Y 7|JANEIRO|2005
música|capa
na barca com ulisses
cristina branco
“Venham
meus amigos, Não é demasiado tarde para partir em busca de um mundo novo,
porque sempre tive o propósito de viajar para além do crepúsculo…”. Este extrato
do poema “Ulysse”, de Alfred Lord Tennyson (1809-1883), impresso no interior da
capa do disco de Cristina Branco, serve de legenda a um projeto de intenções
que a cantora vem pondo em prática desde o início da sua carreira. “Ulisses” é
mais uma viagem que parte do fado para chegar a um canto universal que tem na
saudade a sua vela e a sua âncora. Cristina Branco nunca quis confinar-se à
estrita condição de fadista. Isso seria limitar os seus sonhos, a inquietude de
descoberta. “Ulisses” é um périplo por várias músicas, poesias, línguas e
geografias.
“Sonhei que estava em Portugal”,
tema de abertura, apresenta Cristina a cantar com sotaque brasileiro um poema
de João de Barro. Logo a seguir, em “Alfonsina y el mar”, o idioma escolhido é
o castelhano. O sentimento ultrapassa a formulação de estilos estratificados. É
uma música que a cada nota parte em demanda de novos portos. “Sete pedaços de
vento” é a primeira composição com a assinatura de Custódio Castelo, uma vez
mais condutor musical do projeto. Imaculada é a versão de “Redondo vocábulo”,
de José Afonso, servido por distinta impressão digital do piano de Ricardo
Dias.
A surpresa surge com “A case of
you”, tema de Joni Mitchell. Será caso para supor que a portuguesa e a
canadiana são irmãs espirituais. Cristina toca nos timbres, nas acentuações e
nas ornamentações de Joni. Joga com as mesmas luzes e sombras. O caminho fica
aberto a todas as ousadias. Ricardo Dias e Vitorino criaram um ambiente que de
início sugere Paredes, em “Navio triste” e “Soneto” é uma nova apropriação da poesia
de Camões, com sabor a música antiga e a Chico Buarque criado por Castelo. “Choro”
é equilíbrio perfeito entre a guitarra portuguesa de Castelo e o piano de Dias
em notável exemplo de nova MPP com raízes na tradição folk. Depois do
castelhano e do inglês, o francês é utilizado por Cristina para interpretar a
“Liberté” de Paul Éluard, exercício Breliano, um tipo de energia por enquanto
ainda afastada da sensibilidade da cantora. O “Cristal” de Vasco Graça Moura e
Castelo é mais neo-folk-progressiva idealizada a grande altura, com sensual
vocalização e “Porque me olhas assim” satisfaz as exigências da autoria de
Fausto. Custódio Castelo cria sobre as palavras de David Mourão-Ferreira, Júlio
Pomar e Alexandre O’Neill, respetivamente em “E por vezes”, “Meu amor corre-me
o corpo” e numa “Gaivota” onde pela primeira vez a cantora assume o vocabulário
e a postura fadistas. “Ulisses” fecha com um instrumental de Castelo. Chama-se
“Fundos” mas tem a leveza da “new age” e, no final, a provocação de uma batida
“drum ‘n’ bass”. A viagem não poderia afastar-se mais das convenções.
Cristina Branco chama-lhe um
“encontro com o amor, desta vez um amor satisfeito e assumido”, e um toque de
liberdade – “de escolher um itinerário próprio ao fim da vitória sobre tantas
contrariedades”.
CRISTINA BRANCO, Ulisses,
Ed. e distri. Universal,
10 de Janeiro
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