Sons
4 de Julho 1997
4 de Julho 1997
A nova idade dos Madredeus
O auditório do Inatel, na Costa da Caparica, foi o local escolhido pelos Madredeus para os ensaios e a apresentação da música do que será o seu próximo álbum de originais, a gravar em Itália no final deste mês. Num pequeno concerto aberto ao público, a nova formação, em quinteto, da banda portuguesa com maior sucesso no estrangeiro deu a conhecer uma música de contornos “new age”, em que a voz de Teresa Salgueiro se destaca cada vez mais.
Foi uma sonoridade nova aquela que os reformulados Madredeus – com o baixo acústico do novo elemento Fernando Júdice, a ocupar o lugar dos dois dissidentes, Francisco Ribeiro e Gabriel Gomes – apresentaram, em três pequenos concertos realizados no auditório do Inatel, nas tardes de segunda, terça e quarta-feira passadas.
Tocaram uma dúzia de temas, “Coisas pequenas”, “Praia do mar”, “Claridade”, “Paraíso”, “À margem”, “A tempestade”, “Não muito distante”, “Os dias são à noite”, “Andorinha da Primavera”, “O sonho”, “Alvorada” e “Canção aos novos”, os quais, segundo Pedro Ayres de Magalhães, serão todos gravados, ficando por decidir se serão, ou não, incluídos na sua totalidade no próximo álbum de originais, que começará a ser gravado no final deste mês, em Veneza, com edição provável no Outono.
Ontem mesmo o grupo seguiu para Itália, onde efectuará uma minidigressão, com início em Vicenza, que terminará no dia 10. Teresa Salgueiro não regressará com o grupo, ficando para actuar, como convidada, ao lado dos guitarristas António Chainho e Fernando Alvim, num espectáculo de fados clássicos, integrado no festival Sete Sóis Sete Luas.
O desaparecimento do som cheio do violoncelo e do acordeão da antiga formação determinou uma saliência ainda maior das guitarras, ao mesmo tempo que trouxe novas responsabilidades e protagonismo ao teclista da banda, Carlos Maria Trindade. Este músico, que no seu álbum a solo, “Deep Travel”, criou uma larga paleta de sons electrónicos, circunscreve agora o seu desempenho nos Madredeus a uma serenidade e simplicidade de processos próximos da “new age”. “Seria agressivo introduzir no grupo uma electrónica mais pesada. Digamos que uso sons quase acústicos, emulações de timbres pacíficos”, diz.
Carlos Maria Trindade reconhece que os “ex libris” dos Madredeus são “a voz da Teresa e o trabalho de guitarra ibérica”. “Tudo o resto são ornamentações”, afirma o teclista, que, pelo seu lado, procura encontrar para cada arranjo uma determinada “cor tímbrica, a tal cor que seria perigoso não substituir pela ausência do acordeão e do violoncelo”.
Também para José Peixoto, a ausência de Gabriel Gomes e Francisco Ribeiro dos Madredeus não acarretou qualquer espécie de traumas. “Percebemos que o Pedro, a Teresa, o Carlos e eu formávamos um núcleo principal auto-suficiente e que era possível trabalharmos os arranjos e a composição sem a sensação de falta”, diz o guitarrista, que subtilmente tem empurrado a música do grupo para as sonoridades mediterrânicas. Para o autor, a solo, do recente “A Voz dos Passos”, apenas “mudou a cor”. E um som que se tornou “mais coeso e objectivo”. Teresa Salgueiro, pelo contrário, acha que houve “nítidas mudanças”, como sempre existiram “de disco para disco”, só que agora muito mais nítidas, devido à instrumentação “completamente diferente e com arranjos muito mais simples”.
Para Fernando Júdice, o novo recruta, a principal dificuldade que sentiu na sua integração foi “compreender a música e encontrar o tipo de linguagem” que melhor se adequasse ao grupo. “Ainda estamos em fase de reflexão”, explica.
Pedro Ayres de Magalhães, autor da maior parte das músicas e letras dos Madredeus, considera que “depuração pode ser uma palavra pesada” para definir o novo som do grupo, até porque “o anterior não era impuro”. Mas admite que a música se tornou “ainda mais vocal”.
Parece óbvio que a actual combinação entre a expressividade vocal de Teresa Salgueiro e a serenidade cada vez mais acentuada do lado instrumental corresponde às expectativas criadas pelo público internacional, que recebeu da melhor maneira o álbum “O Espírito da Paz”. “Um pouco por todo o lado, pudemos sentir uma espécie de carinho pelo nosso projecto e também a confirmação de uma atenção que é justificada por aquilo que o grupo promete. Tomámos, então, como referência esses palcos tão diferentes em que tocámos. O critério da escolha dos novos temas e os respectivos arranjos têm muito a ver com essa experiência, em parte para responder a uma certa esperança que muita gente nos mostrou em relação ao futuro do grupo.”
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