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5|OUTUBRO|2001
música|reedição
a grande
arte dandy dos XTC
A
reedição, em imaculadas miniaturizações, da discografia correspondente á
primeira vida do grupo, volta a repor no imaginário pop das últimas duas
décadas a grande arte “dandy” dos XTC.
XTC
sabe a “ecastasy”. No ano em que os XTC se formaram, em 1976, ainda não tinham
aparecido as pastilhas que dão cor aos olhos e asas aos pés. Mas estava certo.
Quando, já no final da década, o punk conseguiu por fim arranjar espaço para
introduzir a energia bruta e a boçalidade na então depauperada indústria da
pop, os XTC mostraram que afinal era possível ser forte e inteligente sem ter
que dar um pontapé no traseiro da tradição.
Hoje os XTC são sinónimo de
sofisticação levada aos limites do hedonismo e de arranjos que exigem do
estúdio no mínimo 72 pistas de gravação, de forma a fazer valer os seus
direitos. Mas nem sempre foi assim.
A história da pop, ao contrário de
todas as outras, repete-se. A dos XTC volta a ganhar honras de escuta, agora
dignificada por um pacote de reedições, da responsabilidade da EMI Toshiba
japonesa (distribuição EMI-VC), da sua discografia maioritariamente dos anos 70
e 80. Fabulosas reproduções miniatura cartonadas dos originais em vinilo de
“White Music” (1978), “Go 2” (1978), “Drums and Wires” (1979), “Black Sea”
(1980), “English Settlement” (1982), “Mummer” (1983, “The Big Express” (1984,
“Skylarking” (1986), “Oranges and Lemons” (1989) e “Nonsuch” (1992).
Corria ainda a gloriosa época do
rock progressivo quando Andy Partridge, futuro líder venerado dos XTC, formou
em Wiltshire, Inglaterra, em 1972, os Star Park (Rats Krap ao contrário). No
ano seguinte o grupo, já como o novo elemento, Colin Moulding, alterou o nome
para Helium Kids, sob a influência corrosiva do proto-punk de Detroit dos MC5 e
do “camp” sanguinolento de Alice Cooper. Ninguém adivinharia que o futuro
haveria de se chamar estilo, inteligência e sonho.
Ainda hesitante entre mudar de novo
de nome, para XTC ou The Dukes of Stratosphear, Partridge optou pelo mais curto,
ainda que os segundos tenham chegado a gravar os obscuros e psicadélicos “25
O’Clock” e “Psonic Psunspots” (Partridge costumava dizer que tinha nascido com
duas décadas de atraso – a sua pátria era o psicadelismo). O punk chegara. Mas
para os XTC a fase do “noise” e da adrenalina gratuita já pertenciam ao
passado. Não admira que o álbum de estreia, “White Music”, fosse recebido com
exclamações de admiração, como reação à “coragem” demonstrada pelo grupo. A
“coragem” estava no fator melódico. Nas canções cantaroláveis. Numa
“britishness” de dandies diletantes que contrastava fortemente com o
cinzentismo dos prosélitos do alfinete. Tudo isto se encontra em “White Music”,
álbum que contribuiu para que o punk se passasse a chamar “new wave”. Mesmo
assim, é o álbum mais energético dos XTC, quase tosco, em comparação com as
sinfonias pop que estavam para vir.
“Go 2” é mais minimalista e urbano,
atravessado por refregas industriais. Por esta altura, e em consequência de uma
digressão conjunta com o grupo americano, era costume apelidar os XTC de
“Talking Heads ingleses”. Fazia sentido. Mas enquanto a banda de David Byrne
sobrevoava a América desenhando o mapa das suas paranóias, os XTC optaram por
flutuar de balão sobre a velha England, fascinados pelos seus prados, os homens
de chapéu de coco com o “Times” debaixo do braço, e os telhados de Londres num
dia de chuva.
Sinfonias barrocas. Com “Drums and
Wires” a metamorfose estava completa. Os XTC tinham-se tornado uma banda pop
com engenho e arte para preencher as “charts” com canções de irresistível
apelo, como “Making plans for Nigel” e o míssil melódico “Senses working
overtime”. Os cinco sentidos faziam mesmo horas extraordinárias.
“Black Sea” apresenta-se já como um
objeto de luxo, fruto de uma relação intensa com o estúdio. Andy Partridge,
apesar de excêntrico e de se vestir de forma ridícula, como os “mods” dos anos
60, ou de calções e boné de ciclista, é um perfeccionista que sempre preferiu a
confeção laboratorial em estúdio do que expor-se à avaliação ululante dos
espetáculos ao vivo. Como Ray Davies, dos Kinks, tornou-se o retratista dos
tiques, dos lugares e das personagens de uma Inglaterra presa entre as rendas
vitorianas, as chaminés das fábricas, as tragicomédias familiares que se
ocultam atrás de paredes de tijolo, e uma aristocracia de sonâmbulos e
“toilettes” à deriva entre Wimbledon, Brighton e Ascot.
O duplo “English Settlement” e
“Mummer” são obras-primas de pop mesclada de folk e fantasia. Chamam-lhes os
“álbuns rurais” e as capas de ambos são de facto manchas de verde, mar, bosques
e humidade. É necessário ouvi-los muitas vezes para se colher deles o maior
número de emoções.
O comboio retrocedeu ligeiramente na
estação de “The Big Express”. Canções saídas de uma rotativa em andamento acelerado,
tiveram pouco para se cuidar em frente ao espelho.
Mas acordados pela Primavera de
“Skylarking”, o narcisismo e o gosto pela arquitetura barroca renasceram em
todo o seu esplendor. Cada canção é uma filigrana de melodias, ora alinhadas
ora em contramão. Os arranjos, entre o chilrear de aves do paraíso, orquestras
campestres e guitarras de lâmina afiada, têm a mão de um deus qualquer.
Provavelmente Todd Rundgren, que se encarregou da produção, um dos génios e
magos de estúdio mais menosprezados da pop artificial, autor da descomunal
alucinação sónica que é “A Wizard/A True Star”. Tão alto voaram os XTC em
“Skylarking” que alguns atreveram-se mesmo a inovar o nome sagrado dos Beatles…
Atingido o cume segue-se a queda. É
inevitável. Mas os XTC caíram devagar. Primeiro em “Oranges and Lemons”, o
álbum funky, das canções longas e ritmos musculados. A seguir, as melodias
arrevesadas de “Nonsuch”, que tombam como flocos de neve.
Com a chegada do Inverno, os XTC
retiraram-se para hibernar. Regressaram em 1999, mais pujantes do que nunca,
para orbitarem em torno de Vénus e morderem a maçã, na “continuing story”,
“Apple Venus”. Mas essa é já outra história, com novos cambiantes. Comprovativa
de que a história que Andy Partridge tem para contar, esteja ou não longe do
seu epílogo, terá sempre um final feliz.
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