SEXTA-FEIRA,
10 AGOSTO 1990 cultura
Compositor
heterodoxo em entrevista ao PÚBLICO
Andrew e a música Poppy
Andrew Poppy é inglês e pertence a uma
nova geração de compositores que, partindo das premissas da escola minimalista,
enveredou por vias mais heterodoxas e menos dogmáticas – entre o rock e o
clássico. Esteve mais uma vez em Portugal e compôs a banda sonora do filme
“Nuvem”, da cineasta Ana Luísa Guimarães.
PÚBLICO – Não é a primeira vez que visita Portugal e que trabalha com
cineastas portugueses.
Andrew
Poppy – Visito Portugal pela sexta vez. Gosto do país e dos portugueses e,
sobretudo, de estabelecer relações de trabalho com pessoas interessantes. Há
cinco anos, o realizador de cinema Vítor Gonçalves telefonou-me perguntando se
podia utilizar o tema “32 Frames”, do álbum “The Beating of Wings”, no seu
filme “Uma Rapariga no Verão”. Acedi.
P. – Tem algum método
especial para compor partituras de filmes?
R. –
Não tenho um princípio rígido. Uma das coisas que me interessa é a relação
entre o som e a imagem, e as diferentes maneiras de trabalhar esta última. No
caso de “Meia-Noite” – também de Vítor Gonçalves – tinha vários “bocados” de
música gravados em cassette que se adaptavam às imagens. Já em relação a
“Nuvem”, de Ana Luísa Guimarães, a música foi composta especialmente para o
filme, tendo para tal utilizado dois estilos diferentes: um mais contemporâneo,
com uma batida pop dançável, para as partes de maior ação, aquelas em que
aparecem os elementos dos “gangs” de rua; outro mais romântico, em que
idealizei uma peça com cerca de 12 minutos que se adapta ao tom geral do
argumento. Em qualquer dos casos, dei inteira liberdade à realizadora de
escolher as partes que quiser.
Lobo minimalista
P. – Incluem-no
geralmente no grupo dos minimalistas, ao lado de nomes como Nyman, Glass ou
Reich. Concorda com esta classificação?
R. –
Eu e os músicos que referiu pertencemos a gerações diferentes. Temos em comum
apenas a utilização de técnicas designadas como “repetitivas”. Nos finais da
década de 70, toquei peças de Reich e Glass, com os Lost Jockey. Gosto bastante
da música de Glass, atualmente transformada em moda.
P. – É verdade que
trabalhou com os Psychic TV, preocupados com assuntos como a manipulação mental
e a magia negra?
R. –
Trabalho em projetos com os quais tenho diferentes graus de identificação.
Colaborei com os Psychic TV por volta de 1982, mas não tenho nada de comum com
Genesis P. Orridge. Gosto de algumas das suas colagens, em termos visuais, mas
não nutro qualquer interesse pela sua música.
P. – Em “The
Beating of Wings”, um dos temas intitula-se “The Object is a Hungry Wolf”. Pode
especificar do que se trata?
R. – De certo modo o lobo sou seu. Só o título dava
para um debate interminável, que do ponto de vista jornalístico soaria
pretensioso. Tudo parte do trabalho de John Cage, do seu conceito de música
considerada como um objeto e da tentativa de minar o facto de ela ser
considerada como tal. Nesse tema, procuro situar a minha música e a dos
minimalistas sediados em Nova Iorque, que se têm progressivamente afastado das
visões extremistas e utópicas de Cage. É um músico que me influenciou bastante.
Vejo na sua obra um “corpo de trabalho intelectual”, perfeitamente coerente.
P. – Na contracapa de
“The Beating of Wings” pode ler-se: “A tarefa tradicional do profeta é
denunciar os sistemas de vida e de poder que negam a liberdade da carne e da
imaginação”. Quer comentar?
R. –
A citação não é minha. Refere-se a Paul Morley, da ZTT, e aparece em todos os
discos da editora. Penso que é um pouco pretensioso mas ele não quis retirá-la.
Não sou nenhum profeta! Esse tipo de convencimento é uma fraude. Se as pessoas
ouvirem a música e gostarem, tudo bem.
P. – Por que razão
convidou a cantora Annette Peacock para participar no álbum “Alphabed (a
Mystery dance)”?
R. –
Admiro o seu trabalho. O seu carisma, modo de interpretação, entoação,
sensualidade são muito especiais, ligando muito bem com a voz masculina que
também aparece no tema.
A força da palavra
P. – A propósito desse
tema: quem é o misterioso Sr. G?
R. – Gosto de jogar com o léxico (“The Beating of
Wings” = “The Cheating of Things”, “Alphabed” = “Alphabet”…). A minha música pode considerar-se um jogo na medida em
que trata de permutas, de interações, não no sentido pejorativo do termo “game”
(brincadeira).
P. – Tem projetos para
a gravação de um terceiro álbum? O que se passa com a anunciada composição
“Songs of the Clay People”.
R. –
A peça que refere está um pouco posta de parte. Foi acrescentada com mais
música e texto, mas não tem ainda forma definitiva. Compus uma ópera que faz
parte de uma série encomendada mas, de momento, não tenho planos para a gravar.
Há outras peças escritas em diversos estilos que quero retrabalhar, de modo a
sintetizá-las numa espécie de “concerto”. Para já, não me encontro ligado a
qualquer editora. As companhias de discos não se querem envolver com o que não
dá dinheiro e essa parece ser a sua única finalidade. No meu caso, tem sido
difícil convencê-las de que a minha música é comercialmente viável. Com a ZTT
foi diferente, tinha um estatuto especial. Não me preocupava o facto de ser
apresentado ao lado dos Frankie Goes to Hollywood. Acho até divertido que
considerem a minha música “poppy”.
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