Sons
18 de Setembro 1998
18 de Setembro 1998
Essa terrível agonia
Vega, Väisänen, Vainio
Endless
Blast First, import. Symbiose
Alan Vega foi fulminado por um raio lançado por Elvis Presley. Mas essa visão que lhe macera a carne e o espírito esteve sempre acompanhada por uma terapia de electrochoques como única maneira de impedir a possessão definitiva. Se Presley personificava uma sexualidade enfiada num frasco de obscenidade perfumada, Vega cultiva o erotismo da fúria e a paixão pela morte. O “rockabilly”, na versão apocalíptica do ex-Suicide, é um eixo de metal incandescente que, à semelhança de Presley (e do mito em que a memória o transformou), trespassa o coração da América de lado a lado. Mas onde Presley promovia estranhas cumplicidades com Eros, Vega espalha armadilhas com a ajuda de Tanathos. Com os Suicide o sangue escorria carregado por dez mil volts de castigo. De “Cheree”, a derradeira canção de amor sem remédio nem sentido, ao suicídio e loucura narrados nesses dez minutos de inferno que são “Frankie teardrop”, a música dos Suicide subverteu num par de álbuns (“Suicide”, de 1977 e “Alan Vega – Martin Ver – Suicide, de 1980) a memória do rock’n’roll, amarrando à cadeira eléctrica a banana fálica dos Velvet Underground.
Com a extinção dos Suicide, a consequente carreira a solo do cantor derivou para uma acumulação de equívocos. O “rockabilly” e as entoações vocais presleyanas caíram numa caricatura. Faltava o estímulo de Martin Ver, cuja serração electrónica funcionava nos Suicide como o casino onde Vega, “crooner” da maldição americana, soltava sem entraves os seus fantasmas.
“Cubist blues”, editado há dois anos, representou o regresso em força de Alan Vega em direcção ao “paraíso” perdido dos Suicide, tendo por companhia Alex Chilton e Ben Vaughn. Mas, se o espírito dos Suicide estava já aí presente, faltava ainda o palco formal que garantisse e potenciasse uma nova sistematização da loucura. Foram dois noruegueses, Mika Vainio e Ilpo Väisänen, a preencher, dezoito anos volvidos sobre o último disco de originais da dupla – que nos concertos ao vivo tinha como hábito lutar corpo-a-corpo com o seu público, – o lugar de Martin Ver. Mika Vainio e Ilpo Väisänen, dos Pan Sonic, funcionam como uma fábrica de ritmos gelados em comparação com os quais os Kraftwerk soam como uma dança tropical. Mas aos primeiros sons de “Endless” sente-se a estocada: os Suicide ressuscitaram. Golpe a golpe, fere-nos a mesma orgia electrónica de sequências psicóticas, sonorizações de claustrofobia, equações sobre a termodinâmica do desespero. Que Alan Vega aproveita de forma sublime, se é que o termo se pode aplicar a este acto de tragédia que esconde, ainda e sempre, uma ânsia desamparada de amor.
“Pesadelo! Pesadelo! Pesadelo!”, grita Vega no vórtice do descontrolo emocional, sobre um martírio electrónico de alta tensão elaborado pelos dois nórdicos, em “Outrage for the frontpage”, um dos temas que reactiva de forma mais mortífera os centros nervosos dos Suicide. Mika Vainio e Ilpo Väisänen furam com brocas de dentista a ténue camada de resistência com que tentamos fazer frente ao medo. E é a cavalo no medo que Alan Vega invectiva, soluça e enlouquece, em sobreposições infinitas de ecos, reverberações, rupturas, duplicações e outros distúrbios vocais, numa agonia sem fim.
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