5 de Novembro 1999
POP ROCK
POP ROCK
Espanta-espíritos
Paul McCartney
Run Devil Run (8)
Parlophone, distri. EMI - VC
“Hey, hey, my, my, rock ‘n’ roll will never die”. Neil Young é um rocker. John Lennon era um rocker. Paul McCartney, não. Macca foi sempre chocolate e caramelo, dos Beatles aos Wings, passando por dois notáveis álbuns a solo, “McCartney” e “Ram”. Melodias para brincar. Entretanto Linda morreu. Era preciso descarregar a fúria, submeter a alma a um exorcismo, passar-lhe um atestado de limpeza. “Run Devil Run” é o nome de uma gama de produtos de sabonete e óleos de banho destinados a afastar os maus espíritos.
Paul vasculhou nos arquivos, introduziu as moedas na ranhura da Jukebox da memória e o resultado é “Run Devil Run”, um álbum de clássicos de rock ‘n’ roll. Doce, para os netinhos bebericarem à lareira? Pelo contrário, “Run Devil Run” magoa como um chicote de cabedal. O ex-Beatles acelerou a moto dos fifties e é como se tudo começasse de novo. Mas, atenção, com ligeiras deformações espaço-temporais… Durante a entrevista feita por Chris Ingham para a última edição da Mojo, o jornalista interroga Paul sobre os métodos de trabalho – semelhantes aos deste disco – usados pelos Beatles até “Revolver”. Resposta de Paul: “Sim, mesmo até mais tarde, em ‘Rubber Soul’, o disco seguinte, não é?”. Após uma pausa, Chris Ingham arrisca: “Bem, não, ‘Revolver’ foi editado antes de ‘Sgt. Pepper’s’”. Paul: “Foi? Ok, eu fazia parte dos Beatles não fazia?”.
Confusões à parte, “Run Devil Run” introduz algumas notas de estranheza, como a presença, na ficha técnica, dos bateristas Dave Mattacks (ex-Fairport Convention) e Ian Paice (Deep Purple) e, sobretudo, do guitarrista dos Pink Floyd, David Gilmour, completamente desatinado em solos do mais puro rock ‘n’ roll… Também o facto de, por um qualquer condicionamento ou influência subliminar, o som se assemelhar às produções da época, saturado de eco, o que acentua o efeito de verosimilhança. Mas não, o próprio McCartney esclarece que apenas recorreu a este efeito de estúdio no tema de abertura, “Blue Jean bop”, de Gene Vincent.
Além deste tema, o alinhamento é composto por “Blue Jean bop”, de Gene Vincent, “She said yeah”, de Larry Williams, “All shook up”, “I got stung” e “Party”, de Elvis Presley, “No other baby”, dos The Vipers, “Lonesome town”, de Rick Nelson, “Movie Magg”, de Carl Perkins, “Brown eyed handsome man”, de Chuck Berry, “Coquette”, de Fats Domino, “Honey hush”, de Johnny Burnette & The Rock ‘n’ Roll Trio e “Shake a hand”, de Little Richard, e inclui ainda os originais “Run devil run”, “Try not to cry” e “What it is”.
Nesta viagem de recordações traficadas (há transposições de registo, num dos temas, McCartney não diz qual, parte da letra, que o músico nunca conseguiu decifrar, foi deliberadamente mal transcrita para uma aproximação fonética…) há sangue, suor e lágrimas. Como em “Try not to cry”, precisamente, que parece arrancado a um drama da época, e “What it is”, outro original, digno de figurar em qualquer álbum dos Beatles.
Ao contrário de Bryan Ferry que, obviamente, se diluiu na taça de champagne das baladas “standards” (o ataque de nostalgia está, inclusive, a afectar gente tão dispare como Joni Mitchell, George Michael e Gal Costa, todos com álbuns passadistas na calha), Paul McCartney correu no sentido contrário ao da sofisticação e das lantejoulas. O que é que encontrou nessa viagem para trás? “Paixão!”. Aos 57 anos, o exorcismo produziu os seus efeitos: “Senti-me realmente bem quando cheguei ao final das gravações”.
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