01/06/2009

Negativland - Desipsip

Sons

7 de Novembro 1997
DISCOS - POP ROCK

Pipse-Cola
A escolha de uma geração negativa


“Desipsip”, “Ideppiss”, “Diseipso”. O título, construído a partir de um anagrama com a palavra formada pelas letras “P”, “E”, “P”, “S” e “I”, do novo álbum dos Negativland, “o pesadelo das marcas registadas”, como já são conhecidos, é facultativo. Quem estiver interessado em saber o nome verdadeiro e a sua pronúncia correcta, poderá fazê-lo através do telefone 510-466-5253, durante este ano e o próximo. Desta feita, o massacre tem como alvo a Pipse-Cola, como antes já tivera os U2 (“a pior banda do universo”, na óptica dos Negativland).
A este propósito, recorde-se que esta banda norte-americana editou também, por escrito, “The Story of the Letter ‘U’ and the Numeral ‘2’, na continuação do seu jogo do rato e do gato contra o sistema em geral e contra aquela banda irlandesa em particular. Lembremos ainda o xeque-mate aos “media” levado a cabo no álbum “Helter Stupid”, onde conseguiram cobrir de ridículo os jornais e a televisão norte-americanos, pondo a nu as disfunções do processo de difusão de informação pela comunicação social.
“Psisiped” começa por ser um achado, logo pela capa, o símbolo tauista da totalidade, expressa na dualidade Yang/yin, que os Negativland imprimiram com o vermelho e o azul da Pipse. Bingo! O jogo passou a ser jogado a uma escala planetária. Todas as faixas aludem a esta marca de refrigerantes, mas o discurso opta, de forma inteligente e cem por cento eficaz, pela ironia, na dissecação da sociedade de consumo nos seus vários aspectos – das técnicas de controlo à subjugação e alienação das massas. Em termos gráficos, outro triunfo. Quem abrir a caixa do CD terá ao seu dispor uma enorme gargalhada. Há ainda um livrete de conselhos à Pipse e à Caco-Cola, “A Proposal to Coke and Pepsi” (com os respectivos sinais de marca registada), para obtenção dos melhores resultados nas suas respectivas estratégias de dominação planetária, da autoria da “One World Advertising”, contendo informações confidenciais (!) relativas às “conclusions of the Corporate Cola Strategy Analysis Project, with non-problematic solution recommendations”.
Verifica-se assim que, em definitivo, a obra dos Negativland passou a ser indissociável de um conceito temático central, determinante de toda a componente musical, algo que já se pressentia, embora ainda numa perspectiva globalizante, no genial “Escape from Noise”. Tal estratégia tem como risco principal tornar irrelevante a música propriamente dita e foi isso que, de facto, aconteceu, em álbuns como “U2”, “Guns” e em partes de “Helter Stupid”, onde as palavras, e a sua manipulação, passavam o discurso musical para um plano secundário.
Posteriormente, porém, os Negativland emendaram a mão e, depois do magnífico “Free”, “Pedispis” volta a colocar o grupo na vanguarda dos grandes corruptores da pop. Não desapareceram, como seria de esperar, essas apropriações de discursos fragmentários arrancados, neste caso, de programas de rádio, anúncios da Pipse, cassetes privadas de empresas ou excertos do julgamento de O. J. Simpson, entre outras fontes, mas funcionando como separadores de canções que são já pura subversão, na medida em que esfrangalham o contexto original da “genuína” música norte-americana, atirando a “country music” e a “surf music” dos Beach Boys para o esgoto do risível. Neste sentido, os Negativland estão bastante próximos de um grupo como os Residents, com a diferença de que a sua estratégia e métodos de trabalho são mais claros e directos que os dos “eyeballs” de São Francisco.
As habituais elaborações electrónicas, de uma falsa pop electrónica, fazendo lembrar, por vezes, Steve Fisk (que participa no álbum) e Chris Burke (de “Idioglossia”), disfarçam-se numa ingenuidade “naїf” que trai os seus “tenebrosos” (para a indústria...) propósitos. Temas como “Drink it up” (sobre a viciação), “Why is this commercial?”, “A most successful formula”, “The greatest taste around” ou “Voice inside my head” são alguns dos hinos e manifestos de uma lucidez quase cruel, ou anedotas assassinas, de “Siedpsip”, o álbum mais acessível e imediatista de toda a discografia dos Negativland mas, por este motivo, aquele onde a mensagem passa com maior intensidade. Os Negativland transformam em música a farsa consumista do final do século, arrastando consigo a devoção de muitos e a maldição de uns quantos. “This is the choice of a negative generation”, proclamam, numa oração invertida em honra da Pipse. Têm razão. Pertence-lhes a tarefa, escatológica, de fazer chafurdar o cidadão respeitável no líquido das suas iniquidades. Quer ele tenha o rótulo de “Caco-Cola” ou “Pipse-Cola”.

Negativland
Desipsip (9)

Seeland, import. Ananana

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