24 de Dezembro 1999
BALANÇO 1999
Música portuguesa - world
E depois de Amália?
Morreu Amália, o fado ganhou novos rostos e novas vozes. Dulce Pontes, Mafalda Arnauth, Sofia Varela e Cristina Branco fizeram nascer ramos diferentes a partir de uma raiz comum. Na folk, o compasso de espera foi interrompido por um grupo de veteranos que recuperou de forma brilhante romances tradicionais.
No ano da morte de Amália o fado acabou por estar no centro das atenções no capítulo das músicas ligadas à tradição. Mesmo antes do desaparecimento da maior voz de sempre do fado, na ânsia de se descobrir uma sucessora, lançaram-se “slogans” e catalogações despropositadas que, por muito lisonjeiras que sejam, acabam sempre por se tornar limitativas, quando não inibidoras dos artistas visados. Do grupo das nomeadas “herdeiras” ou “sucessoras” de Amália destacaram-se Dulce Pontes e Mafalda Arnauth. Ambas senhoras de grandes vozes, apostaram em caminhos divergentes. A primeira, já com um percurso assinalável na música popular portuguesa, enveredou no seu último trabalho, “O Primeiro Canto”, pela via da world music, rodeando-se de estrelas internacionais e experimentando vocalmente registos que parecem estar-lhe destinados desde o início e onde o fado parece, cada vez mais, fixar-se unicamente como referencial de uma autenticidade que permanece umbilicalmente ligada à cantora. Já Mafalda Arnauth – cuja espiritualidade e modo como interioriza o fado a aproximam verdadeiramente do que de mais profundo habitava em Amália – baralhou por completo as expectativas, assinando um álbum de estreia preenchido na íntegra com originais da sua autoria, quando dela se esperaria, porventura, menor dose de risco que implicaria um disco de versões. Na sala de espera, perfilam-se outras jovens vozes femininas das quais o fado poderá esperar num futuro próximo feitos de vulto, com Sofia Varela e Cristina Branco (estreia com “Murmúrios”) na dianteira. Já Maria Ana Bobone, trazida para o fado pelo braço de João Braga, distancia-se gradualmente deste género de música, à medida que se vão sucedendo as incursões discográficas (este ano, “Senhora da Lapa”, para uma editora estrangeira) numa espécie de música de câmara, sem dúvida de ressonâncias fadistas, mas definitivamente voltada para um ambientalismo de rosto new age. Mísia manteve-se à distância com a pós-modernidade das suas “Paixões Diagonais”.
Da área da folk esperar-se-ia mais quantidade editorial. Escassearam os trabalhos de fôlego. E, se o campo da fusão esteve bem servido – por mais polémicos que tivessem sido os resultados – pelos novos álbuns dos Sétima Legião (“Sexto Sentido”) e João Aguardela, com o segundo volume do seu projecto Megafone, os mesmos não fizeram esquecer a ausência da continuação das obras encetadas pelos Vai de Roda, Realejo e Gaiteiros de Lisboa. Descontando as semidesilusões de João Afonso, com “O Barco Voador”, e dos Quadrilha, com “Quarto Crescente”, acabou por ser a “velha guarda” constituída por Amélia Muge (também activa no grupo galego Camerata Meiga), Brigada Victor Jara (autores do prodígio que foi terem revelado Lena d’Água como cantora folk promissora), Sérgio Godinho e os já mencionados Gaiteiros de Lisboa e João Afonso a salvar a honra do convento, com o excelente naipe de versões originais de romances tradicionais contido em “Novas Vos Trago”. Acontecimento à margem de todas as pressões do final do século foi a reedição em caixa de cinco CD da mítica “Música Regional Portuguesa”, recolhida e compilada por Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça.
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