Sons
14 de Novembro 1997
DISCOS - POP ROCK
Sob a capa do vampiro
14 de Novembro 1997
DISCOS - POP ROCK
Sob a capa do vampiro
Paul Simon
Songs from “The Capeman” (8)
Warner Bros., distri. Warner Music
Há cerca de seis anos que Paul Simon não entrava num estúdio para gravar novas canções. O que ninguém sabia é que, precisamente desde essa altura, ou seja, desde o princípio desta década, o antigo companheiro de Art Garfunkel tem passado o tempo a compor para uma obra de dimensões ambiciosas. O resultado final de todo este labor, é nada mais nada menos, um “music-hall” intitulado “The Capeman”, a estrear em Nova Iorque a 8 de Janeiro do próximo ano. As letras de “The Capeman”, da autoria de Derek Walcott, Prémio Nobel da Literatura em 1992, e com raízes caraibenhas, narram a história verídica de Salvador Agron, um jovem porto-riquenho membro de um “gang” do Upper West Side de Nova Iorque, que foi condenado à morte aos 16 anos, em 1959, acusado de ter esfaqueado dois adolescentes pertencentes a um “gang” rival, os “The Norsemen”, sendo a pena comutada alguns anos mais tarde. Salvador era conhecido por “The Capeman” devido a envergar uma capa negra, símbolo do “gang” a que pertencia, “The Vampires” (“Os vampiros”). A versão de “The Capeman” destinada aos palcos inclui um total de 30 canções e a participação de uma companhia de 40 cantores e dançarinos.
O presente lançamento faz uma selecção de 13 dessas canções, incluindo colaborações com os convidados Ruben Blades, Marc Anthony e Ednita Nazario, três nomes famosos de cena musical latino-americana com presença habitual nos ecrãs televisivos, no canal HTV.
A esta quantidade de meios e de ambição corresponde um dos mais sólidos trabalhos musicais de toda a carreira de Paul Simon, com base nas culturas e na música do chamado “Terceiro Mundo”, dando deste modo sequência a uma tendência que se tem vindo a acentuar em álbuns como “Graceland”, com ênfase na música do “soweto” da África do Sul, e no mais recente “Rhythm of the Saints”, em torno da música tradicional brasileira. Em “The Capeman”, cada canção foi escrita especificamente para uma personagem, sobressaindo progressivamente o carácter da personagem principal, que acabou por morrer aos 43 anos, pouco depois de ter saído da prisão.
“The Capeman” é um álbum de muitas e diversificadas cores, com uma linguagem por vezes crua, confirmando que a “loucura” de Paul Simon está longe de se poder considerar extinta. Centrada num conceito, a música diverge por uma pluralidade de facetas que permitem pôr em evidência a experiência acumulada pelo autor ao longo das últimas quatro décadas, concretizada num som que, matizado por múltiplas notas étnicas, não é world music, mas o testemunho de um compositor-intérprete criador de uma linguagem amadurecida que tanto afirma o enraizamento na tradição clássica dos grandes autores norte-americanos como se mantém atenta às contribuições provenientes das culturas “marginais” que a sustentam de fora para dentro. “Se o som da música está certo”, diz o compositor, “então percebe-se a história”.
No início, predomina a religiosidade e um sentido de unidade, em temas como “Adios hermanos”, “Born in Puerto Rico” e “Satin summer nights”, a primeira numa polifonia evocativa dos Ladysmith Black Mambazo, a terceira inspirada directamente no “gospel”. “The vampires”, um dos momentos altos do disco, é um “mambo” com a força dos cubanos Sierra Maestro, num quadro de latinidade equivalente ao que David Byrne traçou no seu “Rei Momo”. As vocalizações “doo-wop” surgem em “Quality”, a anteceder o tom confessional de “Can I forgive him” e a arrebatada interpretação da convidada Ednita Nazario, em “Sunday afternoon”. Toda a parte final é mais “americana”, sugerindo a aglutinação de culturas, presente numa “cowboy song”, “Killer wants to go to college”, e na recuperação da “country”, segundo a linhagem de Johnny Cash, em “Virgil”, ficando aberto o caminho para duas baladas plenas daquela claridade que, álbum após álbum, Paul Simon vem sujeitando a um trabalho de metódica depuração, “Time is an ocean” e “Trailway bus”.
Ao contrário de outros “songwriters” norte-americanos de nomeada, como Neil Young, a quem a passagem do tempo vai deixando cicatrizes e empurrando para a fúria ou para o desencanto, Paul Simon evolui no sentido inverso, com uma pureza quase infantil, aproximando-se do estado de graça. “Still crazy after all these years”? Obviamente que sim, ao “ritmo dos santos”, a partir de agora em exibição num cinema perto de si, antes de explodir no espectáculo da Broadway no princípio do próximo ano.
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