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21|SETEMBRO|2001
escolhas|discos
PETER HAMMILL
What, Now?
Fie, distri. Megamúsica
7|10
E agora, o quê?
“E
agora, o quê?”, pergunta Peter Hammill. Chegado aos 53 anos, o músico, poeta e
antigo vocalista dos Van Der Graaf Generator, interroga-se, como não podia
deixar de ser, sobre o tempo e as marcas da sua passagem. “What, Now?” provoca
no admirador incondicional da obra deste trovador dos tempos modernos,
impressões contraditórias. Em termos exclusivamente poéticos, o álbum pauta-se
por um retorno aos grandes temas cósmicos e filosóficos – a solidão do
indivíduo, a descoberta de um sentido para a vida ou a submissão religiosa, que
caracterizavam obras máximas como “The Silent Corner and the Empty Stage”, “In
Camera” e a trilogia a preto e branco, “The Future Now”, “PH7” e “A Black Box”.
Neste particular, “What, Now?” contém temas merecedores de reflexão, por sinal
os mais longos, nos quais Hammill se questiona sobre os limites da
individualidade, da santidade e da paranóia, como “Here come the talkies”,
“Lunatic in knots” e “Edge of the road”. As palavras, saídas da experiência ou
arrancadas ao inconsciente coletivo, que Hammill rompeu a golpes de uma
introspeção violenta, são arrebatadoras na exposição, por vezes trágica, do
homem apresentado na sua dimensão de divindade aprisionada. Pelo tempo, pela
carne, pelo pensamento, pelos outros, por si próprio. “So many angels/However
many can there by, ghosts and djinns/Dancing on the head of a pin?/How many
questions are left unresolved?/Exactly where do I begin/Now that the walls are
closing in?/Who’s the lunatic/And who’s the sensible soul deep within the
skin/Hanging on and listening in…?”, pergunta, em “Lunatic in knots”, trazendo
à lembrança a grande dilaceração entre o ego, os anjos e os demónios (os “djinns”
bíblicos…) da obra-prima dos Van Der Graaf, “Pawn Hearts”.
Mas há o reverso da medalha num
álbum marcado pelas guitarras e pela eletrónica épica aos quais não terá
correspondido, desta feita, uma produção à altura. Falta espaço e
tridimensionalidade a este conjunto de canções marcadas por uma profunda
tristeza. O tempo, sempre o tempo, não perdoa, e faz sentir os seus efeitos na
voz. A “What, Now?” falta o “punch”, a força e a revolta de antanho que
tornavam cada intervenção vocal de Peter Hammill num tornado ou numa prece
tocada pelo fogo sagrado. O que parece indicar que esta tensão poética que em
“What, Now?” subitamente se reacende, já não conseguirá traduzir-se numa
catarse como a de “In Camera”, mas poderá continuar a desenvolver-se em terreno
de exceção na veia mais intimista de “Fireships” ou dos recentes “This” e “None
of the above”. “The boy’s alive, the boy is in the man”, canta o poeta-músico
em “Wendy & the lost boy”. Pressente-se o drama. O Peter Hammill de “What,
Now?” não perdeu a pureza do Peter Hammill de “Fool’s mate” (1971), mas o corpo
enfraqueceu (as imagens da capa parecem contradizê-lo, numa série de fotos do
músico em movimento, entre a prostração e a tentativa de voo). Porém, Hammill
já venceu a morte e essa é a maior das suas vitórias, no decurso de um longa
ascese, sem precedentes na música deste século.
“What, Now?” dá ainda a conhecer o
Hammill profeta, em “The American girl”: “The American girl stubbed her toe on
the old world/And the old world’s unforgiving rigidity/Well, times got hard/And
talk came cheap/She found that finally/Something wasn’t right across the
sea…/Now she’s stateless in all but her memory”. E agora, o quê?
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