CULTURA
QUINTA-FEIRA, 15 NOV 2001
CRÍTICA MÚSICA
O
chunga chique dos Air
Air + Sebastien Tellier
Coliseu dos Recreios, Lisboa
13 de Novembro, 21h
Sala cheia
Mais
um bocadinho e pareciam os Yes. Mais uns aninhos e teremos os Air a encher
estádios de futebol com o seu rock sinfónico progressivo, dispensado de uma vez
por todas o invólucro de plástico dos primeiros discos. Mas foram os Pink Floyd
que andaram na boca de todos, nos comentários à primeira e apoteótica
apresentação ao vivo em Portugal do grupo francês. “Vieste ver os Pink Floyd?”,
perguntava alguém com um sorriso onde se confundiam o desdém e a admiração.
“Olha estas malhas iguais às do David Gilmour”, comentava outro. As luzes, os
solos intermináveis de guitarra, um baterista marçano e sintetizadores tocados
por aprendizes que ainda não chegaram à última página do manual foram, no
entanto, suficientes para levar à histeria um Coliseu a abarrotar.
Os Air serão ou não irónicos na
relação que mantêm com a música dos dinossauros dos anos 70, a questão está em
que para os milhares de jovens que encheram a velha sala das Portas de Santo
Antão, o espetáculo esteve no artifício, nas explosões bombásticas que fariam
espumar de inveja o grego Vangelis, na transposição para o conceito sinfónico
de temas assumidamente pop como “Kelly watch the stars”, “Sexy boy” ou grande
parte das canções (excelente, não se nega aos Air o talento de térmitas de
estúdio…) do novo álbum, “10000h Hz Legend”.
Dêem-lhes mais um par de anos,
outro lote de discos velhos para ouvir e aprender, os meios técnicos e os
cifrões necessários para o empreendimento, e verão como eles ficarão gordos e a
sua música ficará mais gorda ainda, e haverá milhões a aplaudir cada solo de 20
minutos e – triunfo final – isqueiros acesos por pais e filhos em conjunto,
celebrando em harmonia familiar o ritual conciliatório do rock mainstream.
A música dos Air resulta ao vivo,
chunga e chique. Chunga chique. Chunga chique como foi o concerto dos próprios
Pink Floyd há anos no Estádio de Alvalade. Chunga chique como quase toda a
música pop e rock francesa de massas. Trejeitos, lodo e perfume.
Antes dos Air atuou o seu
compatriota Sebastien Tellier, primeiro artista a assinar pela recém-criada
editora do grupo. A principal virtude da apresentação ao vivo deste novato que
na sua estreia em disco, “L’Incroyable Vérité”, se faz passar por uma variante
neo-pop-easy listening-psicadélica gaulesa de Robert Wyatt foi ter durado pouco
mais de vinte minutos.
Foi sob uma rajada de focos de
luz branca apontados à cara da assistência que os Air lançaram sobre o Coliseu
o anúncio sintético de “Electronic performers”, também tema de abertura de
“10000 Hz Legend”: “We are the synchronizers/(…)/Machines gave me some
freedom/(…)/We are electronic performers/We are electronics”. Assim é, de
facto, nos discos. Ao vivo, porém, os Air são menos eletrónicos do que
performers de um circo de fancaria onde alguém também viu flashes de Barbarella
e da “Guerra das Estrelas”.
Mas o que nos álbuns é plástico,
o mesmo tipo de plástico usado por tecnopoppers como New Muzik, Buggles ou M,
em palco soa como uma sucessão de clichés onde borbulham os
samples-postos-ali-para-as-canções-não-soarem-muito-diferentes-das-versões-de-estúdio,
vozes vocoderizadas – tão engraçado que foi ouvir o vocalista anunciar com voz
de robô: “Sorry, but we can’t speak in portuguese” – os blips e blops de
sintetizadores mal amanhados e, erguendo-se mais alto que tudo o resto, os
solos de guitarra David Gilmourianos de Jean-Benoit Dunckel.
Além de “Playground love”, a
belíssima canção composta pelos Air para a banda sonora de “The Virgin
Suicides”, “Radio #1”, “Lucky & unhappy”, “People in the city”, o super
divertido (no disco…) “How does it make you feel” e “Sex born poison” foram
alguns dos temas que decaíram de “10000 Hz Legend” para a pastiche do rock
sinfónico pimba. Nalguns casos a música pedia uma voz como a de Claudisabel ou
os saxofones e os coros épicos de “Dark Side of the Moon”. Noutros os Air
tentaram mostrar que aprenderam alguma coisa com os Kraftwerk, pela via rápida
da pop sintética, mas foi sempre o excesso, a grandiloquência e, quase sempre,
o impacto artificial de um som cheio de nada, que se impuseram a um público que
bateu palmas de acompanhamento, gritou e exigiu os dois encores que o
alinhamento previa. Oportunidade para receberem como prémio dois dos hinos de
“Moon Safari”, o álbum que impôs o nome dos Air em Portugal: “Kelly watch the
stars”, numa variante pateta dos Yes do período tecnnopop e “Sexy boy”, em
registo “slow”.
O último tema, aquele que em
geral os artistas tocam com a finalidade de arrefecer os ânimos do público de
modo a poderem enfim ir para o hotel descansar, “La femme”, foi o melhor da
noite. Por uma vez os Air puseram a música à frente do conceito, entregando-se
a uma sessão de spacerock canterburyano, impelida por um riff insistente de
baixo e esvoaçantes fraseados jazzy do piano elétrico de Nicolas Godin. Sem
truques nem banha da cobra.
Da próxima vez que vierem cá
tocar esperem dos Air qualquer declaração do tipo: “Estávamos a ser irónicos
quando fingíamos ser irónicos.”
Roger Waters será o convidado
especial.
EM RESUMO
O melhor “La femme”, o único tema em que os Air fizeram música pelo
prazer da música
O pior
A grandiloquência balofa, os
tiques sinfónicos, a incapacidade dos Air de transporem para o palco a matéria
sonora e conceptual dos álbuns
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