02/01/2015

"Folk models" fecharam Cantigas do Maio [12º Festival Cantigas do Maio]



CULTURA
TERÇA-FEIRA, 5 JUN 2001

“Folk models” fecharam Cantigas do Maio

Terminou em beleza a 12.ª edição do festival Cantigas do Maio que nos dois últimos fins-de-semana decorreu no Seixal, com organização da Associação José Afonso e câmara municipal local. Mas em beleza mesmo, com a atuação, musical e visualmente estimulante, do grupo DD Synthesis, da Macedónia, que no sábado fechou o certame.
Música das esferas e a presença física estonteante das três vocalistas, verdadeiras “top models” da “world music”, para quem os olhares, sobretudo os masculinos, invariavelmente se dirigiam, marcaram a atuação dos DD Synthesis. Foram elas o foco principal de uma música que levou ao Seixal, não a tradição pura dos Balcãs, mas a “folk” progressiva do álbum “Swinging Macedonia”, onde se destacam a sofisticação dos arranjos e o desenvolvimento grandioso dos temas, com a voz (sim, também a voz…) das três meninas, num registo característico de “vozes búlgaras”, a conferir-lhe o tom étnico adequado. Vane Jovcev, no piano e teclados eletrónicos, desempenha nos DD Synthesis a função de arquiteto sonoro. É sobre os seus alicerces orquestrais que se ergue a catedral. Goce Dimovski é o solista de serviço, na gaita-de-foles, kaval (flauta) e zurla (oboé rústico). “Mari mome”, em solo contínuo de “gaida”, constituiu um dos momentos exaltantes da noite. Mas são as três cantoras – Aneta Shulankovska, Biljana Ristovska e Mirjana Josheska – que atraem invariavelmente as atenções. Polifonias vocais de anjos, a pose – misto de graça e altivez –, e a forma como estes cânticos, que se diriam arrancados ao cume das mais altas montanhas da Macedónia, se harmonizaram com a energia rock do combo instrumental, criaram uma atmosfera que ora impelia à elevação ora explodia numa “feérie” de ritmos pagãos. Uma série de três “encores”, que obrigaram à repetição de um dos temas, premiaram a passagem majestosa dos DD Synthesis pelo Seixal.
Luzmila Carpio e o seu grupo atuaram na primeira parte. Ainda as montanhas, neste caso dos Andes bolivianos. Se os DD Synthesis foram o fausto de uma corte em dia de banquete, Luzmila brilhou como a luz de uma vela. A sua música, a sua voz, feita de agudos arrepiantes e graves uterinos, confundem-se com os contornos da sua alma, mas também com a voz do vento, dos rios e dos pássaros. Quem reparasse nos olhos de Luzmila veria neles – se tivesse, por sua vez, olhos para ver – uma cintilação que arde de muito longe e de muito alto, nas asas de um sonho. Música de outro mundo, terá escapado a alguns e deixado marcas profundas noutros.
Na véspera, duas prestações de sinal contrário rasgaram o Cantigas do Maio no seu melhor e no seu pior: Quem se dignou ou pôde ou soube entrar no mantra desenhado pelos Ghazal Ensemble (na foto), Shujaat Husain Khan, no sitar, Kayan Kalhor; no kamachech (parente do violino) e Sandeep Das, nas tablas, não saiu de lá igual a como quando lá entrou. Penetrar no âmago do raga, condição, aliás, necessária para uma sua eficaz “apreensão”, é aceder a uma dança sem limites nem fim. Tocaram “apenas” três temas, correspondentes a outros tantos estados de espírito, bilhetes de passagem para deslumbrantes paisagens do espírito. Mesmo quem permaneceu em terra intuiu a chama desta música, mantendo um silêncio de recolhimento. Silêncio e clamor foram, de resto, o centro e a forma da música dos Ghazal Ensemble. Paradoxo apenas para quem não soltou no mar a âncora da razão.
Cruel tarefa tiveram os israelo-árabes Between Times, de dar continuação ao infinito. Mesmo assim, esperar-se-ia melhor do que o arrazoado politicamente correto dispensado por uma formação chocha em que muitos viram um grupo de amigos provavelmente mais vocacionados para a animação de um casamento burguês ou para uma prestação exótica no Festival da Eurovisão, do que para participar num festival com a dimensão do Cantigas do Maio. Havia um tipo a percutir tablas que, ao lembrar-se do mestre indiano que tocara imediatamente antes, deveria estar a sentir-se envergonhado, outro a cantar (?) com voz de espantalho, e uma rapariga a dedilhar uma harpa com alguma graça. Mas o que se poderia ser uma fusão interessante de culturas tão antagónicas como vizinhas, resultou num tom de “folclore bonito para turista levar para casa como recordação” que levou parte da assistência a abandonar a sala a meio da atuação dos Between Times.
A festa prosseguiria, porém, depois dos concertos, na tenda de convívio, animada pelos galegos Ardentía. Exultaram a gaita-de-foles, o acordeão, os tambores e a pandeireta. Baile efusivo como só a música da Galiza sabe ser. E quando as três beldades dos DD Synthesis fizeram a sua aparição, dançando como deusas carnais ao ritmo da muiñeira, a noite ficou ainda mais ardente…

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