01/12/2011

Maria João e Mário Laginha - Chorinho Feliz

5 de Maio 2000
PORTUGUESES

A menina e o piano no Brasil

Maria João e Mário Laginha
Chorinho Feliz (8/10)
Verve, distri. Universal


Obra encomendada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, “Chorinho Feliz” assinala de forma condigna e inspirada as comemorações dos Descobrimentos portugueses, principalmente do Brasil, embora Maria João e Mário Laginha já o tenham descoberto há bastante tempo, inclusive no seu anterior e magnífico álbum intitulado “Lobos, Raposas e Coiotes”, com versões adaptadas à sensibilidade própria da dupla de “Beatriz” e “Asa Branca”.
“Chorinho Feliz” vai, como é óbvio, mais fundo e mais longe na “descoberta” da música brasileira, chamando referências e cores que puxam ao samba, ao forro e, em geral, à selva de ritmos, à fauna e à flora musicais da segunda pátria portuguesa.
O começo não promete, mas a viagem rapidamente endireita. É que o registo de menininha africana com que Maria João parte para a aventura, em “O chão da terra”, já soa por demais conhecido, correndo o risco de se vulgarizar. Felizmente Gilberto Gil corre em auxílio da cantora e o tema compõe-se, alinhado ao lado das amazonices de Gismonti. Mário Laginha entra em acção, em força, melhor, em subtileza, no tema seguinte, “Sete facadas”, num solo/diálogo estimulante com o contrabaixo de Nico Assumpção. Terreno livre, como o de Herberto Pascoal, papa da liberdade criativa da música do Brasil. Muito brasileira, Maria João “tremoliza” em “Em tão pouco tempo escureceu tanto”, momento de interioridade logo quebrado em “Flor” (belo título!) pelas percussões de Armando Marçal e Helge A. Norbakken. Excelente de “feeling” e balanço o diálogo vocal de Maria João e do brasileiro Lenine. Em “A lua partida ao meio”, Maria João desce em surdina e acena à criança Benjamim, acolitada pelo violão de Toninho Horta e o acordeão de Toninho Ferragutti. Jazzy de corpo inteiro em “Um choro feliz”, livre no que mais gosta de fazer, Maria João voa em “scat” a alta altitude. Mário Laginha segue-a de perto. Toninho Horta brinca. Felizes todos, como não podia aqui deixar de ser. “A menina e o piano” é escuro e claro. Marimbas e Amazónia. Animais e plantas. Sem piano nenhum. Belo tema, de água e cristal. Acaba no mar das Caraíbas ao som de “steel drums”. “Um amor” mostra, uma vez mais, como funcionam bem juntas as vozes de Maria João e Gilberto Gil. “Forró da Rosinha” é para se dançar, mas a “Água cinzenta” que escorre a seguir é conversa a dois entre João e Laginha. São um em dois e dois em um. Portugal assoma por fim através das Adufeiras de Monsanto em “O recado delas”, Laginha deixa-se hipnotizar pela batida. Tudo tinha que terminar, claro, com um samba. Sobre as percussões da bateria funk, desfila-se em festa. Maria João Brasil ri. Para Mário não será cómodo transportar o piano pela avenida, mas também ele pula. “Sorria, sorria/Sorria meu senhor/Português gosta de samba/E de sambar com o seu amor.” Um álbum feliz.

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