Sons
12 de Dezembro 1997
POP ROCK
12 de Dezembro 1997
POP ROCK
À sombra da bananeira
Vários
Biografia do Pop-Rock (8)
2xCD ed. e distri. Movieplay
Era difícil, antes da revolução do 25 de Abril, cantar em português e fazer música portuguesa original. A censura mandava. A luta processava-se mais pelo lado da chamada “música de intervenção”, por gente como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco e a vaga de baladeiros lançados pelo programa Zip Zip. Mas, e a pop? Mas, e o rock? Os “conjuntos” ié-ié ouviam os seus congéneres estrangeiros, sobretudo os ingleses, principalmente os Beatles e os Stones, copiando e adaptando-os à realidade nacional. “Biografia do Pop-Rock” traça um retrato, necessariamente incompleto, dessa realidade nos anos 60 e 70, através de uma compilação de “singles”, cujas edições originais se tornaram verdadeiras raridades.
De um total de 30 temas, alguns soam hoje absolutamente ridículos, entre versões mais ou menos inspiradas e uma “twilight zone” que exala o perfume do anacronismo. Examinemo-los por ordem.
“Pop Five”, dos Pop Five Music Incorporated (com Miguel Graça Moura, hoje maestro), de 1970, foi durante alguns anos o indicativo do célebre programa radiofónico Página Um, da Rádio Renascença. Um “funky” semi-instrumental e grosseiro que, em virtude dessa utilização, ficou nos ouvidos. “Era um biquini piquinino às bolinhas amarelas”, de Pedro Osório e o seu conjunto, surge como uma pura inanidade. “Ela não queria sair da barraca, ninguém podia tirá-la dali, então eu fui espreitar e o que vi era um biquini piquinino às bolinhas amarelas, que loucura, é de tarar!” acompanhado por um cãozinho a ladrar e vozes de Mickey.
Os Ekos, de Edmundo Falé e Mário Guia, eram um dos mais famosos conjuntos ié-ié que concorriam aos famosos concursos de música moderna do Cinema Monumental. “Esquece”, de 1965, é uma versão curiosa de “Hold on” de P. J. Proby, com um toque da “swinging London” repescada para um “hully gully” com letra de rock sentimentalão. “O Júlio é um duro”, dos Albatroz, gravação de 1981, faz parte da geração do “boom” do rock português protagonizado por Rui Veloso, UHF e GNR. É um daqueles temas cujo refrão (?) é impossível tirar da cabeça.
Os Jets, de João Alves da Costa, outro dos conjuntos do Monumental, eram psicadélicos e cantavam em inglês “Let me live my life”. Órgão “fuzz”, ritmo arrastado, Syd Barrett a ver. O ano de edição? 1967, como não podia deixar de ser. Adelaide Ferreira cantava em 1979 “Meu amor vamos cantar os dois”. Cantava suave uma balada inofensiva, num lugar hesitante entre a margem esquerda da MPP e a música de variedades.
Os Arte e Ofício, do Porto, os tais que foram “melhores que os Can” no espectáculo do Pavilhão dos Desportos, safavam-se, em 1977, com “Festival”: Gentle Giant mais Black Sabbath com proficiência técnica. Segue-se coisa séria. “A bananeira”, um original de 1974 dos Petrus Castrus (autores do álbum “mestre”, marco da pop nacional) é um clássico, instante de suspensão único na música portuguesa. De longe o melhor tema desta compilação.
“I’m a believer”, um original de Neil Diamond popularizado pelos Monkees, foi adaptado em 1967 pelos Chinchilas, um dos conjuntos com nome feito da altura. Tem um balanço um pouco emperrado, mas, vá lá, passa. “Canção da Beira Baixa” é um instrumental “à Shadows”, gravado pelos Titãs em 1963. Estão lá as guitarras, o eco, o espírito da época. Fez parte do grupo José Lello, actual Secretário de Estado das Comunidades.
“Vendaval”, rotulado de “rumba rock”, é mais popfado chunga. Vem assinado, em 1963, pelo Conjunto Nova Onda, do qual fazia parte Gonçalo Lucena que mais tarde viria a tornar-se conhecido pela sua participação no concurso A Visita da Cornélia. Fernando Conde, “o Cliff Richard português”, cantava em 1966, de maneira desengonçada, “Amar, viver, sonhar”, um “shake” adaptado de um original de Chuck Berry.
Outro “hully gully”, “O dia em que te vi”, pelo Conjunto Diamantes Negros, de 1966, é mais um pedaço de sonho. “Naquele dia em que te vi/ tão só/ desamparada, a chorar/ na tarde amena estavas tu/ tão só/ corri para ti para te abraçar.” Cheio de lágrimas doces e um sax embevecido a fazer lembrar David Bowie.
O “fox blue” instrumental “Nivran”, de 1966, é puro “easy listening” para consumo em salões de bailes de finalistas. Com xilofone e a displicência do Conjunto Académico Orfeu. Também é deles “Cosmovisão”, um tema progressivo de 30 minutos, que muitos puderam ouvir num espectáculo do grupo ao vivo, em Sintra, mas que nunca chegou a aparecer em disco. Aqui, a banda, que chegou a ter como vocalista Lena d’Água, lança-se nos seis minutos de “Cristine (assim mesmo, sem “h”...) goes to town” (1971), com guitarras em mutação e vocalização em inglês num “prog” à Uriah Heep, mesclado de “rhythm ‘n’ blues”, como era corrente em Inglaterra, nessa altura.
O segundo disco da Biografia abre com “Missin’ you”, de 1979, um êxito tardio dos Sheiks, grupo por que passaram Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Fernando Silva e Fernando Chaby. Um “slow” cheio de “soul” e inspiração, recordado com nostalgia por quem ainda se lembra. E chega Vítor Gomes, sem os Gatos Negros e as acrobacias que o fizeram famoso nas suas aparições ao vivo, mas com Os Siderais, que o acompanhavam em 1967, em “Juntos outra vez”. Os Mini-Pop foram a primeira “boys band” portuguesa. Em “My holiday girl”, de 1973, imitavam um “gospel” imberbe dos Edwin Hawkins Singers, para meninos bem cantarem nas férias do Natal.
Lembram-se do “twist” os veteranos? Que maravilha era balouçar as pernas e a cintura a ouvir Pat Boone e o “twist and shout” dos Beatles. Mas Daniel Bacelar (“o Ricky Nelson português”) e os Gentlemen cantavam em “Olhando para o céu” (1963): “Não posso olvidar teu meigo olhar, nem o teu sorriso de encantar”, seguido por alguns dos primeiros gritos ié-ié da música portuguesa.
A seguir vêm Os Claves, outro conjunto célebre, com uma versão de “California dreamin’” dos Mamas and Papas, com data de 1966 e um melífluo solo de flauta pelo meio. Para pôr flores no cabelo e partir para São Francisco. O que atrás se disse sobre os Albatroz aplica-se ao tema dos UHF incluído nesta colectânea, “Um mau rapaz”, de 1982, um dos primeiros gravados pela banda de António Manuel Ribeiro. É difícil resistir ao balanço da frase de sintetizador e à fúria genuína do Jim Morrison português.
Inacreditável, o tema que se segue, um dueto da cantora Teresa Paula Brito com José Duarte, esse mesmo, o crítico de jazz, sob a designação de The Strollers, numa versão de “Chevrolet”, de Larry Young. É toda uma vontade de “cantar ‘jazzy’” que se desprende da vocalização de José Duarte, em variações de ginasta, com entoações que põem a língua inglesa de pantanas. Cometeram o “crime” em 1967.
Os Rock & Varius, com a cantora Midus e o saxofonista Mário Gramaço, cultivavam o “ska” nacional, em “Totobola”. No ano de 1981, o tal do “boom” do rock português. Ao contrário de muitas outras bandas portuguesas da época, os Psico, do guitarrista Toni Moura, eram exímios executantes, fazendo gala disso, em 1978, no instrumental “Al’s”, onde se entregavam a solos de guitarra, baixo e sintetizador sincronizados. O Progressivo no seu lado mais profissional, entre o “jazz rock” dos Solution e o sinfonismo dos Genesis.
E o Zeca do Rock, meu Deus!! De seu verdadeiro nome, José das Dores, foi o primeiro músico português a gravar um “ié” em disco, por sinal, neste preciso “Sansão foi enganado”, de 1961, (considerado o mais raro vinil nacional), uma verdadeira lição para Manuel João dos Ena Pá 2000. A voz de barítono “blasé” de Zeca aflorava a poesia erótica, declamando os amores de perdição entre Sansão e a sua Dalila em versos de grande beleza plástica: “Quando ele acordou, coitado, não tinha força para nada/ foi então acorrentado por ordem de sua amada./ Algum tempo já passado, o cabelo lhe voltou, cheio de força e zangado, até a casa ao chão deitou, ié!"
“Os teus olhos senhora” (1968), pelos Charruas, grupo ié-ié da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém, que contava nas suas fileiras com Danny Silva, é um “slow” inocente, repleto de “uh-uhs” e olhos marejados de lágrimas.
“Num belo autocarro um dia entrei/ e nele tudo estranhei/ dois empregados bem gentis/ como nunca teve a Carris/ que carro é este, perguntei/ pois que nunca assim eu viajei/ é o autocarro do amor/ logo respondeu o revisor”. Ressaca do Verão do amor, em Pop chunga do piorio, de 1969, por Os Taras e Montenegro, um grupo que andou em digressão pelo país real, ao lado de José Afonso, Paulo de Carvalho e Quim Barreiros.
De ir às lágrimas é o “Bailinho da Madeira”, pelos Demónios Negros, em versão “bailinho twist” de 1965, de onde ressaltam uns delirantes “uis” e palavras de ordem populistas, antes do tema derivar para uma desbunda eléctrica sem classificação possível. Comparável, na construção dramática, ao mais grandioso monumento do absurdo da Pop nacional que é “I am a Xanxo”, dos Steamer’s.
“A festa”, do Corpo Diplomático (com Pedro Ayres de Magalhães e Carlos Maria Trindade), de 1979, assinala o período de transição do “punk” dos Faíscas para a pop nacionalista dos Heróis do Mar. É um exercício de “new wave” sintético, da escola Ultravox/Magazine, sobre um texto de humor-negro, constituindo um dos temas menos acessíveis desta biografia que anunciava já o futuro.
“Biografia do Pop/Rock” – que termina dando um nó ao tempo, com um remistura, já deste ano, de “Page one”, a cargo de Scotty Marz – é um documento de puro gozo.
2 comentários:
visite meu blog o seu esta DE PARABENS....
valeu
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