PÚBLICO SEGUNDA-FEIRA, 25 FEVEREIRO 1991 >> Cultura
João
Peste dá show no cinema Alvalade
Rockócó
O
CONCERTO que os Pop Dell’Arte e os More República Masónica deram anteontem à
noite no cinema Alvalade, em Lisboa, serviu essencialmente para mostrar três
coisas: a) que as bandas portuguesas aprenderam a fazer barulho; b) que isso
não chega; c) que o público de rock se está nas tintas para isso e do que gosta
mesmo é de barulho.
Em termos decibélicos a
prestação de ambas as bandas pode pois considerar-se excelente. Em termos
musicais, não. Os More República Masónica têm entusiasmo, garra e já alguma
escola. Estudaram bem a lição de duros e pesados como os Stooges, Led Zeppelin
ou os mais modernos Sonic Youth. O vocalista sabe despir bem a camisa e
apresenta já um certo estilo de queda no palco, contorcendo-se no solo com
desenvoltura e alguma elegância. Os outros três souberam manter-se de pé, como
lhes competia, sem oscilar demasiadamente e agredindo com convicção os
instrumentos. Tocaram (sempre a cem à hora) temas como “89/90”, “Azul Dietrich”
(uma espécie de hit), “Sin City”, “Wild America”, “Piloto Automático”, “Train
Surfin’” e “Hold My Gun”. Teriam tudo a ganhar se acalmassem um pouco e
rodassem o botão do volume um bocadinho para o lado esquerdo.
João Peste surgiu no palco do
Alvalade debaixo de uma trovoada de aplausos, como uma diva que regressa do
exílio – manto vermelho sobre os ombros, ceptro na mão, poses fatais para a
fotografia. Teatro, em suma. Peste sabe ser, como ninguém, ator e “entertainer”,
acentuando o lado perverso do espetáculo. Anteontem fez de tudo um pouco:
dialogou com a sua própria voz “samplada”, tranquilizando a rapaziada com um
“don’t worry kids, I am your friend”. Se os “kids” acreditaram, tanto pior para
eles. “I love rock ‘n’ roll” – murmurou num espasmo cínico, no meio da orgia
sónica. Ciciou deliciado “Love to love you baby”, fingindo-se Donna Summer.
Voltou o traseiro para a audiência, em desafio. Ninguém, aparentemente, se
sentiu desafiado.
Sei Miguel apareceu como
convidado, tocando trompete numa nota só (aparentemente um ‘sol’), solto no ar
de 30 em 30 segundos, revelando assim ter aprendido bem os rudimentos da
conceituada estética minimalista dita “da buzina”. Contrastando com a contenção
do famoso rival de Miles Davis, os outros músicos optaram pela estética oposta
do “ó marreco aumenta o som”, para tapar os buracos, em temas como “Illogik
Plastic”, “Avanti Marinaio”, “Polygrama”, “Loane & Lyane Noah”, “Esborre”, “Querelle”
e “Mai 86”.
Escusado será dizer que o público adorou e pediu mais, obrigando os Pop Dell’Arte a regressar ao palco para quatro “encores”. Uma noite artística.
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