Na capa
As cores do Verão
Estiveram no “Graceland” ao lado de Paul Simon.
Participaram no vídeo “Moonwalking”, de Michael Jackson, e foram à “Rua
Sésamo”. São os Ladysmith Black Mambazo e cantam “a capella”. Em Lisboa – onde
atuam no Verão 90 – a voz dos anjos também será negra.
VOZES DE ÁFRICA
Fala-se em música
africana e ouvem-se batuques. Afluem ao espírito imagens de selva, savana,
fogueiras noturnas perturbadas por olhos na escuridão e rugidos que se desejam
ao longe. Mas África é também do Sul e o “apartheid”, Nelson Mandela, grandes
cidades e o tribalismo afastado para o lado, mas constantemente a gritar os
seus direitos.
Os Ladysmith Black Mambazo são
sul-africanos, negros e não tocam tambores. Cantam. Maravilhosamente e “a
capella”, hinos religiosos e temas populares e tradicionais do seu país. O
canto “a capella” é o estilo vocal em que cada cantor entoa uma linha melódica
diferente, uns em voz grave, outros em voz menos grave e por aí acima até aos
gorjeios soprano do topo da escala. O feito total é a harmonia perfeita – como acontece
com os Manhattan Transfer, os grupos de espirituais negros ou o Coro de Santo
Amaro de Oeiras.
O nome do grupo significa “enxada
preta de Ladysmith” e grande parte do seu reportório inspira-se no estilo
“mbube”, indissociável da cultura zulu, e na “Isicathamiya”, cantada pelos
trabalhadores negros que foram levados à força para longe das casas e famílias
para trabalhar nas minas exploradas pelo branco. O seu mentor, Joseph Shabalala
(“Bekezizwe” em zulu, “homem líder”) trabalhou nas minas. A sua música irrompe
do sofrimento e da harmonia dos sonhos, como ele gosta de afirmar. Convenceu
alguns dos seus familiares a partilharem desses sonhos e a materializarem-nos
na voz.
Costumam tocar um pouco por todo o
lado, mas especialmente em igrejas e centros comunais. Já o fizeram também em
prisões, em escolas secundárias e nas grandes catedrais. Participaram na “Rua
Sésamo” e nos espetáculos “Saturday Night Live” e “The Tonight Show”, bem como
no vídeo de Michael Jackson, “Moonwalker”. Além de cantarem, narram provérbios
e contam histórias e anedotas da sua tradição. Trazem as raízes ancestrais para
a cidade e encantam sempre.
Costumam utilizar a língua materna
zulu – por isso poderá haver quem não entenda as palavras. Mas a música, todos
a sentem, e a mensagem passa. Fora dos limites estreitos do Sul do continente
negro, para o resto do mundo. Em discos avidamente escutados pelos ocidentais,
sempre dispostos a consumir e a devorar novas e diferentes sensibilidades, que
apelidam invariavelmente de “exóticas”. Que nos façam bom proveito.
Paul Simon (em zulu, “Vulindlela” –
“aquele que abriu o portão”) não deixou escapar a ocasião e utilizou, com
ótimos resultados, as vozes africanas no álbum “Graceland”. Mas os Ladysmith
Black Mambazo têm discos só seus. Ao todo vinte e oito. Os mais recentes dão
pelo nome de “Inala”, “Umthombo Wamanzi” e “Two Worlds, One Heart”, este último
concedendo espaço aos instrumentos e à eletrónica, incluindo um “Zulu-Funk-Rap”
ao lado de George Clinton e com honras de edição em CD.
O importante é intuir a voz da terra
irmanada com os cânticos do céu. A dança tribal invadindo a selva urbana. Para
os Ladysmith Black Mambazo há “Two Worlds, One Heart”: “Dois mundos – a terra e
o paraíso – e um coração, poder único que se ergue acima do mundo e conduz à
paz e unidade de todos os povos do planeta”, como eles explicam.
LISBOA, Aula Magna da Reitoria da Universidade de
Lisboa, 5ª, às 22h.
A SEMANA SEXTA-FEIRA,
20 JULHO 1990
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