24/09/2025

Outra vez o muro, podre de maduro [Roger Waters]

 

Na capa

 

OUTRA VEZ O MURO, PODRE DE MADURO

 

O muro nunca mais acaba de cair. Agora é a vez da feire de Berlim, com Roger Waters vendendo os seus bonecos em saldo de fim-de-estação. Vai um tijolo e um porquinho?

 


Woodstock, Wight, Reading, Knebworth, Glastonbury, Veneza, Cannes, Figueira da Foz, Fantasporto, Bienais de Berlim, Nova-Iorque, Odivelas, Agro-Pecuário de Santarém, RTP da Canção – diferentes acontecimentos sustentando a designação comum de “festival”. De música, cinema, pintura, vacas e couves ou, simplesmente, lixo. Uns são culturais, outras nem tanto. Não querendo entrar aqui em polémicas se “vacas e couves” são ou não cultura, que tal a “cultura da batata”? A questão não é pacífica. Muito menos as suas implicações, artísticas ou alimentares. As opiniões dividem-se, a confusão impera. A noção de “lixo” é ainda mais ambígua. Bem coberto com camadas de verniz, judiciosamente aplicadas em delicadas operações cosméticas, e bem condimentado com sábia dose de “popstars” [?], passa com [...] por ser cultura artística.

 

Produtos de Festival

 

            O “festival” apresenta algumas características que o distinguem de qualquer outro tipo de atividade. Trata-se sempre de uma “mostra” de qualquer coisa, uma coleção de “produtos”. (Um filme, uma canção, um quadro, um pepino, para além do valor simbólico como “obras de arte” – e, se dúvidas há quanto ao pepino, recorde-se o quadro de Arcimboldo –, são também produtos, que se mostram, compram e vendem, objetos de comércio.) Neles, apresenta-se “trabalho feito”, em certames de maior ou menor projeção e importância, consoante a qualidade das mercadorias, a aplicação do verniz, ou as estratégias de “marketing”.

            Vem esta prosa a propósito da recente edição do duplo álbum com a gravação ao vivo do espetáculo “The Wall”, que os Pink Floyd deram, no outro dia, em Berlim. Foi um festival ou não foi? E, em caso afirmativo, que importância teve? Admitindo que os Floyd são cultura, o que é que se mostrou e se viu nessa noite de muitas luzes, tijolos e porcos insufláveis?  Consinta-se na importância sociológica e mediática do acontecimento, na data e local específicos em que se realizou: milhares de pessoas reunidas em frente do muro (ou do recetor de televisão), celebrando não se sabe ainda bem o quê, para além do ato simbólico da “queda”.

 

Prendinhas

 

            Mas, se o espetáculo de Berlim se justificava, o disco, editado “a posteriori”, parece funcionar apenas como uma espécie de “souvenir” (para aqueles que estiveram presentes na futura capital da Alemanha unificada) ou substituto (para os outros) do evento real, do mesmo modo que as “T-shirts” ou as embalagens com um tijolo, pretensamente arrancados do “muro”, vendidas aos turistas. Vestuário, discos e tijolos, transformados em ícones de um acontecimento que, para além do significado intrínseco, se deslocou para o domínio, sempre passível de rentabilização, das imagens e da pluralidade e dispersão dos sentidos.

            Pode, por exemplo, à laia de passatempo, comparar-se faixa a faixa, o original de Roger Waters e os Pink Floyd, de 1979, com as novas interpretações dos mesmos temas, levadas a cabo pelos numerosos convidados chamados a participar na encenação pública da paranóia do autor. E, nesta comparação, não restam dúvidas de que Bryan Adams, The Band, Tim Curry, Thomas Dolby, Marianne Faithfull, Albert Finney, Cyndi Lauper, Ute Lemper, Joni Mitchell, Van Morrison, Sinead O’Connor, Scorpions, a orquestra, as bandas e os coros envolvidos (já não falando do próprio Waters, com menos voz e quase nenhuma energia, e restantes Floyd), por muito que se empenhassem, não se revelaram à altura de fazer esquecer a unidade e força do primeiro disco.

 

Boas Intenções

 

            Claro que se pode ver a coisa de outra maneira: atendendo à sobreposição das temáticas abrangidas pelo conceito “queda do muro”, a obra de Roger Waters acabou por ganhar, onze anos depois, uma carga significante e uma premência que, na altura, refletia “apenas” as vivências pessoais do compositor. Assim, “The Wall – Live in Berlin” seria uma espécie de confirmação, reatualização do individual, projetado num imaginário coletivo, contemporâneo e politizado.

            Sabe-se, porém, que as ideias e intenções não valem (e sobretudo não vendem...) por si sós. A pureza e sinceridade que pudessem existir na recuperação de uma obra que sintomaticamente foi a derradeira dos Pink Floyd, como nome relevante da pop atual, perderam-se no espetáculo de circo e no aparato cénico de que se revestiu e em que se perdeu o espetáculo de Berlim. Mas foram os bonecos, os nomes dos convidados, as dimensões do muro a fingir, os helicópteros e o fogo-de-artifício que levaram todos aqueles milhares até às portas de Bradenburgo. Juntava-se o útil ao agradável: uma boa causa (recolha de fundos para o “Memorial Fund for Disaster Relief”) e a relevância cultural do acontecimento aliavam-se a uma gigantesca operação promocional de que agora se começam a recolher os dividendos.

 

O Muro em Série

 

            Não nos admiremos se a seguir aparecer novo disco, “The Wall – The Final Rendition” ou “The Complete Wall”, por exemplo, incluindo as prestações dos grupos que foram entretendo a multidão ao longo da tarde de 21 de Julho passado. Ou então outro, contendo toda a informação técnica relativa às dimensões do palco, feitura dos tijolos e potência das luzes. E porque não gravar Leonard Cheshire em dueto com Waters, sobre um fundo de ruídos de guerra? Ou a versão instrumental de “The Wall”, ou “The Wall in rap”, talvez “Acid House Wall”… Tanto ainda por fazer, senhores editores!...

            “The Wall – Live in Berlin” resume-se deste modo a uma feira de bonecos de borracha ou de carne e osso, personificados nas figuras disformes encarnadas por Ute Lemper ou Thomas Dolby, em que a música se reduz a uma réplica quase fiel do disco de estúdio, aumentada pelo ruído da multidão. Como se o tom épico pretendido residisse na acumulação de adereços e no aumento desmesurado das escalas. Seja como for, o “objeto” chegou, para se acomodar ao lado do restante entulho que enche as prateleiras das lojas. Por exemplo, entre uma Torre Eiffel cinzeiro e um galo de Barcelos.

 

VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA, 12 SETEMBRO 1990

The B-52's - Dance This Mess Around

Pop

 

SEMPRE EM FESTA

 

THE B-52’S
Dance This Mess Around
LP e CD, distri. BMG

            Sigla de bombardeiro. Alcunha de penteado em forma de melão espetado para cima, ao gosto de duas meninas que gostam de cantar: Cindy Wilson e Kate Pierson – The B-52’s – designação de conjunto pop, americano, podia lá deixar de ser. Ao todo são cinco, e cultivam o “kitsch” parolo-futurista. Ficção científica, índios e “cowboys”, Nova Iorque de pernas para o ar, a grande misturada, mexida e servida em “cocktail” de cores berrantes e sons “naif”. Órgão de plástico de banha-da-cobra, ritmos saltitantes (como se fossem uns Talking Heads de província, acabadinhos de chegar à grande metrópole, ou os Devo sem dinheiro para sintetizadores), à volta das vozes fininhas das meninas com ar e nome de bonecas: Cindy e Kate, primas de Barbie. Mini-saias, “art deco” e os outros três (Ricky Wilson, Fred Schneider e Keith Strickland) procurando não destoar da pose. Todos juntos, ao vivo, são inseparáveis, excitantes, completamente destrambelhados. A nossa televisão dignou-se a passar umas suas atuações, aqui há uns anitos. Inesquecível. De dar saltos. Deram o seu primeiro concerto numa festa particular, o amplificador do gira-discos a servir de P.A. e toda a gente aos pulos, quase fazendo cair o soalho. Depois o Deadbeat Club, antes dos Max’s Kansas City e de serem descobertos pelo patrão da editora Island, Chris Blackwell.

            “Dance This Mess Around” é uma coletânea de alguns dos melhores temas da banda, nomeadamente dos dois primeiros álbuns, “The B-52’s” e “Wild Planet”. As exceções são “Song for a Future Generation”, de “Whammy”, e “Wig”, não incluídos em nenhum dos prévios “longa-durações”. De fora, ficaram estranhamente discos como “Mesopotamia”, “Bouncing Off Satellites” e o recente “Cosmic Thing”.

            Os B-52’s não pretendem ser sérios. Só lhes falta pintar o nariz de vermelho, de tanto que se esforça para parecerem divertidos. Para eles, o mundo é uma festa, ao som do estalar de foguetes, com muitos “confettis”, planetas multicores e pequenos objetos inúteis. Sociedade de consumo. Hipermercado feérico, repleto de brinquedos e luzinhas. O universo é como um parque de diversões, “luna park” de emoções aos saltos no sobe-e-desce da montanha russa e algodão doce à saída.

            O tempo é outra brincadeira. As épocas confundem-se – meras reproduções de gravura de revista. Recortes. “Polaroids” de civilizações congregadas no culto à Coca-Cola. Mesopotâmia? Deve ser ao lado da Suécia, ou será uma nova série de TV? “Everybody goes to parties – Dance this mess around”. Lancem-se serpentinas e beba-se e dance-se até de madrugada. A América é uma “party” antes da ressaca. Cérebros dançando em espiral, para lá de Plutão, até aterrarem no planeta “Claire”. Qual o aspecto de uma lagosta de pedras? Sabe-se lá!... A ligação para o 6060-842 está sempre impedida.

            A música dos B-52’s vive de felizes desencontros, como peças de um “puzzle” encaixadas ao acaso, acabando por formar novos e inusitados padrões. Malucos é o que eles são. David Byrne não partilha essa opinião: produziu-lhes o desvario geográfico “Mosopotamia”. O som varia pouco, as meninas dão por vezes gritinhos histéricos, mas não se consegue deixar de ouvir e dançar.

            Quem disse que a demência é dolorosa? Um passo em frente, dois à retaguarda, salto no ar e cambalhota – “The Art of Walking” – como diria o pai Ubu. Não é dadá, é gagá. Irresistível.

 

VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA, 12 SETEMBRO 1990


O CAMPO DE BATALHA [Battlefield Band]

 

Folk

 

O CAMPO DE BATALHA

 

Da Escócia, país de lendas e nevoeiros, a música mágica dos Battlefield Band. O amor pelas lonjuras ancestrais recriado no presente e projetado no futuro. A gaita de foles e o sintetizador. A tradição, o cruzamento feérico da cidade industrial com o verde e a água da floresta.



Gravaram, até à data, doze álbuns, alguns deles peças indispensáveis numa coleção folk digna desse nome. Combinam a interpretação das canções e danças tradicionais com composições escritas pelos membros do grupo. Respeitando o espírito original, iluminando a corrente que liga a terra ao céu.

            Só os amantes deste especial tipo de música saberão talvez apreciar, sentir astralmente, as vibrações que se desprendem das sonoridades tradicionais. Irmanados na congregação do Grande Templo, as portas do tempo revelando e escondendo o secreto centro. Fogo, ar, água, terra. Quatro entradas e mais uma, oculta, para o país dos sortilégios. A música fala-nos da eternidade. A tradição aponta-nos o coração ígneo, silêncio pulsante donde nasce o movimento. Em cima, esculpindo as formas do que há-de ser. Em baixo, nos pés que pulam e batem no barro, nas folhas e no húmus, bailando ao ritmo das estações, dos astros e das humanas paixões.

            Os novos bardos catalisam o polo positivo do poder, raio forçando a transição entre duas épocas. Força ascensional, percorrendo os quatro eixos do mundo, enquadrando o corpo e a consciência no eixo vertical e superior. A cruz centrando a rosa. Flor de luz.

 

Em Casa

 

            Os Battlefield Band não serão tão esotéricos. Neste caso, as palavras servem como orientadoras da sensibilidade. Não se ouve música folk da mesma maneira que a pop ou o rock. Aprendizagem é iniciação. A banda escocesa, uma boa escola.

            A fase inicial da sua discografia, que vai de 1976 a 1979, constituída pelos três primeiros álbuns, intitulados simplesmente “Battlefield Band” 1, 2 e 3, e por “At the Front” e “Stand Easy”, não se encontra, por enquanto, disponível entre nós. A coletânea “The Story So Far” reúne material deste período, bem como de EP e cassetes da banda. É a fase da procura de uma via pessoal, a exploração de combinações instrumentais inusitadas que se tornariam num dos seus polos mais interessantes e inovadores. Saliência para algumas vocalizações femininas, a partir daí completamente ausentes dos processos musicais dos Battlefield Band.

            “Home Is Where The Van Is” assinala a grande explosão. Ged Foley (que viria a formar os House Band), bandolim, guitarra, gaita de foles de Northumbrian e voz; Brian McNeill, violino, viola de arco, “bouzouki”, “cittern”, concertina, sanfona e voz; Alan Reid, teclados (órgão, piano, sintetizador) e voz; e Duncan MacGillivray, gaita de foles das terras altas, “tin whistle”, guitarra, harmónica e voz, dão corpo e alma a uma música verdadeiramente excitante, alternando temas do cancioneiro com composições originais de McNeill e Reid. É o primeiro álbum gravado para a editora Temple, de Robin Morton, que dá uma ajuda num dos temas, tocando “bodhran” (correspondente britânica do adufe).

 

Computando a tradição

 

            “There’s a Buzz”, outro disco fora de série, está ao mesmo nível que o anterior. Robin Morton volta a participar, tocando trompete em “Sir Sidney Smith’s March”. Dougie Pincock, dos Kentigern, ainda na condição de artista convidado, toca flauta em “Shining Clear”, tema baseado num poema de Robert Louis Stevenson. Em “The Battle of Waterloo” fazem jus ao nome que para si escolheram, com Duncan MacGillivray e Dougie Pincock competindo nas gaitas-de-foles.

            O computador de ritmos faz a sua aparição em força no álbum seguinte, “Anthem For The Common Man”, talvez o disco mais fraco, a tecnologia ainda não assimilada de molde a não perturbar a coerência estética do projeto. Ainda assim o disco vale por peças como “I Am the Common Man” ou “The Yew Tree”, em que os Battlefield fazem questão de nos presentear com extraordinárias prestações vocais. MacGillivray é entretanto substituído por Dougie Pincock, na gaita-de-foles, e Ged Foley dá lugar a Alistair Russell. A mesma via é prosseguida em “On The Rise”, com a vantagem dos ritmos computorizados encontrarem o seu justo lugar na hierarquia instrumental, funcionando de maneira mais discreta e contribuindo assim para um maior equilíbrio entre as componentes acústica e eletrónica. Mesmo assim, os puristas dão saltos ao escutar “Bad Moon Rising”, dos Creedence Clearwater Revival, transformado em jiga.

 

Hotel Celta Universal

 

            “Celtic Hotel” constitui novo marco de exceção. O leque instrumental alarga-se ainda mais, com a introdução do saxofone e do “mandocello”. Os Battlefield Band assumem-se definitivamente como uma das forças criativas a ter em conta no desenvolvimento da folk escocesa, numa perspetiva semelhante à de Alan Stivell em relação à música e tradição bretãs. O som torna-se mais universal, e abre-se, em “Muineira Sul Sacrato Della Chiesa”, a essa outra finte inesgotável da cultura e imaginário celtas que é a Galiza e à Bretanha, em “E Kostez An Henbont”, um “dro” (cadência rítmica utilizada com frequência nesta região). Brian McNeill confirma, em “The Rovin’ Dies Hard”, o estatuto de compositor à altura para contribuir com novas canções para o património cultural popular escocês, numa balada que relata o confronto entre a nova geração de músicos e o passado e legado históricos que lhes estão na origem.

            “Homeground”, o mais recente trabalho da banda, é o único gravado ao vivo, até à data. Ao lado de irrepreensíveis interpretações de temas de álbuns anteriores, surge um “medley” impensável que junta, no mesmo saco e a um ritmo diabólico, jigas, “reels”, rock ‘n’ roll, os Beatles de “With a Little Help from my Friends” e mesmo algumas brincadeiras rap. A diversão total, o puro gozo de tocar ao vivo, a alegria de uma música que não se esgota em discursos de academismos enfadonhos.

            Assinalem-se ainda, a par da discografia do grupo, os discos a solo de Brian McNeill, “Monksgate” e “Unstrung Hero”, bem como a colaboração, em dois volumes, dos Battlefield Band com a harpista Alison Kinnaird, no projeto “Music in Trust”, com a música composta para o programa televisivo do mesmo nome. Série de documentários sobre zonas e edifícios de interesse histórico-cultural, em que o vigor e a complexidade formal do quarteto se casam na perfeição com o tom mais sereno e introspetivo de Alison Kinnaird, que cintila nos fulgores e vibrações das cordas da “clarsach” (designação local para a harpa escocesa).

            A maior parte dos discos gravados para a Temple são distribuídos no nosso país pela Mundo da Canção, sediada no Porto, que tem desenvolvido um meritório trabalho de divulgação das propostas mais atuais do movimento folk britânico.

            Pedra a pedra se vai construindo o templo. Portugal está prestes a ocupar nele o lugar que, por divino direito, lhe pertence. Saibamos ser a alma, visão e respiração de um mundo a arder.

 

QUARTA-FEIRA, 15 AGOSTO 1990 VIDEODISCOS

O grande Oriente [David Sylvian]

 

SEXTA-FEIRA, 24 AGOSTO 1990 local

 

RTP

 

O grande Oriente

 

DAVID SYLVIAN foi o rosto dos Japan. Um rosto belo, andrógino, como o do jovem de “Morte em Veneza”. Também uma voz. Música estranha, a dos Japan, influenciada no início pelos Roxy Music, depois inventando mundos de fantasmas orientais. David Sylvian, Mick Karn, Steve Jansen, Richard Barbieri – o núcleo fundamental. “Make-up”, trejeitos “glamour”, “Don’t Rain in my Parade”, de Barbra Streisand, imagens e sons de transgressão adolescente em “Adolescent Sex”, de 1979. “Obscure Alternatives”, sombrio, longínquo, satieano. Japan, grupo de artistas. Para além da música. Mick Karn é escultor. Sylvian tem a paixão da fotografia, “Gentlemen Take Polaroids” (1980), marcando o início da colaboração com Ryuichi Sakamoto. O Oriente ganha espaço e influência, “Cantonese Boy”, Mao Tse Tung, sedução. “Bamboo Houses”, de novo com Sakamoto, e “Forbidden Colours”, do filme “Merry Christmas Mr. Lawrence”, Sakamoto, ator e compositor, Sylvian, a voz. Os Japan acabam em 1983, com um vídeo e álbum ao vivo “Oil on Canvas”. A pintura. A cor. O traço.

            Steve Jansen e Richard Barbieri ocultam-se nas brumas do ambientalismo eletrónico, em “Worlds in a small Room”, e Mick Karn avisa: “Dreams of Reasin Produce Monsters”, depois de ter colaborado com Midge Uru (dos Ultravox), Peter Murphy (então nos Bauhaus) e os Dali’s Car.

            David Sylvian demanda a beleza absoluta do canto. A sua voz escorre e flui como a água, tomando formas sempre diferentes, sempre envolventes, com os contornos do segredo e a imensidade esférica e absoluta do silêncio. Música flutuando na quietude ativa e expectante do Zen, procurando o lugar certo do som e das palavras. A exatidão, o centro do alvo, a paz geradora da espiral turbilhonante. “Brilliant Trees” (com Holger Czukay e Jon Hassell), “Gone to Earth” (duplo, com Robert Fripp e Bill Nelson), “Secrets of the Beehive”, o video “Steel Cathedrals” – exercícios contemplativos próximos dos de Brian Eno, sons pairando sobre o bulício do mundo, evoluindo noutras esferas. Infinitas. Transmutando a matéria bruta em diamante. Como faz o alquimista. “Alchemy – An Index of Possibilites”. Do Oriente uterino à espada ocidental.

            Canal 1, às 14h50

Sem as asas do arcanjo [Genesis]

 

QUARTA-FEIRA, 22 AGOSTO 1990 local

 

RTP

 

Sem as asas do arcanjo

 

DOIS GRUPOS distintos, com a mesma designação: Genesis. Antes e depois de Peter Gabriel. Infinitamente mais interessantes e inovadores na primeira fase, aquela em que contavam com os sonhos surreais e as vocalizações teatralizadas do arcanjo Gabriel. “From Genesis to Revelation”, assim se chamava o disco estreia, capa negra, música devedora dos sinfonismos caros aos Moody Blues, textos prenunciadores dos delírios poético-fantásticos que estavam para vir. A editora era a Decca, não alertada para o grande “boom” da música progressiva, prestes a eclodir na passagem a década de Setenta. A era de oiro desenrolou-se na Charisma, editora onde despontaram grupos importantes do movimento como os de Jackson Heights, Audience e, sobretudo, os Van Der Graaf Generator, de Peter Hammill, ao lado de Peter Gabriel, um dos maiores poetas que a Pop já conheceu.

            “Trespass”, “Nursery Cryme”, “Foxtrot”, “Selling England by the Pound”, universos de fábula pontuados pelo humor negro muito britânico e a extraordinária capacidade de Gabriel em criar histórias e personagens que aliavam o feérico das palavras à complexidade barroca de uma música servida por excelentes executantes, como eram e continuam a ser, o guitarrista Steve Hackett, o baixista Michael Rutherford, o teclista Tony Banks e Phil Collins, evidentemente. Com a obra-prima “The Lamb Lies down on Brodway”, os Genesis atingem o auge e Peter Gabriel parte para novas aventuras a solo.

            Phil Collins tinha o caminho livre. A partir de “A Trick of the Tail”, já sem Gabriel, a personalidade e imagem da banda desvanecem-se progressivamente. Mas foi só quando Phil começou a cantar que os milhões começaram a aparecer. A partir de aí a história passou a ser outra. Hoje, ao lado de Phil Collins (que praticamente abandonou a bateria), permanecem Tony Banks e Mike Rutherford, aos quais se juntaram Daryl Strummer e Chester Thompson. Vamos vê-los ao vivo, no estádio de Wembley, em julho de 1987, interpretando canções recentes de “Invisible Touch” e outras mais antigas, anteriores glórias. Sem as asas do arcanjo, os Genesis deixaram de voar.

17/09/2025

Sonhos de um dia de Verão [The Beach Boys]

 

Na capa

 

SONHOS DE UM DIA DE VERÃO

Artigo coletivo, em que FM escreve sobre Beach Boys

 

Imaginámos a banda sonora de um dia perfeito de Verão. Começa às oito da manhã e termina às duas da madrugada. Claro que você poderá prolongar o horário, mas não se esqueça de que está de férias, precisa de descanso, por isso não abuse. As sugestões são variadas, como seria de esperar, vão do clássico ao popular, passando pelo intemporal e o erudito. São, no fundo, a maneira mais simples de ouvir as melhores sonoridades sem ter que dar voltas à cabeça...

 

12 horas para sempre

 

SUMMER DREAMS – 32 CLASSIC TRACKS
BEACH BOYS
Capitol

            Evidente. Luminoso. Nem de propósito. A recente edição deste duplo álbum, contendo a grande maioria dos temas dos rapazes da praia que foram êxito na década de 60, vem recordar novamente duas coisas: o génio de Brian Wilson, confirmado como um dos mais inspirados compositores de sempre de melodias pop perfeitas, e a intemporalidade de uma música que mantém eternamente vivo o espírito do Verão. Brian descobriu o elixir da juventude. Ao som de “Fun Fun Fun”, “Wendy”, “Heores and Villains”, “Surfin’ USA”, “Sloop John B.” e das eternas “Good Vibrations” (considerada por muitos a maior canção pop alguma vez escrita), o tempo pára. Nada mais na nossa vida senão o mar, o sol e as longas horas em que o pensamento foge para lá do horizonte. Aquelas harmonias a quatro vozes permanecem connosco num lugar muito escondido, cheio de luz. Quantas vezes as cantámos? Quantas mais as voltaremos a cantar?

 

QUARTA-FEIRA, 15 AGOSTO 1990 VIDEODISCOS

Lugares distantes

 

Pop

A DISCOTECA

 

LUGARES DISTANTES

 

São três guitarristas e gravam normalmente para a ECM. Por muito que os seus caminhos por ali se tenham cruzado, cada qual parte para novas aventuras – para chegar a outras músicas, outras paragens, em que o jazz é apenas um pretexto.


Norueguês, 42 anos, admirador do lendário Wes Montgomery, um imenso e insuspeito currículo feito de incursões por territórios afastados e aparentemente inconciliáveis: o jazz, a música contemporânea, o classicismo romântico, mesmo o rock de tonalidades “hard”. Na ECM encontra-se grandes parte destes trabalhos. O duplo “Odyssey” deu-lhe fama de contemplativo, propenso à introspeção e a um esteticismo marcado pelas imensidões geladas do país dos fiordes. “After the Rain” parecia dar razão àqueles que persistiam em ver nele apenas o guitarrista de sonoridade “String ensemble”, por vezes mesmo comparada à de Mike Oldfield, compositor de harmonias e melodias sustentadas por um lirismo pouco dado a fraturas rítmicas e temáticas. Álbuns como “Wave” (com o trompete de Palle Mikelborg) e aqueles que recentemente gravou com o grupo The Chasers obrigaram à reformulação destes conceitos.

 

O fogo do espírito

 

            “Undisonus/Ineo” (ECM, distri. Dargil) insere-se na vertente clássica do músico, que aqui não participa como intérprete. Nada de guitarra, portanto. Duas composições, como o genérico refere. “Undisonus” (op.23), em três andamentos, para violino e orquestra, composta entre 1979 e 1981. Terje Tønnsen, o instrumentista solista, acompanhado pela Orquestra Filarmónica de Londres, dirigida por Christian Egsen. “Ineo” (op.29), dividida em quatro andamentos: “Ineo”, “Lux”, “Memini” e “Adeo”, para as vozes corais do Grex Vocalis e a orquestra de câmara The Rainbow Orchestra, dirigida pelo mesmo maestro.

            Terje Rypdal é um compositor prolífico. Só em “opus” já vai em 48, o último dos quais intitulado “The Big Bang”. O disco agora em análise confirma as suas capacidades neste campo, através da criação de uma música aberta aos grandes espaços e possuidora de uma intensidade dramática por vezes próxima da pungência mahleriana. Aparentemente serena na forma, avança em crescendo de tensão, através do emprego específico das cordas (nomeadamente os violoncelos e o baixo) e dos sopros, como massas sonoras poderosas, correspondentes ao telurismo da natureza. Pairando sobre o turbilhão elemental, o violino angustia-se, foge, investe, sussurra e grita, voz humana questionando o infinito. Música do fogo (o violino), da água (nos reflexos e cintilações da harpa fluindo como um rio) e da terra. Música do homem e do mundo primordial.

            Do outro lado, “Ineo”, a ascese, o fogo transformado em espírito, elevando-se para as alturas libertadoras, até chegar ao céu. Sublimação das pulsões do corpo na voz coletiva da humanidade inteira. Maior contenção no volume, um júbilo subtil. Demanda de Deus. Na grande arte inventa-se o destino, deposto aos pés da eternidade.

            “Undisonus/Ineo” transporta o misticismo de anteriores obras até às dimensões da religiosidade pura, que, na mesma editora, só encontra paralelo no total despojamento da trilogia “Tabula Rasa/Arbos/Passio” de Arvø Part. Ambos perseguem o sublime.

 

Academismo

 

            John Abercrombie mantém-se fiel a uma sonoridade que fez escola na ECM. Em “Animato” apresenta na companhia de Vince Mendoza (nos sintetizadores e compositor da maior parte dos temas) e de Jon Christensen (na bateria e percussões). Reconhece-se a técnica irrepreensível, o bom gosto dos arranjos, mas não se confunda o belo com o bonito. Beleza, encontramo-la no disco de Rypdal, cores e sons agradáveis ao ouvido, no de Abercrombie. Falta-lhe o génio que torna irrelevantes todos os academismos. “Animato” é um disco académico, quando opta pela segurança de um estilo mantido a níveis qualitativos aceitáveis mas incapaz de reservar já qualquer surpresa ou transgressão. O que se torna irrelevante para os indefectíveis da editora.

           

As virtudes do trio

 

            “Question and Answer” (Recycle, distri. WEA) é uma grata surpresa. Pat Metheny parece ter recuperado bem das inenarráveis concessões feitas ao comercialismo mais baixo, com que se distinguiu no ano passado no execrável “Open Letter”. Neste novo disco, chamou dois músicos fabulosos: o baixista Dave Holland e o baterista Ray Haynes. A gravação processou-se como se de uma “jam session” se tratasse – oito horas no estúdio, sem ideias preconcebidas, apenas o prazer de tocar, de ouvir e responder. E o deleite de quem assiste e frui a imensa riqueza de pormenores, de soluções tímbricas e harmónicas que o trio desenvolve ao longo de nove temas, em que o jogo de grupo prevalece sobre as ações individuais. Pat Metheny revela aqui até que ponto soube assimilar as influências que se lhe reconhecem – Wes Montgomery, sempre, Jim Hall, Gary Burton, Ornette Coleman, Miles Davis, dando-lhes um cunho pessoas inconfundível. Inesquecível a abordagem do tema de Miles que abre o disco, “Solar”, bem como de “Law Years”, de Ornette. Só escutando se torna possível distinguir a gama infinita de soluções rítmicas de Haynes que, sem nunca repetir uma frase, uma acentuação, mantém, contudo, a solidez necessária ao desenvolvimento harmonioso do todo. Quanto a Dave Holland, basta referir que a sua prestação é um contínuo solo, inesgotável no duplo de papel de suporte e estimulador dos outros instrumentos, fluxo assombroso de ideias que se interligam e constantemente se renovam. Aqui se reitera a opinião de que Pat Metheny, sendo embora um compositor apenas competente, se transfigura quando integrado em formações instrumentais, ou em contextos formais suscetíveis de o colocarem em situações de interação musical deslocadas do seu “approach” habitual. Seja nas peças de Reich, ou na companhia de Sonny Rollins e Ornette, é sempre em situações de diálogo e confronto que as suas capacidades se revelam ao mais alto grau.

            “Question and Answer” vem repor as velhas questões sobre o papel determinante da interpretação sobre a composição. Sendo esta, em última análise, sempre improvisação. Criatividade solta no instante, com Metheny, sempre partilhada.

 

QUARTA-FEIRA, 15 AGOSTO 1990 VIDEODISCOS

Jon Hassell - City: Works Of Fiction

 

Pop

 

O INTRÉPIDO EXPLORADOR

 

JON HASSELL
City: Works of Fiction
LP e CD, Land













            Cada dia que passa, o planeta Terra torna-se mais pequeno. A aldeia global de que falava McLuhan deixou de ser uma utopia (ou antiutopia, consoante a perspetiva...), para se tornar uma realidade insofismável. Apesar disso, permanecem invioláveis (até quando?) culturas e costumes desalinhados da grande metrópole totalitária em que se vai tornando o monstro ocidental. Ao Terceiro Mundo e às regiões exóticas do globo vai uma certa classe de músicos buscar inspiração e orientação para a feitura de complexas síntese formais e conceptuais. Às músicas das diferentes culturas regionais, únicas nas suas particularidades intrínsecas, justapõe-se uma música do mundo, que, justamente, daquelas se serve para a criação de unidades multifacetadas e surreais, o todo transcendendo as partes que o integram. Música universal, juntando na mesma viagem a eletrónica e o artesanato étnico, a emoção primitiva e o racionalismo contemporâneo.

            A partir da massa primordial e informe das pesquisas iniciais, surgiu uma elite de compositores, capaz de filtrar a imensidade de influências e fontes sonoras disponíveis e, de uma forma coerente, produzir uma música para a qual a designação de “nova” não soa despropositada. Roberto Musci & Giovanni Venosta, O Yuki Conjugate, Lights in a Fat City e Jon Hassell encontram-se em fase avançada no processo de análise/síntese seguido na concretização dessa “World Music” englobante e planetária.

            “City: Works of Fiction” é exemplar quanto às intenções e aos métodos de trabalho. A cidade, lugar de concentração e pluralidade cultural, simboliza neste caso o ponto de convergência, cruzamento, feito de sínteses, deslocamentos e desfocagens, transcendente e imanente na medida em que formaliza um impossível folclore universal, retirando (graças às proezas técnicas do sampler) sons e pormenores de um espaço tempo concretos para os reinserir em novos e diferentes contextos. Trabalho de ficção, como o título alude.

            Com este álbum, Jon Hassell aventura-se bem mais longe do que em anteriores trabalhos, por direções e atalhos virgens. Cada tema é acompanhado por um texto, também ele ficcional, inventando história e mitos para uma civilização existente somente nos mapas da imaginação, e desenvolvido musicalmente segundo lógicas que aliam o rigor matemático ao tribalismo tecnológico. O computador surge transfigurado em ícone primitivo, simulando sonoridades étnicas e ambiências naturais traficadas. Mais do que nunca, as sinuosidades em surdina do trompete são uma espécie de vento que passa sobre a selva, visão aérea das cidades dos prodígios. Tal qual a torre de Babel, “Works” combina uma profusão de linguagens díspares, como o funky, a música ambiental, o jazz, a eletrónica, o concretismo e folclores vários, num discurso complexo mas sempre articulado, sem que diversidade das fontes e dos meios resulte qualquer perda de unidade ou coerência. Ao contrário das “Possible Musics” dos primórdios em que o som do quarto mundo se quedava ainda como simples possibilidade, Jon Hassell encontra, com “City: Works of Fiction”, a chave e a passagem que permitem a entrada no novo universo a explorar.

 

VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA, 15 AGOSTO 1990

"Tommy": a ópera de quem? [The Who]

 

CULTURA SÁBADO, 11 AGOSTO 1990

 

CULTURA

 

Hoje às 21h25 na RTP 2

 

“Tommy”: a ópera de quem?

 

A ópera-rock “Tommy”, de Pete Townshend, volta de novo à cena, comemorando o 25º aniversário dos The Who. À semelhança de “The Wall”, de Roger Waters, é a grande atração pelo espetáculo megalómano, celebrando a ressurreição dos dinossauros.

 


Eles prometem mas não cumprem. Roger Waters afirmara a pés juntos que o caso “The Wall” estava definitivamente encerrado e arquivado. Onze anos depois, em Berlim, foi o que se viu. Que se saiba, Pete Townshend não se mostrou tão radical no renegar do seu herói ceguinho e ás dos “flippers”. Mas foi preciso esperar 21 anos e fracos resultados em termos de vendas discográficas, para que o guitarrista resolvesse também optar pela fórmula “obra magistral – mal compreendida na época – transformada, pelo menos uma década depois, em mega-concerto cheio de artistas amigalhaços convidados, de preferência com Phil Collins, se puder ser”, que tão bons resultados deu com Roger Waters. Que nunca se diga, pois, “desta água não beberei”.

 

Obra conceptual

 

            “Toomy”, o disco, inaugurou a era das óperas-rock. Nestas, narra-se geralmente a história do herói desvalido a quem a vida não poupou, desde os martírios da infância até ao triunfo final. Seja nos traumas provocados pela educação, pais, instituições, enfim, pela sociedade inteira (como os de Pink, em “The Wall”) ou nas enfermidades físicas. Como nos filmes, há sempre um princípio infeliz, cheio de contrariedades e incompreensões; um “intermezzo” em que o herói luta contra inimigos, consigo próprio e o destino, e finalmente a vitória e os louros de um “happy end” afagador das consciências intranquilas. Tommy é cego, surdo e mudo, mas possui um dom inato: é um génio dos “flippers”, dominando a máquina sem fazer “tilt” e elevado pela concorrência ao estatuto de profeta. Pelo meio aparecem uns vilões para dar sal à narrativa, antes do epílogo feliz. Retenham-se do disco a música e canções que o tempo entronizou em clássicos como “See Me, Feel Me”, “Pinball Wizard” ou “I’m Free”.

            Curiosamente, tanto “Tommy” como “The Wall” começaram por ser duplos-álbuns conceptuais, passados para o cinema e editados nos anos derradeiros das respetivas décadas – 1969 e 1979, e finalmente reabilitados este ano, através da realização de mega-concertos.

 

Desfile de vedetas

 

            Ken Russell pegou na história e a partir dela cozinhou um espetáculo espampanante, pretexto para treinar os habituais exageros visuais e fazer desfilar pela tela um cortejo de celebridades pouco à vontade nas respetivas personagens, como Roger Daltrey (no papel principal), Ann-Margret (a mãe ruim – a propósito, para quando o ensaio sobre o papel da mãe castradora, na geração das estrelas de rock?), Oliver Reed (o padrasto), Elton John (o jogador das botas gigantescas), Eric Clapton, Keith Moon (o lendário e já falecido baterista dos The Who, para quem divertir-se consistia em emborcar quilolitros de álcool misturados com tranquilizantes para cavalo, ou em destruir hotéis), Robert Powell, Tina Turner (a “acid Queen”) e Jack Nicholson.

            A história do novo Pinball Wizard volta agora à cena, comemorando os 25 anos do atual trio constituído por Pete Townshend, Roger Daltrey e John Entwistle, num espetáculo com a duração de três horas que conta com a participação de Phil Collins (quem mais?), Billy Idol, Elton John (o único do “cast” original além de Roger Daltrey), Patti LaBelle e Stevie Winwood. Será interpretada a totalidade da ópera-rock, a par de outros êxitos da banda. Prestes a atingir-se o ano 2000, o rock transformou-se na música da terceira idade.

Andrew e a música Poppy [Andrew Poppy]

 

SEXTA-FEIRA, 10 AGOSTO 1990 cultura

 

Compositor heterodoxo em entrevista ao PÚBLICO

 

Andrew e a música Poppy

 

Andrew Poppy é inglês e pertence a uma nova geração de compositores que, partindo das premissas da escola minimalista, enveredou por vias mais heterodoxas e menos dogmáticas – entre o rock e o clássico. Esteve mais uma vez em Portugal e compôs a banda sonora do filme “Nuvem”, da cineasta Ana Luísa Guimarães.

 


PÚBLICO – Não é a primeira vez que visita Portugal e que trabalha com cineastas portugueses.

            Andrew Poppy – Visito Portugal pela sexta vez. Gosto do país e dos portugueses e, sobretudo, de estabelecer relações de trabalho com pessoas interessantes. Há cinco anos, o realizador de cinema Vítor Gonçalves telefonou-me perguntando se podia utilizar o tema “32 Frames”, do álbum “The Beating of Wings”, no seu filme “Uma Rapariga no Verão”. Acedi.

            P. – Tem algum método especial para compor partituras de filmes?

            R. – Não tenho um princípio rígido. Uma das coisas que me interessa é a relação entre o som e a imagem, e as diferentes maneiras de trabalhar esta última. No caso de “Meia-Noite” – também de Vítor Gonçalves – tinha vários “bocados” de música gravados em cassette que se adaptavam às imagens. Já em relação a “Nuvem”, de Ana Luísa Guimarães, a música foi composta especialmente para o filme, tendo para tal utilizado dois estilos diferentes: um mais contemporâneo, com uma batida pop dançável, para as partes de maior ação, aquelas em que aparecem os elementos dos “gangs” de rua; outro mais romântico, em que idealizei uma peça com cerca de 12 minutos que se adapta ao tom geral do argumento. Em qualquer dos casos, dei inteira liberdade à realizadora de escolher as partes que quiser.

 

Lobo minimalista

 

            P. – Incluem-no geralmente no grupo dos minimalistas, ao lado de nomes como Nyman, Glass ou Reich. Concorda com esta classificação?

            R. – Eu e os músicos que referiu pertencemos a gerações diferentes. Temos em comum apenas a utilização de técnicas designadas como “repetitivas”. Nos finais da década de 70, toquei peças de Reich e Glass, com os Lost Jockey. Gosto bastante da música de Glass, atualmente transformada em moda.

            P. – É verdade que trabalhou com os Psychic TV, preocupados com assuntos como a manipulação mental e a magia negra?

            R. – Trabalho em projetos com os quais tenho diferentes graus de identificação. Colaborei com os Psychic TV por volta de 1982, mas não tenho nada de comum com Genesis P. Orridge. Gosto de algumas das suas colagens, em termos visuais, mas não nutro qualquer interesse pela sua música.

            P. – Em “The Beating of Wings”, um dos temas intitula-se “The Object is a Hungry Wolf”. Pode especificar do que se trata?

            R. – De certo modo o lobo sou seu. Só o título dava para um debate interminável, que do ponto de vista jornalístico soaria pretensioso. Tudo parte do trabalho de John Cage, do seu conceito de música considerada como um objeto e da tentativa de minar o facto de ela ser considerada como tal. Nesse tema, procuro situar a minha música e a dos minimalistas sediados em Nova Iorque, que se têm progressivamente afastado das visões extremistas e utópicas de Cage. É um músico que me influenciou bastante. Vejo na sua obra um “corpo de trabalho intelectual”, perfeitamente coerente.

            P. – Na contracapa de “The Beating of Wings” pode ler-se: “A tarefa tradicional do profeta é denunciar os sistemas de vida e de poder que negam a liberdade da carne e da imaginação”. Quer comentar?

            R. – A citação não é minha. Refere-se a Paul Morley, da ZTT, e aparece em todos os discos da editora. Penso que é um pouco pretensioso mas ele não quis retirá-la. Não sou nenhum profeta! Esse tipo de convencimento é uma fraude. Se as pessoas ouvirem a música e gostarem, tudo bem.

            P. – Por que razão convidou a cantora Annette Peacock para participar no álbum “Alphabed (a Mystery dance)”?

            R. – Admiro o seu trabalho. O seu carisma, modo de interpretação, entoação, sensualidade são muito especiais, ligando muito bem com a voz masculina que também aparece no tema.

 

A força da palavra

 

            P. – A propósito desse tema: quem é o misterioso Sr. G?

            R. – Gosto de jogar com o léxico (“The Beating of Wings” = “The Cheating of Things”, “Alphabed” = “Alphabet”…). A minha música pode considerar-se um jogo na medida em que trata de permutas, de interações, não no sentido pejorativo do termo “game” (brincadeira).

            P. – Tem projetos para a gravação de um terceiro álbum? O que se passa com a anunciada composição “Songs of the Clay People”.

            R. – A peça que refere está um pouco posta de parte. Foi acrescentada com mais música e texto, mas não tem ainda forma definitiva. Compus uma ópera que faz parte de uma série encomendada mas, de momento, não tenho planos para a gravar. Há outras peças escritas em diversos estilos que quero retrabalhar, de modo a sintetizá-las numa espécie de “concerto”. Para já, não me encontro ligado a qualquer editora. As companhias de discos não se querem envolver com o que não dá dinheiro e essa parece ser a sua única finalidade. No meu caso, tem sido difícil convencê-las de que a minha música é comercialmente viável. Com a ZTT foi diferente, tinha um estatuto especial. Não me preocupava o facto de ser apresentado ao lado dos Frankie Goes to Hollywood. Acho até divertido que considerem a minha música “poppy”.

Billy espertalhão [Billy Joel]

 

QUINTA-FEIRA, 9 AGOSTO 1990 local

 

RTP

 

Billy espertalhão

 

O ENORME sucesso alcançado por Billy Joel em terras americanas prova até que ponto o mau gosto e a pirosice são apreciados na grande e gorda nação. O “artista” em questão consegue aliar letras de teor literário equivalente às fotonovelas. “Capricho”, a uma música que se estica toda sem conseguir no entanto chegar aos calcanhares de Elton John. Se tivermos em conta que o dito Elton se encontra, em questões de qualidade musical, ao nível da subcave ou talvez mais abaixo, estamos conversados quanto ao lugar que Joel ocupa na hierarquia. Os americanos, contudo, não se deixam enganar por estes preciosismos de índole intelectual e, por isso mesmo, perniciosos. Engolem deliciados a “mensagem” de Billy, como engolem a querida Coca-Cola, como engolem afinal tudo. Criancinhas endinheiradas que correram a comprar “The Stranger”, “52nd Street”, “Glass Houses”, “An Innocent Man”, enchendo os bolsos a um espertalhão, entre muitos outros, que sabe tirar partido das infinitas possibilidades oferecidas pela “Big Apple”.

            Canal 1, às 14h40