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26|OUTUBRO|2001
escolhas|discos
MARIANNE FAITHFULL
A Stranger on Earth – An
Introduction to Marianne Faithfull
Decca, distri. Universal
7|10
marianne
faithfull
o
rouxinol e o abutre
Era
um anjo. Transformou-se numa chaga. Marianne Faithfull protagonizou uma das
mudanças mais radicais que a pop alguma vez conheceu (excetuando, obviamente,
aqueles que mudaram de dimensão, como Janis Joplin, Sandy Denny, Hendrix ou
Morrison…).
De origem aristocrata, Marianne cedo
se introduziu nos meandros da música pop. Optou por ser “groupie” do grupo de
rock and rol mais maldito do mundo e por se tornar amante de Mick Jagger, o
diabo em pessoa. Jagger deu-lhe cabo da vida mas, por outro lado, foi graças a
ele que a loura adolescente pôde encetar uma carreira a solo. Em 1965 Marianne
já cantava coisas como “I’m a loser”, do álbum “Marianne Faithfull”, incluída
na presente coletânea, mas a sua voz cândida prestava-se mais a melodias
inofensivas como as de “This little bird” ou do tradicional pindérico “House of
the rising sun”. Mesmo “As tears go by”, o seu primeiro single a ser lançado e,
reza a história, a primeira canção escrita pela dupla Jagger/Richards, que
poderia funcionar como profecia do que estava para vir, soa na sua voz como um
madrigal. Talvez por esta razão “A Stranger on earth” abra com a versão de 1987
desta mesma canção, incluída no genial “Strange Weather”, restituindo-lhe a sua
carga dramática original.
Após a tentativa de suicídio que em
1969 a impossibilitou de concretizar a sua ascensão como atriz, impedindo-a de
contracenar com Jagger no filme “Ned Kelly”, e de um consumo prolongado de
heroína, tudo parecia apontar para a palavra “fim” na sua carreira. Não foi
porém o que aconteceu. Influenciada por “Berlin”, de Lou Reed, James Brown e
Hank Williams, Marianne reapareceu uma década mais tarde, em 1989, a voz já
escurecida e marcada pelas cicatrizes, com o aclamado “Broken English”,
protótipo, quanto a nós sobrevalorizado, da eletrónica de tendência “disco” que
alegadamente caracterizou alguma da vanguarda pop dos anos 80. “Guilt” e “The
ballad of Lucy Jordan” foram duas escolhas óbvias e acertadas, deslocadas para
esta “introdução” a Marianne Faithfull que peca por demasiado difusa. “Dangerous
Acquaintances” (1981), “A Secret Life” (1995) e “A Perfect Stranger” (1988)
contribuíram aqui igualmente para ilustrarem a mutação do rouxinol em abutre,
da donzela em cantora de cabaré, da adoração pelos Stones à apropriação de
Brecht e Weill.
Socorrendo-se ainda, da fase mais
antiga, de faixas da compilação “The Very Best of Marianne Faithfull”, “A
Stranger on Earth” tira um dos retratos possíveis a esta mulher que a vida e a
música transformaram em resistente. Diga-se em abono da verdade que a cinquentona
enrugada de hoje é bem melhor que a “the baroness’s daughter, pop star angel,
rock star’s girlfriend” (como a si própria se intitula na sua autobiografia)
que nos anos 60 esvoaçava em volta das pedras do mal.
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