13/01/2015

Peter Hammill - What, Now?



Y 21|SETEMBRO|2001
escolhas|discos

PETER HAMMILL
What, Now?
Fie, distri. Megamúsica
7|10

E agora, o quê?

“E agora, o quê?”, pergunta Peter Hammill. Chegado aos 53 anos, o músico, poeta e antigo vocalista dos Van Der Graaf Generator, interroga-se, como não podia deixar de ser, sobre o tempo e as marcas da sua passagem. “What, Now?” provoca no admirador incondicional da obra deste trovador dos tempos modernos, impressões contraditórias. Em termos exclusivamente poéticos, o álbum pauta-se por um retorno aos grandes temas cósmicos e filosóficos – a solidão do indivíduo, a descoberta de um sentido para a vida ou a submissão religiosa, que caracterizavam obras máximas como “The Silent Corner and the Empty Stage”, “In Camera” e a trilogia a preto e branco, “The Future Now”, “PH7” e “A Black Box”. Neste particular, “What, Now?” contém temas merecedores de reflexão, por sinal os mais longos, nos quais Hammill se questiona sobre os limites da individualidade, da santidade e da paranóia, como “Here come the talkies”, “Lunatic in knots” e “Edge of the road”. As palavras, saídas da experiência ou arrancadas ao inconsciente coletivo, que Hammill rompeu a golpes de uma introspeção violenta, são arrebatadoras na exposição, por vezes trágica, do homem apresentado na sua dimensão de divindade aprisionada. Pelo tempo, pela carne, pelo pensamento, pelos outros, por si próprio. “So many angels/However many can there by, ghosts and djinns/Dancing on the head of a pin?/How many questions are left unresolved?/Exactly where do I begin/Now that the walls are closing in?/Who’s the lunatic/And who’s the sensible soul deep within the skin/Hanging on and listening in…?”, pergunta, em “Lunatic in knots”, trazendo à lembrança a grande dilaceração entre o ego, os anjos e os demónios (os “djinns” bíblicos…) da obra-prima dos Van Der Graaf, “Pawn Hearts”.
            Mas há o reverso da medalha num álbum marcado pelas guitarras e pela eletrónica épica aos quais não terá correspondido, desta feita, uma produção à altura. Falta espaço e tridimensionalidade a este conjunto de canções marcadas por uma profunda tristeza. O tempo, sempre o tempo, não perdoa, e faz sentir os seus efeitos na voz. A “What, Now?” falta o “punch”, a força e a revolta de antanho que tornavam cada intervenção vocal de Peter Hammill num tornado ou numa prece tocada pelo fogo sagrado. O que parece indicar que esta tensão poética que em “What, Now?” subitamente se reacende, já não conseguirá traduzir-se numa catarse como a de “In Camera”, mas poderá continuar a desenvolver-se em terreno de exceção na veia mais intimista de “Fireships” ou dos recentes “This” e “None of the above”. “The boy’s alive, the boy is in the man”, canta o poeta-músico em “Wendy & the lost boy”. Pressente-se o drama. O Peter Hammill de “What, Now?” não perdeu a pureza do Peter Hammill de “Fool’s mate” (1971), mas o corpo enfraqueceu (as imagens da capa parecem contradizê-lo, numa série de fotos do músico em movimento, entre a prostração e a tentativa de voo). Porém, Hammill já venceu a morte e essa é a maior das suas vitórias, no decurso de um longa ascese, sem precedentes na música deste século.
            “What, Now?” dá ainda a conhecer o Hammill profeta, em “The American girl”: “The American girl stubbed her toe on the old world/And the old world’s unforgiving rigidity/Well, times got hard/And talk came cheap/She found that finally/Something wasn’t right across the sea…/Now she’s stateless in all but her memory”. E agora, o quê?


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