05/11/2020

Woody Allen brilha em "réveillon" como antigamente

 CULTURA

DOMINGO, 2 JANEIRO 2005

 



Woody Allen brilha em “réveillon” como antigamente

 

Woody Allen e a sua banda de jazz tradicional foram mesmo o melhor da passagem de ano no Casino do Estoril. Tocaram pouco tempo. O suficiente para fazer nascer um brilhozinho nos olhos de toda a gente

 

O ano terminou com uma catástrofe mas nem por isso as pessoas quiseram deixar de divertir-se. Faz parte da natureza humana esquecer e resta sempre a esperança de que o ano novo seja melhor e traga motivos de felicidade. Woody Allen esteve no “réveillon” do Casino Estoril a tocar jazz e a maneira como o fez contribuiu para trazer um pouco dessa felicidade às 800 pessoas que pagaram 500 euros para o ver e ouvir e, já agora, desfrutar da festa gastronómica do Casino.

            Woody é exatamente como nos filmes. Uma personagem frágil e deslocada do cenário que no entanto emana um fortíssimo carisma. Houve quem lhe chamasse “figura de cartoon” e quem não se cansasse de gritar “We love you Woody!”. Ele agradeceu, falou de Portugal como um “paraíso” e tocou o velho jazz de New Orleans de olhos fechados, o pé sempre a bater o compasso e com uma enorme paixão.

            Mas isso aconteceu quando já passava uma hora da meia noite e os festejos já haviam sido cumpridos. Bem cedo, mesmo assim com uma hora de atraso sobre o horário previsto, às 20h, o Casino abriu as suas portas à “socialite” e demais pagantes, com os fotógrafos e jornalistas a afadigarem-se para recolher imagens e impressões das figuras do “jet set”. Os homens vinham de “smoking”, as senhoras com vestidos nalguns casos bastante reveladores.

            Carla Matadinho, Miss Playboy, era uma das mais solicitadas. Certamente não por causa das suas curvas perfeitas e do decote provocante. O facto de Woody Allen ser a estrela convidada “teve algum peso” na sua vinda ao casino do Estoril. Carla esperava ouvir “música fantástica” de um género, o jazz, “que é para se ouvir ao vivo”. A desnudada missa não viu nenhum dos filmes do cineasta, apenas conhece alguns “de comentar” porque nunca costuma “estar muito atenta aos filmes que saem”. Mal comece o ano, partirá para a Colômbia, onde representará Portugal no concurso de Miss Café.

            Fátima Lopes, a conhecida estilista, não estava menos deslumbrante, também ela com um decote abismal que lhe descobria totalmente as costas e mesmo algo mais. Fátima veio a este “réveillon” de luxo por ser “uma noite muito especial” e porque o casino “significa um pouco a magia que faz sonhar”. E Woody Allen? “Também ajudou!”. Dele a estilista conhece apenas os filmes, não o músico de jazz. “Nunca o vi tocar, mas agradável decerto que vai ser”. Fátima Lopes não destacou nenhum filme em particular porque o importante, disse, “é o estilo”. “Só há um Woody Allen”.

            Quem não podia deixar de estar presente era o cantor Fernando Tordo, habitual participante nas atividades artísticas do Casino do Estoril desde 1968, “quando ainda era um miúdo dos conjuntos”. No ano passado Tordo fez uma temporada de quatro meses nesta sala. Veio, este ano, “pela festa”. Em relação a Woody Allen não nutre expectativas exageradas. “É uma figura genial do cinema, se fosse também bom músico, sabia-se, mas pronto tem graça…”. Para Tordo o ano que passou não deixa saudades. “Para quem, como eu, está muito ligado às coisas do seu país, foi um ano péssimo, para esquecer, não tenho nenhuma boa recordação”. As coisas poderão melhorar em 2005, “desde que haja um melhor governo, melhores governantes, e mais respeito pela cultura e pelas artes”.

            Invariavelmente presente em tudo o que é acontecimento social, Lili Caneças atraía, como é hábito, as atenções, até por causa dos esforços desesperados que fazia para manter a altura do decote em níveis moralmente aceitáveis Lili veio ao casino por ser uma época em que, normalmente, está em Portugal, com os filhos, com quem costuma passar o Natal em família. E sempre que está por cá, Lili passa nesta época do ano pelo Casino do Estoril. “Desde os meus 15 anos de idade, sinto-me aqui em casa”. A tia das tias portuguesas defende que o local deve deixar de ser visto apenas como “um sítio para jogar” mas também como de “entretenimento”, onde já assistiu a espetáculos como os de Tony Bennett, Art Garfunkel e Liza Minelli, alguns dos “maiores génios do mundo”. Lili é fã de Woody Allen, de quem viu “os filmes todos”. E gosta de jazz. “Estive em New Orleans, no sítio onde foi criado o ‘Dixieland’, tenho discos de ‘Dixieland’ e acho que ele toca clarinete fabulosamente”. Depois de um ano 2004 “fantástico” – “lancei uma linha de jóias, anunciada na TV Shop, que está a vender lindamente” – Lili Caneças começará a gravar em Março de 2005 um novo programa de televisão. “Estou a dizer-lhe isto em primeira mão”. A primeira coisa que vai fazer em 2005 é “pedir muita paz para o mundo e alegria de viver”.

            Assim foi passada a primeira hora, a ver e ser-se visto, antes de se entrar no salão Preto e Prata onde a festa propriamente dita iria decorrer. Nas mesas, tudo a postos, com cada lugar munido de um “kit” de divertimento temático – árabe, havaiano… – que incluía corneta, língua de sogra e serpentinas. Era altura de se iniciar o repasto. Ao som do grupo de câmara Quartet d’Arco, José Cabeleira & Cª e os Forrógode, que ninguém se esforçou muito em ouvir.

            Às 12 badaladas, anunciadas em palco pelo diretor artístico do casino, Júlio César, a alegria e o barulho mostraram que a festa estava a ser boa (pudera, a 500 euros…). Damas e cavalheiros saltaram para cima das cadeiras, as serpentinas enrolaram-se em redor dos sonhos, trocaram-se beijos e fizeram-se votos, ao vivo e por telemóvel.

            Só quando a New Orleans Jazz Band subiu ao palco, sem se fazer anunciar, é que o ambiente mudou por completo. As luzes baixaram, ouviram-se “shius” e os farristas chegaram-se à boca de palco para ver melhor aquele por quem ansiavam. Woody manteve-se quase todo o tempo de olhos fechados, anunciou ao microfone a excitação que estava a sentir por estar ali e a música saltou, pela primeira vez, para o centro das atenções. “I love you, Woody!” não parava de exclamar Lili Caneças enquanto ajeitava o decote e cantava de cor “Sweet Georgia Brown”. “É um grande artista”, exclamava outro. Woody e os seus companheiros tocaram pouco mais de uma hora. Com entusiasmo e paixão. Estavam dentro de uma cápsula de tempo. O seu tempo e o nosso coincidiram por momentos.

            Depois deles, a festa acabou. Houve ainda quem dançasse a música brasileira chata da banda Treme Terra e esperasse pela atuação tardia de Armando Gama. Anti-clímax. O chocolate quente ajudou a amenizar a madrugada e a fazer esquecer que o novo ano pode não ser exatamente da mesma cor que os sonhos.

 

 

Jantar a vários ritmos

 

Numa ementa pouco imaginativa mas razoavelmente bem confecionada, desfilaram sobre as mesas do Salão Preto e Prata, terrina de foie gras de ganso com geleia de figos e pão de especiarias, dueto de lavagante e camarão tigre com flor de espargos verdes, sorbet de limão, tarte de requeijão com framboesas em ninho de chocolate, café e mignardises, na companhia de um branco Pêra Manca e um tinto Prazo de Roriz. À meia-noite foi servido champagne Moêt & Chandon Brut Imperial. De início, o serviço respeitou um ritmo pausado e atento, dando tempo de degustação própria a cada prato. A dado momento, porém, a tendência mudou para a confusão e para uma pressa inexplicável, com os pratos a serem positivamente atirados para as mesas sem medida nem método. A horas mais tardias, então, os convivas foram votados ao abandono. Quem quisesse mais festa que a inventasse sozinho.

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