne traçou no seu “Rei Momo”. As vocalizações “doo-wop” surgem em “Quality”, a anteceder o tom confessional de “Can I forgive him” e a arrebatada interpretação da convidada Ednita Nazario, em “Sunday afternoon”. Toda a parte final é mais “americana”, sugerindo a aglutinação de culturas, presente numa “cowboy song”, “Killer wants to go to college”, e na recuperação da “country”, segundo a linhagem de Johnny Cash, em “Virgil”, ficando aberto o caminho para duas baladas plenas daquela claridade que, álbum após álbum, Paul Simon vem sujeitando a um trabalho de metódica depuração, “Time is an ocean” e “Trailway bus”.
Ao contrário de outros “songwriters” norte-americanos de nomeada, como Neil Young, a quem a passagem do tempo vai deixando cicatrizes e empurrando para a fúria ou para o desencanto, Paul Simon evolui no sentido inverso, com uma pureza quase infantil, aproximando-se do estado de graça. “Still crazy after all these years”? Obviamente que sim, ao “ritmo dos santos”, a partir de agora em exibição num cinema perto de si, antes de explodir no espectáculo da Broadway no princípio do próximo ano.

29/06/2008

Paul Simon - Anthology

Pop Rock

27 OUTUBRO 1993

PAUL SIMON
Anthology
2xCD Warner Bros., distri. Warner Music

Paul Simon tem envelhecido bem. Um bom sinal e uma garantia para o futuro. O homem já merecia uma antologia e esta faz-lhe justiça. Ninguém vai sair desapontado. O pacote inclui, no primeiro compacto, os temas mais conhecidos, genericamente agrupados como “the early years” – aqueles que andaram no coração e nas bocas das gentes pacifistas dos anos 60, da época em que fazia dupla com Art Garfunkel; no segundo, uma selecção da fase mais recente, a solo, com predomínio das experiências de fusão de “Graceland” (sete temas), mais cinco canções de “The Rhythm of the Saints”, dois registos aos vivo do concerto no Central Park de Nova Iorque, em Agosto de 1991 e um inédito já deste ano, “Thelma”.
Do primeiro lote consta a lista de êxitos completa: “The sound of silence”, “Cecilia”, “El condor pasa”, “The boxer”, “Mrs. Robinson”, “Bridge over troubled water”, “Me and Júlio down by the schoolyard”, “Mother and child reunion” e, já a solo, “Kodachrome”, “Still crazy after all these years” e “50 ways to leave your lover”.
Da fase posterior, quando os temas se tornaram menos individualizados e mais sofisticados, vale a pena saborear de novo a capacidade de renovaçao de Paul Simon e as contribuições, entre outros, de Adrian Belew, Michael e Randy Brecker, J. J. Cale, Everly Brothers, Ladysmith Black Mambazo, Hugh Masekela, Milton Nascimento, Youssou N’Dour, Olodum, Linda Ronstadt, Uakti, além de uma constelação de músicos africanos.
O livrete, graficamente sóbrio e, como a capa, a atirar para o boletim de necrologia, inclui notas detalhadas sobre cada canção. (8)