Pop Rock
5 MAIO 1993
WORLD
A IRLANDA AO PÉ DA RUA
PATRICK STREET
All in Good Time (9)CD Special Delivery, import. VGMKEVIN BURKE
Open House (8)
CD Green Linnet, distri. Megamúsica
Irlanda e Portugal são dois países parecidos em mais do que um aspecto. Em matéria de música tradicional, contudo, é como se pertencessem a galáxias diferentes. Enquanto em Portugal se contam pelos dedos os músicos desta área activos e de boa craveira técnica, na Irlanda há-os às centenas, senão aos milhares, nestas condições. Porquê tal disparidade? Porque na Irlanda aprende-se desde pequenino a prezar o passado, a amar a música, a encorajar a sua prática, através do ensino e de muito trabalho. Em Portugal é o que se sabe – a música tradicional é considerada um género menor. Por isso, na Irlanda a tradição mantém-se viva de geração para geração, no campo e na cidade, em cada esquina e em cada rua. Por isso, em Portugal sai um disco decente de cinco em cinco anos, e na Irlanda dezenas em cada semana, passe o exagero. Em quase todas as cidades da Irlanda existe uma Patrick Street, em homenagem ao santo, St. Patrick, que converteu o país ao cristianismo. Patrick Street é igualmente o nome de um violinista que, conta a lenda, antes de morrer terá confessado o seu maior sonho: ouvir uma banda formada por Kevin Burke, Jackie Daly, Andy Irvine e Arty McGlynn. O seu sonho tornou-se realidade. Após dois álbuns de antologia com esta formação, “Patrick Steet” e “No. 2”, mais um epílogo em jeito de concessão e com tiques de supergrupo, “Irish Times”, os Patrick Street deram o assunto por encerrado. Até 1993, ano da ressurreição. Os resultados justificam a reunião deste quarteto de sonho, que conta no currículo dos seus elementos com o mestrado nas instituições Planxty (Andy, Arty), Bothy Band (Kevin) e De Dannan (Jackie, Arty). “All in Good Time” espanta pela frescura, como se a música da Irlanda acabasse de ser inventada. Depois, percebe-se a fluência imensa do discurso, uma sensação de facilidade que permite aos músicos conseguirem as maiores proezas técnicas com a agilidade de acrobatas. Ady Irvine continua mestre na arte das vocalizações “soft” que foram imagem de marca dos Planxty. “A prince among men”, “The pride of the springfield road”, “The girls along the road” e “Carrowclare” justificam por si sós a elevada qualidade de um álbum que, no capítulo instrumental, é simplesmente imaculado. Para a perfeição faltará talvez o pico de ousadia que eleva um pouco mais alto o compêndio “The Fire Aflame”. Kevin Burke, o violinista da banda, por seu lado, arriscou algumas saídas da ortodoxia neste seu terceiro álbum instrumental a solo, fora das habituais sequências de danças tradicionais. Uma das curiosidades de “Open House” é a base rítmica formada exclusivamente pelo “step dancing” de Sandy Silva. Três momentos rompem de forma maravilhosa com a continuidade da “Irish traditional music” que vem chegando às toneladas ao nosso país: “Frailach”, um diálogo feito de subtilezas e ecos mediterrânicos entre o cistre de Paul Kotapish e o clarinete de Mark Graham, uma série de “bourées” de aroma medieval apoiados no ritmo do sapateado e uma nostálgica despedida em cadência de valsa, “La partida”, de novo com o clarinete em destaque. Mark Graham, além do clarinete, instrumento solista pouco vulgar na música irlandesa, faz prodígios com a harmónica (escute-se com redobrada atenção “Crowley’s reel”), que toca com um fraseado equivalente ao do violino, nalguns temas, ou do acordeão, noutros. O violino de Kevin Burke, quase nem vale a pena dizê-lo, é um portento de sensibilidade e de técnica. A Irlanda não pára de nos espantar.
5 MAIO 1993
WORLD
A IRLANDA AO PÉ DA RUA
PATRICK STREET
All in Good Time (9)CD Special Delivery, import. VGMKEVIN BURKE
Open House (8)
CD Green Linnet, distri. Megamúsica
Irlanda e Portugal são dois países parecidos em mais do que um aspecto. Em matéria de música tradicional, contudo, é como se pertencessem a galáxias diferentes. Enquanto em Portugal se contam pelos dedos os músicos desta área activos e de boa craveira técnica, na Irlanda há-os às centenas, senão aos milhares, nestas condições. Porquê tal disparidade? Porque na Irlanda aprende-se desde pequenino a prezar o passado, a amar a música, a encorajar a sua prática, através do ensino e de muito trabalho. Em Portugal é o que se sabe – a música tradicional é considerada um género menor. Por isso, na Irlanda a tradição mantém-se viva de geração para geração, no campo e na cidade, em cada esquina e em cada rua. Por isso, em Portugal sai um disco decente de cinco em cinco anos, e na Irlanda dezenas em cada semana, passe o exagero. Em quase todas as cidades da Irlanda existe uma Patrick Street, em homenagem ao santo, St. Patrick, que converteu o país ao cristianismo. Patrick Street é igualmente o nome de um violinista que, conta a lenda, antes de morrer terá confessado o seu maior sonho: ouvir uma banda formada por Kevin Burke, Jackie Daly, Andy Irvine e Arty McGlynn. O seu sonho tornou-se realidade. Após dois álbuns de antologia com esta formação, “Patrick Steet” e “No. 2”, mais um epílogo em jeito de concessão e com tiques de supergrupo, “Irish Times”, os Patrick Street deram o assunto por encerrado. Até 1993, ano da ressurreição. Os resultados justificam a reunião deste quarteto de sonho, que conta no currículo dos seus elementos com o mestrado nas instituições Planxty (Andy, Arty), Bothy Band (Kevin) e De Dannan (Jackie, Arty). “All in Good Time” espanta pela frescura, como se a música da Irlanda acabasse de ser inventada. Depois, percebe-se a fluência imensa do discurso, uma sensação de facilidade que permite aos músicos conseguirem as maiores proezas técnicas com a agilidade de acrobatas. Ady Irvine continua mestre na arte das vocalizações “soft” que foram imagem de marca dos Planxty. “A prince among men”, “The pride of the springfield road”, “The girls along the road” e “Carrowclare” justificam por si sós a elevada qualidade de um álbum que, no capítulo instrumental, é simplesmente imaculado. Para a perfeição faltará talvez o pico de ousadia que eleva um pouco mais alto o compêndio “The Fire Aflame”. Kevin Burke, o violinista da banda, por seu lado, arriscou algumas saídas da ortodoxia neste seu terceiro álbum instrumental a solo, fora das habituais sequências de danças tradicionais. Uma das curiosidades de “Open House” é a base rítmica formada exclusivamente pelo “step dancing” de Sandy Silva. Três momentos rompem de forma maravilhosa com a continuidade da “Irish traditional music” que vem chegando às toneladas ao nosso país: “Frailach”, um diálogo feito de subtilezas e ecos mediterrânicos entre o cistre de Paul Kotapish e o clarinete de Mark Graham, uma série de “bourées” de aroma medieval apoiados no ritmo do sapateado e uma nostálgica despedida em cadência de valsa, “La partida”, de novo com o clarinete em destaque. Mark Graham, além do clarinete, instrumento solista pouco vulgar na música irlandesa, faz prodígios com a harmónica (escute-se com redobrada atenção “Crowley’s reel”), que toca com um fraseado equivalente ao do violino, nalguns temas, ou do acordeão, noutros. O violino de Kevin Burke, quase nem vale a pena dizê-lo, é um portento de sensibilidade e de técnica. A Irlanda não pára de nos espantar.
Sem comentários:
Enviar um comentário