Sons
25 de Junho 1999
La Bottine Souriante lança 10º álbum com título novo
A bota sorridente porque bebe
Editado há um ano no Canadá, “Xième”, o mais recente álbum dos La Bottine Souriante, só agora foi editado em Portugal, mesmo assim uma semana antes que no resto da Europa. E com um novo nome: “Rock & Reel”. Quanto à Bota Sorridente, também poderia chamar-se Os Amantes da Garrafa. O grupo actuou recentemente no festival Cantigas do Maio, no Seixal. O PÚBLICO falou com alguns dos seus elementos e ficou a saber que o vinho, a par dos padres e das mulheres, é um tema recorrente na tradição do Quebeque. O partido comunista é que parece não ter grande freguesia…
Impregnados da herança céltica e temperada com salsa, a música dos La Bottine criou um estilo próprio através da utilização de um naipe de metais. O resultado é uma aliança entre a energia do rock’n’roll, a musicalidade da língua francesa pronunciada à maneira do Quebeque e uma alegria contagiante. Confira-se pelo novo álbum, “Xième”. Ou “Rock & Reel”, se preferirem.
PÚBLICO – “Rock & Reel” está a ser apresentado como um novo álbum do grupo, quando o disco original saiu no ano passado…
YVES LAMBERT – O disco não tinha tido ainda nenhuma distribuição fora do Quebeque, era praticamente desconhecido. Houve pessoas, como você, que fizeram alguma confusão com a diferença de títulos e com o facto de as capas, embora parecidas, não serem exactamente as mesmas. Mas isso só aconteceu com uma minoria, que conhece a existência de “Xième”. No Quebeque continua a haver apenas a edição original.
P. – “Rock & Reel” é um título um bocado redundante, não acham?
JEAN FRÉCHETTE – Não é um álbum tão tradicional como “La Traversée de l’Atlantique”, por exemplo…
Y. L. – … Mas também não é um álbum rock. Talvez a energia seja a mesma do rock’n’roll. O termo rock, no nosso caso, aplica-se mais a um determinado tipo de pulsação.
P. – O “reel” compreende-se, até porque se trata de um dos álbuns dos La Bottine onde a vertente céltica está mais presente.
DENIS FRÉCHETTE – Sim a herança céltica está sempre presente. A Escócia, por exemplo, é uma influência determinante nos “reels” do Quebeque.
Y. L. – Sim, como a música irlandesa, que constituiu uma influência enorme em meados do séc. XIX, dando origem a uma fusão do “beat” francófono com o “beat” irlandês. Mas não são só os “reels” mas também os “airs” e as canções de origem francófona. Apesar de tudo, “Xième” é bastante mais “québéquoise”, com um som mais particular.
P. – “Xième” foi editado no Quebeque com o selo Mile-Pattes, do qual os La Bottine são os fundadores. Quais são os objectivos da editora?
Y. L. – “Mille-Pattes” foi o primeiro álbum que produzimos, em 1982. A intenção era financiarmos os nossos álbuns, de nos tornarmos independentes. A música é um meio onde há muitos “tubarões”, muita gente desonesta. Por outro lado, o facto de a EMI passar a distribuir os nossos discos constitui um apoio. Mas permanecemos independentes, uma vez que é a Mille-Pattes quem negoceia com a EMI.
P. – Até que ponto existe uma tomada de posição política no grupo? À primeira vista, parecem dar relevo, essencialmente, ao humor.
Y. L. – O nosso objectivo é ajudar as pessoas a descontraírem-se, a sentirem alegria de viver. Não somos um grupo politicamente “engagé”. Cada elemento do grupo tem as suas ideias próprias. Um álbum como “Le Trésor de la Langue”, de René Lussier, isso sim, é trabalho com um belo conceito político.
P. – E os grupos folk canadianos que começaram um pouco antes da Bottine, como os Harmonium, Séguin ou Cano, conhecem?
D. F. – Fazem parte da nossa cultura, embora nunca tenhamos contactado com eles. Os Beau Damage eram um grupo maravilhoso dessa época. Não nos sentimos, de modo nenhum, isolados. Todos os anos, em Dezembro, fazemos uma digressão pelo Quebeque, em salas regionais.
Y. L. – Falta dizer que a música do Quebeque se encontra, mais ou menos há dez anos a esta parte, num marasmo. O que está na moda são os espectáculos com humoristas, as pessoas gostam de rir. O contexto actual torna difícil a existência de verdadeiros músicos no Quebeque. Os jovens estão a afastar-se da música tradicional e uma das causas é a rádio. Quanto a nós, já existimos há 23 anos e, por isso, gozamos de uma certa reputação, as salas em que tocamos costumam estar cheias.
Quando contratámos os músicos que tocam os metais, houve uma certa recusa, as pessoas consideravam-nos ainda como a banda que éramos nos anos 70, mais puristas e próximos da “real thing”. Mas, finalmente, chegados aos anos 2000, a Bottine é um grupo acarinhado. No estrangeiro foi mais fácil, há um público mais recente que não conhecia o nosso passado.
P. – Como é que trabalham a esse nível, na ligação dos metais com o reportório tradicional?
J. F. – É o Denis que faz todos os arranjos, antes tocou muita salsa. Está no grupo desde 1986 e a ele se deve a ideia de introduzir os instrumentos de metal na banda.
Y. L. – Ele e eu fizemos parte de um grupo anterior aos La Bottine, completamente diferente. E fora do contexto do Quebeque. Tocávamos música italiana, judia e indiana.
P. – Há pouco, negaram qualquer envolvimento político, mas a verdade é que já tocaram há uns anos em Portugal, na Festa do “Avante!”
Y. L. – Ao princípio nem sequer sabíamos que pertencia ao Partido Comunista, pensávamos que se tratava apenas de uma festa onde eram apresentados vários estilos de música. No Quebeque não existe nenhum partido comunista. Lembro-me, pelos jornais, de todo o folclore, em torno das bandeiras com a foice e o martelo… Na Europa é vulgar a luta entre o comunista e o capitalismo, politicamente é interessante, mas a verdade é que, no Quebeque, não acontece nada disso.
P. – É verdade que têm em Marcel Bordeleau um especialista na acústica dos sapatos?
Y. L. – Sim, já usou umas solas de plástico que tinham um bom som, mas que acabaram por se partir. A sua descoberta mais recente são uns tacões de metal, ideais para bater no estrado. É um talento natural…
P. – Os músicos dos La Bottine são verdadeiros “amantes da garrafa”? O álbum tem várias faixas dedicadas ao tema…
J. F. – Sim, sim, no meu caso até faço vinho. Também já fiz cerveja… Na tradição do Quebeque o tema da bebida é frequente. Como o clero e as mulheres…
25 de Junho 1999
La Bottine Souriante lança 10º álbum com título novo
A bota sorridente porque bebe
Editado há um ano no Canadá, “Xième”, o mais recente álbum dos La Bottine Souriante, só agora foi editado em Portugal, mesmo assim uma semana antes que no resto da Europa. E com um novo nome: “Rock & Reel”. Quanto à Bota Sorridente, também poderia chamar-se Os Amantes da Garrafa. O grupo actuou recentemente no festival Cantigas do Maio, no Seixal. O PÚBLICO falou com alguns dos seus elementos e ficou a saber que o vinho, a par dos padres e das mulheres, é um tema recorrente na tradição do Quebeque. O partido comunista é que parece não ter grande freguesia…
Impregnados da herança céltica e temperada com salsa, a música dos La Bottine criou um estilo próprio através da utilização de um naipe de metais. O resultado é uma aliança entre a energia do rock’n’roll, a musicalidade da língua francesa pronunciada à maneira do Quebeque e uma alegria contagiante. Confira-se pelo novo álbum, “Xième”. Ou “Rock & Reel”, se preferirem.
PÚBLICO – “Rock & Reel” está a ser apresentado como um novo álbum do grupo, quando o disco original saiu no ano passado…
YVES LAMBERT – O disco não tinha tido ainda nenhuma distribuição fora do Quebeque, era praticamente desconhecido. Houve pessoas, como você, que fizeram alguma confusão com a diferença de títulos e com o facto de as capas, embora parecidas, não serem exactamente as mesmas. Mas isso só aconteceu com uma minoria, que conhece a existência de “Xième”. No Quebeque continua a haver apenas a edição original.
P. – “Rock & Reel” é um título um bocado redundante, não acham?
JEAN FRÉCHETTE – Não é um álbum tão tradicional como “La Traversée de l’Atlantique”, por exemplo…
Y. L. – … Mas também não é um álbum rock. Talvez a energia seja a mesma do rock’n’roll. O termo rock, no nosso caso, aplica-se mais a um determinado tipo de pulsação.
P. – O “reel” compreende-se, até porque se trata de um dos álbuns dos La Bottine onde a vertente céltica está mais presente.
DENIS FRÉCHETTE – Sim a herança céltica está sempre presente. A Escócia, por exemplo, é uma influência determinante nos “reels” do Quebeque.
Y. L. – Sim, como a música irlandesa, que constituiu uma influência enorme em meados do séc. XIX, dando origem a uma fusão do “beat” francófono com o “beat” irlandês. Mas não são só os “reels” mas também os “airs” e as canções de origem francófona. Apesar de tudo, “Xième” é bastante mais “québéquoise”, com um som mais particular.
P. – “Xième” foi editado no Quebeque com o selo Mile-Pattes, do qual os La Bottine são os fundadores. Quais são os objectivos da editora?
Y. L. – “Mille-Pattes” foi o primeiro álbum que produzimos, em 1982. A intenção era financiarmos os nossos álbuns, de nos tornarmos independentes. A música é um meio onde há muitos “tubarões”, muita gente desonesta. Por outro lado, o facto de a EMI passar a distribuir os nossos discos constitui um apoio. Mas permanecemos independentes, uma vez que é a Mille-Pattes quem negoceia com a EMI.
P. – Até que ponto existe uma tomada de posição política no grupo? À primeira vista, parecem dar relevo, essencialmente, ao humor.
Y. L. – O nosso objectivo é ajudar as pessoas a descontraírem-se, a sentirem alegria de viver. Não somos um grupo politicamente “engagé”. Cada elemento do grupo tem as suas ideias próprias. Um álbum como “Le Trésor de la Langue”, de René Lussier, isso sim, é trabalho com um belo conceito político.
P. – E os grupos folk canadianos que começaram um pouco antes da Bottine, como os Harmonium, Séguin ou Cano, conhecem?
D. F. – Fazem parte da nossa cultura, embora nunca tenhamos contactado com eles. Os Beau Damage eram um grupo maravilhoso dessa época. Não nos sentimos, de modo nenhum, isolados. Todos os anos, em Dezembro, fazemos uma digressão pelo Quebeque, em salas regionais.
Y. L. – Falta dizer que a música do Quebeque se encontra, mais ou menos há dez anos a esta parte, num marasmo. O que está na moda são os espectáculos com humoristas, as pessoas gostam de rir. O contexto actual torna difícil a existência de verdadeiros músicos no Quebeque. Os jovens estão a afastar-se da música tradicional e uma das causas é a rádio. Quanto a nós, já existimos há 23 anos e, por isso, gozamos de uma certa reputação, as salas em que tocamos costumam estar cheias.
Quando contratámos os músicos que tocam os metais, houve uma certa recusa, as pessoas consideravam-nos ainda como a banda que éramos nos anos 70, mais puristas e próximos da “real thing”. Mas, finalmente, chegados aos anos 2000, a Bottine é um grupo acarinhado. No estrangeiro foi mais fácil, há um público mais recente que não conhecia o nosso passado.
P. – Como é que trabalham a esse nível, na ligação dos metais com o reportório tradicional?
J. F. – É o Denis que faz todos os arranjos, antes tocou muita salsa. Está no grupo desde 1986 e a ele se deve a ideia de introduzir os instrumentos de metal na banda.
Y. L. – Ele e eu fizemos parte de um grupo anterior aos La Bottine, completamente diferente. E fora do contexto do Quebeque. Tocávamos música italiana, judia e indiana.
P. – Há pouco, negaram qualquer envolvimento político, mas a verdade é que já tocaram há uns anos em Portugal, na Festa do “Avante!”
Y. L. – Ao princípio nem sequer sabíamos que pertencia ao Partido Comunista, pensávamos que se tratava apenas de uma festa onde eram apresentados vários estilos de música. No Quebeque não existe nenhum partido comunista. Lembro-me, pelos jornais, de todo o folclore, em torno das bandeiras com a foice e o martelo… Na Europa é vulgar a luta entre o comunista e o capitalismo, politicamente é interessante, mas a verdade é que, no Quebeque, não acontece nada disso.
P. – É verdade que têm em Marcel Bordeleau um especialista na acústica dos sapatos?
Y. L. – Sim, já usou umas solas de plástico que tinham um bom som, mas que acabaram por se partir. A sua descoberta mais recente são uns tacões de metal, ideais para bater no estrado. É um talento natural…
P. – Os músicos dos La Bottine são verdadeiros “amantes da garrafa”? O álbum tem várias faixas dedicadas ao tema…
J. F. – Sim, sim, no meu caso até faço vinho. Também já fiz cerveja… Na tradição do Quebeque o tema da bebida é frequente. Como o clero e as mulheres…
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