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11|JANEIRO|2002
stranglers|música
Os Stranglers foram uma banda punk.
Os Stranglers nunca foram uma banda punk.
O que significava em 1977 ser punk? A reedição
da obra principal do grupo ilude a questão. Os Stranglers eram energia. Pura e
escura. Como a aura de maldição que os rodeou.
O rock
segundo os homens de negro
Ao
contrário da maioria dos punks, os Stranglers sabiam tocar instrumentos, usavam
sintetizadores, já não eram nenhuns adolescentes quando começaram (o baterista,
Jet Black, já tinha ultrapassado a casa dos 30) e, heresia das heresias,
acreditavam que tinham um futuro.
“IV Rattus Norvegicus”, o álbum da
ratazana, lançado em 1977, tornou supérflua a questão da maior ou menor
punkitude. Ostentava a elegância da pop, a energia do rock e o kitsch
escandaloso de uma sex-shop. Entre os arpejos de órgão a fazer lembrar os Doors
de Dave Greenfield, o baixo polposo de Jean-Jacques Burnel, a guitarra cortante
de Hugh Cornwell e a batida infatigável do baterista com cara de talhante, Jet
Black, “IV Rattus Norvegicus” desbaratou a anarquia introduzida pelos Sex
Pistols, à custa de canções compostas com conta peso e medida como “Goodbye
Toulouse”, “Hanging around”, “Peaches” e os provocatórios (para a época) sete
minutos e picos da “suite(!)” “Down in the sewer”.
“No More Heroes”, editado no mesmo
ano, revelava algumas das dificuldades que em geral andam associadas à
tradicional prova de fogo do segundo álbum. Álbum mais duro e linear que o seu
antecessor, hesitava entre as descargas proto-industriais de “I feel like a
wog” (a eclosão discográfica dos Suicide na cena nova-iorquina e a sua estreia
discográfica, no mesmo ano de 1977, terão deixado marcas), o ultra-trauteável
título-tema e a longa narrativa “doom” do final, “School mam”. Mantinha porém a
tensão e, no ar, a perspetiva de coisas mais fortes ainda por vir. E ainda
depunha uma coroa de flores na tumba de Trotsky…
A força veio logo com “Black and
White”, de 1978, um verdadeiro murro nos dentes do punk e a prova de que a
energia apregoada pelos homens dos alfinetes era mais do que ruído e volume no
máximo. “Black and White” explode literalmente no tema de entrada, “Tank”,
introduz a valsa “Nice ‘n’ sleazy”, iniciando uma tradição que se manteria nos
álbuns seguintes, e explora sem pruridos a eletrónica (“In the shadows” já não
ficava a perder na comparação com os Suicide). Um álbum dominado pelo baixo
avassalador de Burnel mas, paradoxalmente, “frio”, da mesma forma que “Low” é
“frio” na discografia de David Bowie.
Porém, o melhor, que é também o mais
ameaçador, dos Stranglers surge ao quarto álbum, “The Raven” (1979), inspirado
na mitologia viking. O tema da morte e da putrefação, que desde o início
estivera presente no grupo, adquire contornos mais precisos. Depois da
ratazana, o corvo aparece como símbolo dos predadores necrófagos que eram os
Stranglers. “The Raven” mergulha numa pop eletrónica doentia, separada da fação
neo-romântica de bandas contemporâneas dos Stranglers como os Visage, Depeche
Mode, OMD, Yazoo ou Berlin Blondes.
“The raven”, “Baroque bordello”,
“Nuclear device”, “Duchess” e, sobretudo “Don’t bring Harry” (o “H” de heroína,
com um vago cunho de Lou Reed, a primeira de várias baladas açucaradas com
veneno dos Stranglers que o grande público acolheu sem reparar na perversidade
que lhes estava intrínseca), têm tanto de pouco saudável como de acessibilidade
melódica. “Meninblack” introduz a temática que ocuparia a totalidade do álbum
seguinte – a invasão alienígena, no caso E.T.s disfarçados de terráqueos,
praticantes do canibalismo, tema pelo qual Jean-Jacques Burnel, ideólogo da
banda, confessava nutrir especial predileção. O tema é vocalizado pelos
próprios E.T.s nas suas vozesinhas de fantoches de dentuça afiada: “We are here
to destroy (…) human flesh is porky meat”, a refeição intercalada por
gargalhadas arrepiantes.
maldições. “The Gospel According to
the Meninblack”, de 1981, é, na opinião de muitos, incluindo os próprios
elementos do grupo, a obra máxima dos Stranglers, mas também a “obra de arte”
amaldiçoada desde o início. Criaram-se lendas e factos em seu redor. Fitas que
desaparecem misteriosamente, material que explodiu após a visita aos estúdios
de um falso técnico, a morte súbita de pelo menos três pessoas ligadas à banda,
ameaças de morte aos elementos do grupo, conferiram uma aura demoníaca a um
disco que, em termos estritamente musicais, é, sem dúvida, o mais complexo e
enigmático dos Stranglers.
Jean-Jacques Burnel define-o como “à
frente do seu tempo” e o “cruzamento de Erik Von Daniken [autor de vários
clássicos da literatura de OVNIs na sua variante mais mística] com os Kraftwerk
e Giorgio Moroder”. A teoria da conspiração, o Apocalipse, o controle mental
dos alienígenas sobre os terráqueos e uma releitura da Bíblia à luz destes
monstros que controlariam desde há muito os destinos da Terra, materializam-se
em sequências onde estão presentes o erotismo, a peste, o veludo e o poder das
máquinas, com prólogo na valsa instrumental “Waltzinblack” (de novo as
vozesinhas e as gargalhadas diabólicas…) e epílogo no aterrizador “mid tempo”,
entre a marcha de robôs e uma BSO de Morricone, de “Hallow to our men” – a
submissão aos novos senhores do planeta.
Fruto ou não das “más vibrações”
acumuladas, o disco seguinte, “La Folie”, é uma espécie de anti-clímax, uma
fuga (os Stranglers terão mesmo disso “aconselhados” a abandonar a temática dos
“homens de negro”…) ou um exorcismo, da mesma forma que o escritor maldito
Isidore Ducasse, sob o pseudónimo literário de Conde de Lautréamont, se sentiu
na necessidade de escrever um tratado sobre a virtude a seguir ao manifesto da
crueldade e diabolismo de “Os Cantos de Maldoror”…
Para os fãs dos Stranglers, a
vertente dandy, europeísta (que Burnel exploraria em profundidade no seu
trabalho a solo, “Euroman Cometh”) e quase etérea de “La Folie”, também de 1981
(um título que diz muito sobre os acontecimentos do antes e depois de “The
Meninblack…), foi um choque. Para a posteridade ficaram o poema declamado do
título-tema, e “Golden Brown”, outra balada irresistivelmente delicodoce com alusões
à heroína, que intoxicou os tops.
Do presente pacote de reedições –
convenientemente remasterizadas e aumentadas com uma quantidade generosa de
“bónus tracks” – faz ainda parte “Live (X Cert)”, de 1979, que funde como se
fosse um só, dois concertos, realizados respetivamente no “Rainbow Theatre”, em
Londres, e no Battersea Park. Este último, descrito como “infame”, foi marcado
pela invasão do palco por strippers, homens e mulheres (façam favor de conferir
pela foto do livrete…), criando o caos durante a interpretação de “Nice ‘n’
sleazy” (curiosamente deixado de fora do alinhamento). Daí a razão do
subtítulo: “Stranglers in Nude Woman Horror Shock”… Apenas mais um pormenor
sórdido entre os muitos que marcaram a carreira daquela que foi uma das bandas
mais provocatórias do rock.
THE STRANGLERS
IV Rattus Norvegicus
7|10
No More Heroes
6|10
Black and White
8|10
The Raven
8|10
Live (X Cert)
6|10
The Gospel According to the
Meninblack
8|10
La Folie
6|10
EMI, distri. EMI-VC
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