Sons
13 de Fevereiro 1998
13 de Fevereiro 1998
Entrevista com Tim e Zé Pedro
Xutos no lado escuro da lua
Joaquim Leitão ofereceu a sua “Tentação” aos Xutos e Pontapés que não se fizeram rogados. Pegaram na história de amor entre um padre e uma toxicodependente e construíram sobre ela um exercício de espaço e de programações. “The Dark Side of the Moon” de uma das bandas mais rockeiras do país? Não admira, eles andaram a ouvir os Pink Floyd e tiraram daí umas ideias.
Tim e Zé Pedro, voz principal e guitarra dos Xutos e Pontapés, falaram ao PÚBLICO das suas mais recentes aventuras cinematográficas. Depois da banda sonora de “Tentação”, o som do grupo poderá nunca mais voltar a ser o mesmo.
PÚBLICO – Quando e de quem partiu a ideia para fazerem a música de “Tentação”, primeira ligação dos Xutos ao cinema?TIM – Foram eles! O produtor Tim Navarro, que se lembrou de nós na sequência do que já tinham feito antes com o Abrunhosa e os Delfins [para o filme anterior de Leitão, “Adão e Eva”]. Devem ter percebido que, colando uma banda portuguesa a um filme português, a coisa funcionava melhor.
P. – Em que base é que compuseram? Viram o filme já completo? Apenas algumas partes? Não viram?T. – Grosso modo, contaram-nos a história do filme. Lemos o guião para ver que tipo de história era – uma história da pesada. Meteram-se entretanto pelo meio os concertos no Coliseu. Mais tarde, começámos a receber cassetes de vídeo com excertos da obra. Eram todas fraquinhas, bocados do filme.
P. – Não tinham uma ideia geral do argumento?T. – Era a introdução, o genérico inicial, a cena dos “caldos”... Sempre com uma sensação muito frágil, apenas com base em algumas montagens do trabalho em que os diálogos ainda não estão certos.
ZÉ PEDRO – Começámos a pensar num tema base que poderia, eventualmente, ser repartido pelo filme. Esteve para ser “A voz do mal”, que acabou por ficar na cena de acção do Diogo Infante com o Joaquim de Almeida no túnel. A partir daí, com o Joaquim Leitão, que nos foi dando ideias, sugerindo para tema-base algo mais ambientalista. Por fim ficou, como a grande canção de amor, o “Para Sempre”.
T. – Depois houve uma fase de trabalho em que preparámos uns dez pedaços de coisas que pusemos à disposição do Joaquim Leitão que colaborou mais de perto connosco até ao fim. Às cinco da manhã acabava as filmagens e começava a discutir a música, cinco segundos aqui, mais dez segundos ali.
P. – Um trabalho de laboratório?T. – Coisas de cinema que nós nunca poderemos tocar ao vivo. Como o genérico ou a “Ressaca”. Em que o Kalú tratou das partes rítmicas todas e eu das melodias e das partes vocais.
Z.P. – A seguir a essa escolha de alguns segundos de música, entrámos no estúdio para fazer os temas na totalidade.
T. – Foi um trabalho que nos deu uma outra visão de nós como músicos. Dentro do mesmo tipo de tarefas, mas com outras matérias e meios de trabalho. O Kalú, por exemplo, que está ligado à bateria, uma coisa física, mostrou que no seu interior tem outro tipo de ritmo que não necessita de ser físico. Cada um criou uma espécie de “alter ego”. Em termos técnicos tivemos que partir de uma base de computador, para podermos fazer as montagens.
P. – A introdução de “Tentação” exibe descaradamente o som dos Pink Floyd...T. – [Risos.] Mas isso foi precisamente uma das referências que eu tive sempre presente quando escolhia as sonoridades, fazer algo semelhante ao que eles fizeram em “La Valée”, esse tipo de ambientes. Como a nossa música habitual é muito directa e rápida, certas coisas não podiam ser encaradas como canções. A linguagem de que andávamos à procura era outra – um ambiente que ligasse com as imagens.
P. – Como é que ouvem agora a música, já completamente integrada nas imagens?T. – É muito mais forte! Fizemos coisas de que não tínhamos muito a ideia, em termos de imagem, do que iria acontecer. Só depois de vermos o filme é que percebemos algumas das ideias que o Joaquim Leitão já tinha na cabeça.
P. – A partir de “Tentação”, a música dos Xutos poderá mudar ou, pelo menos, seguir métodos de trabalho diferentes?T. – O som dos Xutos teve sempre uma dicotomia, por um lado os habituais sete ou oito meses de estrada, em que as músicas são trabalhadas na altura, para as pessoas ouvirem no momento, e depois os outros meses de estúdio, em que as músicas são feitas para nós próprios. Por vezes torna-se cansativo, sobretudo para mim e para o Kalú, puxarmos sozinhos a carroça, trabalharmos primeiro as bases da música e depois esperarmos pelo trabalho das guitarras. Nas gravações de “Tentação”, com a ajuda das máquinas, foi tudo muito mais interactivo. Na próxima mudança de século as coisas poderão passar a funcionar mais para este lado.
P. – O que é que vos passou pela cabeça quando gravaram a remistura tecno de “Enquanto a noite cai”?T. – O Kalú sempre gostou muito de ritmos dançáveis, sobretudo afro, de coisas para poderem ser tocadas em discoteca. Neste tema teve a desculpa certa.
P. – Nos quatro temas cantados, as letras são um bocado simplistas, não acham?T. – Minimalistas! Não me preocupei muito com isso. As mensagens que eu queria dar eram muito descritivas das personagens e das suas emoções. “A voz do mal”, por exemplo, pretende mostrar a perseguição que o mau faz à rapariga. O “Para sempre” é sobre o juramento que eles fazem no final do filme.
P. – Consumada esta experiência, são mesmo apreciadores de cinema?Z.P. – Eu mais do que todos. Principalmente Quentin Tarantino, o realizador mais prá-frentex. E sou coleccionador de bandas-sonoras.
T. – Também gosto imenso de ir ao cinema, mas já não tenho muitas hipóteses de escolha. Por causa dos meus dois putos mais novos, vejo os filmes do Walt Disney todos, no cinema, e depois, outra vez, em casa. [Risos.] Filmes “fétiche”, tenho o “Blade Runner”. Tenho uma cultura cinéfila dos anos 70, o “Amarcord”, esse tipo de coisas.
P. – Aceitariam fazer música para um filme de Manoel de Oliveira?Z.P. – Só se fosse para animar as partes mortas do filme. [Risos.]
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