QUINTA-FEIRA, 8 OUT 2001
Crítica Música
Teatro Bernardim Ribeiro
Dia 6 de Outubro, às 22h.
Sala quase vazia
Crítica Música
Música catedral
Valentin
Clastrier
EstremozTeatro Bernardim Ribeiro
Dia 6 de Outubro, às 22h.
Sala quase vazia
Valentin Clastrier é um dos
maiores músicos do universo. Passou por Portugal a semana passada, onde
realizou uma mini digressão de cinco concertos, no âmbito do festival Sete Sóis
Sete Luas, o último dos quais teve lugar em Estremoz no passado sábado.
Valentin Clastrier é um dos maiores músicos do universo mas teve a vê-lo, no
cine-teatro de Estremoz, cerca de duas dezenas de pessoas. Algo esteve mal para
que tal pudesse acontecer. Ao desinteresse da câmara juntou-se o alheamento da
organização, na apresentação daquele que é uma das figuras mais impressionantes
da música do nosso tempo: Valentin Clastrier, compositor único, executante de
exceção da sanfona eletro-acústica, presença incontornável das novas músicas,
parceiro de Michel Portal, Michael Riesseler, Henri Texier, entre outros.
Além de tudo isto, que faz parte
do seu currículo, Valentin Clastrier é um místico, herdeiro da espiritualidade
cátara medieval. Um intérprete do sagrado. Assistir a uma apresentação deste
homem que permanece de olhos fechados enquanto toca, é uma experiência
emocionante, mesmo arrebatadora. A sua música não se explica. É eterna,
acontece porque algo de transcendente toma conta da sua alma e das suas mãos.
Encontra-se nela elementos do free jazz, da música folk europeia, da
eletro-acústica contemporânea, da música de câmara mas, acima de tudo, há algo,
uma força, que é pertença exclusiva dos predestinados.
Em Estremoz, apesar da escassez
do público, Valentin Clastrier deu tudo. Só, com a sua sanfona modificada, de
maneira a soar como uma orquestra, uma igreja, uma guitarra elétrica ou um…
sintetizador eletrónico, o músico francês exibiu, além do mais, um virtuosismo
de tirar o fôlego. Domínio sobrenatural das cordas, ora em dissonâncias de
acordes traficados, ora em fraseados sem conotação visível com qualquer género
musical conhecido, ora ainda em drones oceânicas que fizeram estancar o tempo.
Entre a composição e a improvisação, a vertigem tomou conta da sua música.
Valentin Clastrier usou a sanfona
como arsenal de explosivos, a ondulação do mar, uma fábrica de sonhos.
Percutiu-a (e percutiu com os pés o estrado, amplificado, marcando a loucura de
certos compassos), arranhou-a e afagou-a. Limpou-lhe o suor e a poeira e, no
final, quando ainda arranjou disponibilidade para explicar à plateia o funcionamento
do seu protótipo, chamou-lhe “mulher”.
Cada um dos temas que interpretou
em Estremoz ficou como entrega e dádiva. Mundos de beleza que não se explicam.
“Comme dans un train pour une étoile” (inspirado em Van Gogh e com dedicatória
a Artaud), “Toujours”, “Endura”, “Gala” (inspirado na mulher e musa de Éluard e
Dalí, e na sua própria filha), “Et la roue de la vie…” foram algumas das
composições que Valentin Clastrier trouxe a Estremoz e poucos aproveitaram. À
sombra da grande heresia dos cátaros, a iluminar o futuro.
O sublime aconteceu quando
Clastrier fez nascer da sua sanfona, que é também o corpo da sua alma, o som de
sinos de igreja, o rasto de cometas, a dança de galáxias finalmente unificadas
num coro gregoriano. Música catedral.
EM RESUMO
O pior A ausência constrangedora de público na sala
O melhor A grande música de Valentin Clastrier, cuja entrega em
palco foi total
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