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19|OUTUBRO|2001
música|suzanne
vega
é outono em nova iorque
Em
Songs in
Red and Gray,
Suzanne Vega fala dos seus dramas pessoais num tempo em que o drama passou a
ser de todos.
Canções
de como o amor também dói como uma guerra.
“Songs in Red and Gray” foi editado logo
após os trágicos acontecimentos ocorridos em Nova Iorque a 11 de Setembro. Nada
será igual ao que era antes na escrita de Suzanne Vega. Mas como canta em “Last
year’s troubles”: “Um infortúnio ainda é um infortúnio e o diabo ainda é o
diabo”. A cantora e compositora nova-iorquina falou ao PÚBLICO sobre o medo e o
desconhecido. E do seu próprio Outono.
Imaginamos
que já tenha respondido a esta pergunta dezenas de vezes nas últimas semanas…
onde se encontrava na manhã de 11 de Setembro?
Estava
em Nova Iorque e a primeira coisa em que pensei foi no meu irmão, que se
encontrava a trabalhar num edifício situado entre as duas Torres. Felizmente
escapou ileso. Só depois é que me fui apercebendo de tudo o que estava a
acontecer através da televisão. A princípio, não quis acreditar… como para
muitas pessoas, parecia estar a ver um filme. Mas depois vi as Torres a
desmoronarem-se e compreendi que era real. Um amigo meu, Jack Hardy, que compôs
o último tema do álbum (“St. Clare”) e que não tem televisão, saiu para a
downtown também à procura de um irmão que trabalhava numa das Torres e
presenciou de perto o desmoronamento. Teve de fugir e abrigar-se debaixo de uma
porta. As pessoas fugiam na direção do rio. Foi inacreditável!
O
que aconteceu mudou a sua forma de encarar o mundo. Vai passar a escrever de
forma diferente?
É
difícil responder. Passei as últimas semanas a reavaliar as canções do novo
álbum e cheguei à conclusão de que não conseguirei voltar a escrever do mesmo
modo. Ao longo de todos os meus discos fiz parte, desde os tempos de estudante,
de uma associação de compositores “interventivos”. Presentemente, ainda não sei
através de que ângulo passarei a ver as coisas. É duro. As notícias chegam a
cada momento. Na “downtown” ainda cheira a queimado…
Poderá
acontecer algo de semelhante aos anos 60, durante a guerra do Vietname: um
ressurgimento da música social e politicamente empenhada? A opinião pública
começa a dividir-se sobre as consequências da intervenção no Afeganistão…
Penso
que sim… Mas a atitude será diferente. Nos anos 60 havia uma rebelião contra o
governo. Agora é mais confuso. A ideia de que a retaliação deveria ser imediata
é localizada, centrada em Nova Iorque, não sei até que ponto se generalizou na
América. O sentimento que impera é o medo. Para se poder falar sobre o que
aconteceu é preciso pôr primeiro os sentimentos em ordem. A questão é: como?
“Songs
in Red and Gray” é um álbum intimista. Perante a evidência trágica da história,
que sentido encontra ainda na exposição de dramas pessoais?
Sim…
eu sei… o álbum saiu uma semana e meia a seguir aos atentados e agora que o
ouço sinto que os meus problemas pessoais parecem pequenos em comparação com a
crise global que atravessamos. Mas é preciso continuar a escrever canções. Mas
como escrever canções sobre a tragédia, quando começo a pensar em Jack e no seu
irmão, ou nas pessoas que estavam nas Torres? Mesmo os compositores da tal
associação que referi estão a repensar as suas prioridades.
E quais são as suas prioridades?
A
minha filha, sempre. Tem sete anos. Não está a viver de perto o que aconteceu
(vivemos na “uptown”), embora, claro, tenha assistido a tudo pela televisão e
ficado chocada. Tentei explicar-lhe com palavras simples o significado da
guerra, as imagens dos aviões a chocar contra as Torres, mas ao mesmo tempo
proporcionar-lhe um sentimento de segurança. Sei que muitas crianças preferem
não falar do assunto e refugiar-se no seu mundo de fantasia. É complicado
explicar aquelas imagens de fogo, de pessoas a saltarem pela janela… Nenhuma
criança poderá compreender o que se passou.
As
pessoas estão assustadas. Nos aeroportos, a empregada pede o B.I. e deseja-nos
um bom voo e as pessoas desatam a chorar.
Uma
das canções, “If I were a weapon”, aborda a dicotomia amor-ódio, relações
sentimentais que se transformam em guerras… Depois de tudo o que está a
acontecer, ainda há lugar para a fúria e a violência na música pop? Em
Hollywood os realizadores estão a evitar filmar esses tópicos…
Penso
que esse lugar ainda existe. Fiz uma canção para “99,9ºF” chamada “Blood makes
noise”, uma canção muito dura, de confrontação e de medo. Na minha última
digressão hesitei em tirá-la do alinhamento, mas acabei por não o fazer e
funcionou bem. As canções ganham leituras diferentes, com o tempo. Estive a
ouvir “Last year’s troubles”, do novo álbum, e tive uma sensação esquisita ao
ouvir um verso como “trouble is still trouble ande vil still evil”…
“Priscilla”,
pelo contrário, proporciona alegria…
Oh,
é uma canção simples, sobre alguém que, apesar da idade avançada e de não ser
muito bonita, é feliz.
É uma das várias canções onde aparece a
palavra “dança”…
Suponho
que sim (risos), mas desde que parti um braço e ando com ele engessado nem
sequer posso tocar guitarra. Contudo, a imobilidade fez-me ter mais consciência
do meu corpo, dos seus mais ínfimos movimentos. É desconfortável, mas se as
pessoas percebessem que nem todas as coisas boas são confortáveis, talvez
repensassem as suas prioridades.
“Songs
in Red and Gray” é apontado como um dos seus álbuns mais conotados com a
poética de Leonard Cohen. Concorda?
É
possível. Adoro Leonard Cohen, mas a minha escrita é mais doméstica. Escrevo
sobre o que me rodeia, as mais ínfimas coisas. Ele fá-lo como se tudo se
tornasse uma referência, como dramas que podem ser visitados e vividos pelos
outros. Quando ele usa um imaginário religioso é o mundo inteiro que está
envolvido, enquanto eu me sirvo dele para as minhas explorações pessoais. Em
“It makes me wonder”, por exemplo, a Virgem Maria simboliza tanto o lado
espiritual como o carnal. Ambos co-existem. É uma canção sobre uma demanda de
um ideal irrealista. E, ao contrário de Cohen, não cozinho as minhas refeições
embora saiba preparar este ou aquele prato (risos).
Essa
canção tem um sabor bastante folk…
Sim, tem muito a ver com Woody Guthrie.
O
produtor e autor dos arranjos é Rupert Hine, que passou os anos 70 a gravar
discos de rock progressivo. Por que razão o escolheu?
Foi
ele que me “escolheu” depois de ouvir uma “demo” acústica que lhe enviei e ter
ficado comovido. Perguntou-se se eu estava disposta a uma reorientação da minha
música. Respondi-lhe que não. Ficou um bocadinho desiludido pois estava mesmo
disposto a fazer uma remodelação completa, mas acabou por conferir ao disco um
“groove” que me agrada.
Há
folhas mortas. As cores do álbum são os dourados e o vermelho. As mesmas da sua
alma, neste momento?
Sim
são ambos outonais.
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