Y
12|OUTUBRO|2001
escolhas|ao
vivo
mafalda
arnauth
o espírito
permanecerá
Entre o espetáculo de apresentação,
apadrinhada por João Braga, e a edição do último, e segundo, álbum, “Esta Voz
que me Atravessa”, Mafalda Arnauth evoluiu de intérprete fenomenal de Amália
para uma das mais poderosas e emotivas vozes femininas do fado. O espetáculo de
amanhã, na Culturgest, às 21h30, será o de mais uma consagração.
Nasceu em Lisboa há 27 anos. Estava longe
de pensar que faria do fado profissão. Mas isso foi no início de carreira,
quando poucos conheciam o dom da sua voz. Hoje, com dois álbuns editados, o
último dos quais considerado um dos grandes discos de música portuguesa deste ano,
foi “arrastada” pela mais “estranha forma de vida” que se possa imaginar.
Destino inevitável das divas.
Recentemente tornou-se a primeira artista
portuguesa a ser representada internacionalmente pela Virgin, com o novo disco
a ser editado neste selo na Bélgica, França e Espanha.
Será acompanhada na Culturgest por José
Elmiro Nunes (guitarra portuguesa), José António Mendes (viola de fado),
Rodrigo Serrão (contrabaixo) e, como convidado em dois temas, João Courinha
(saxofone).
O
facto de agora fazer parte do catálogo da Virgin é um indício de um
reconhecimento internacional?
É uma situação sem precedentes. Além de
que ter uma editora a apostar em mim lá fora é diferente do que ter de ir aos
vários países apresentar-me a um número restrito de pessoas. É uma conquista
fantástica.
Ainda
se lembra de quando afirmava que jamais lhe passaria pela cabeça viver do fado?
(risos) Lembro-me! Ainda há dias recebi
um telefonema de um colega de curso [Veterinária] a perguntar-me como é que eu
ia fazer com os exames! Existe essa pressão, mas o fado é mais forte do que eu…
Ainda seria possível voltar atrás?
Jamais. O fado como “hobby” tornou-se
impossível, com a carteira de trabalho que já tenho e que domina a minha vida
para os próximos meses. Mas não gosto de pensar no futuro, se vou conseguir cá
estar daqui a 50 anos e com tudo a correr sempre bem… É importante viver cada
período de cada vez; depois, pelo caminho, acontece sempre qualquer coisa, até
precisar de parar um pouco e respirar fundo. Mas o fado tornou-se a minha
opção.
Foi graças a si que as portas se abriram
a fadistas da sua geração?
O meu disco surgiu há dois anos, quando
não havia um único disco de fado das pessoas da minha geração. A Cristina
Branco já tinha editado alguns, mas só na Holanda. Agora, apareceu o disco da
Kátia Guerreiro; surgirá, esperemos, o da Ana Sofia Varela. Sinto que se sou
exemplo de algo, é da necessidade de ter uma identidade. Alguns dos projetos
que vão surgindo fogem cada vez mais à cópia. Só pelas fotos do artigo que saiu
há algum tempo no Y se percebe que todas as fadistas são diferentes e que todas
elas andam à procura dessa identidade, independentemente de ser encontrada um
“nova Amália”… Pretendemos fugir a isso. Até por respeito à própria Amália
Rodrigues.
O facto de ir atuar com mais frequência
no estrangeiro, para pessoas que já conhecem o seu disco, vai alterar a
estrutura dos seus espetáculos?
Estou numa fase de fazer cada vez menos
concessões. Mesmo em Portugal, a tendência é a de privilegiar a exposição de
quem sou e não a de receber muitas palmas. Isto implica que nos espetáculos
faça apenas o que me apetece. Se estiver a cantar para um público que prefere
marchas, sei que se cantar um espetáculo inteiro de marchas vou sentir que não
estou a ser verdadeira.
Os recentes acontecimentos no mundo,
depois de 11 de Setembro, refletiram-se na sua maneira de compor, de viver e de
cantar?
Uma das primeiras sensações que tive
quando estava a olhar para a televisão foi de que estava a viver um filme.
Levou tempo até interiorizar o que estava a acontecer. Há um mundo cá fora e um
mundo dentro de nós. E dentro de nós haverá provavelmente muitas “twin towers”
tão vulneráveis como aquelas. Preciso cada vez mais de paz interior, o que se
torna cada vez mais difícil. Tudo o que aconteceu vai ter consequências e não
sei se temos consciência disso. Os valores de sobrevivência podem ser postos em
causa. As pessoas vão ter que pensar no que é mais importante: se a matéria
(estamos cheios de medo que o planeta rebente de uma vez) ou se a própria espiritualidade
do mundo, que está de rastos. Violência gera violência.
Como é que encontra essa paz interior?
Passa pela auto-estima e auto-estima não
é considerarmo-nos a melhor pessoa do mundo, mas aceitarmo-nos e aos outros. O
meu corpo é o lugar onde habita o meu espírito. Se amanhã desaparecer o meu
espírito há-de permanecer. A paz vem daí.
MAFALDA
ARNAUTH
LISBOA | Auditório da Culturgest
sáb., 13, às 21h30;
bilhetes: 3000$00
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