POP ROCK - DISCOS
Fascínio pela luz
Jon Hassell
Fascinoma (8/10)
Water Lily Acoustics, import. Ananana
Depois das investidas na selva urbana do hip-hop levadas a cabo em “Dressing for Pleasure”, não deixa de ser surpreendente o presente movimento do criador da música do “quarto mundo” numa direcção em tudo divergente da daquele álbum. “Fascinoma”, editado nos Estados Unidos no ano passado mas só agora, por dificuldades de distribuição, disponível no mercado nacional é, neste sentido, sob vários aspectos, um álbum único na carreira do trompetista. Nele, pela primeira vez, ao fim de mais de 20 anos de carreira, Jon Hassell interpreta temas de outros autores (entre os quais Duke Ellington, de parceria com o trombonista da sua orquestra, Juan Tizol, em “Caravanesque” e “Suite de caravan”). Também pela primeira vez foi praticamente dispensada a electrónica, que aqui se resume à manipulação de samples por Rick Cox, um dos oito músicos que acompanham Hassell neste seu último trabalho, de uma lista da qual apenas Ry Cooder figura como nome conhecido.
Em “Fascinoma” a fusão de elementos étnicos, jazz, minimalismo e ambientalismo, dirigidos pela inconfundível estilo, em surdina, do trompete que, sob diversas combinações e em diferentes formas, resultou na “Fourth world music”, em álbuns como “Earthquake Island”, “Vernal Equinox”, “Ambient #1: Possible Musics”, “Dream Theory in Malaya”, “Aka, Darbari, Java: Magic Realism” ou “Power Spot”, como que se desagregou num paisagismo jazzy e orientalizante de onde, curiosamente, o trompete emerge agora com uma sonoridade menos velada, mais clássica.
Álbum de uma serenidade e despojamento a toda a prova, dedicado ao músico indiano Pandit Pran Nath, venerado pela generalidade dos minimalistas, “Fascinoma” parte de memórias e audições/impressões da infância e juventude, recolhidas da rádio ou do cinema (Ellington que, além de presente como compositor, é ainda citado em “Mevlana duke”, Ravel, Gil Evans, João Gilberto, mas também os músicos de Joujouka, o raga indiano ou orquestras de gamelão), as quais o trompetista recorda como “um oásis tecnicolor permanente” no seu espírito, para chegar ao limiar da pureza primordial do som à qual o teósofo Dane Rudhyar chama “tone-magic”. O título e o respectivo “lettering” da capa remetem, de resto, para esse fascínio pelo som e pelas luzes e imagens que lhe estão ligadas, na evocação de velhos filmes.
Em conformidade com esta busca do sentido original do som recorreu Jon Hassell a técnicas de gravação o mais “puras” possível, dispensando os habituais processos de equalização e compressão utilizados na maioria das gravações actuais.
Trata-se pois de uma procura da essência, aliás como a totalidade dos álbuns de Hassell, mas que aqui se reveste de uma atitude religiosa e de uma contenção que dispensam a anterior ênfase posta nos arranjos (“City:Works of Fiction”, “Sulla Strada”, “Dressing for Pleasure”). Sobre as “drones” indianas da tampura e de umas “zendrums”, o trompete de água partilha a sua demanda da magia transmutatória do som com o bansuri (flauta) de Ronu Majumdar e o piano, por vezes evocativo do mestre arménio Sahan Azruni, de Jacky Terrasson, num álbum tocado pelo sagrado que deveria servir de lição a todos os aprendizes de feiticeiro da “new age”. Há muito que Jon Hassell abriu as portas da verdadeira “nova idade” e é já do lado de lá, no seu âmago, que sopra a música flor-de-lótus de “Fascinoma”.
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