cultura
SEGUNDA-FEIRA, 27 MARÇO 2000
Anouar Brahem, John Surman e Dave Holland atuam hoje,
em Lisboa
Um chá no deserto
JAZZ, música árabe, arabescos de alaúde, um saxofone rendido ao
minimalismo, um contrabaixo quente militante numa editora "fria", a
ECM. Anouar Brahem, tunisino, alaúdista (no "ud", alaúde árabe), John
Surman, inglês, expoente dos saxofones soprano e barítono e do clarinete baixo,
e Dave Holland, outro inglês, contrabaixista, encontram-se ao vivo, hoje no
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, e amanhã no
Teatro Rivoli, no Porto, como já se haviam encontrado, há dois anos, no
Festival da ECM, em Badenweiler, na Alemanha, e na gravação de
"Thimar", álbum com a chancela desta editora alemã.
De comum entre os
três, o domínio pleno dos respetivos instrumentos, a compreensão da música como
fenómeno global de transversalidades culturais e a compreensão da importância
do diálogo e da escuta, no âmbito de uma criatividade colectiva. Que se jogará
tendo como factor preponderante a improvisação, que na música árabe se centra
em redor dessa chama eternamente acesa que é o "taqasim". Um chá
inglês tomado em pleno deserto.
Anouar Brahem
acredita que a improvisação é o caminho ideal para se atingir o Espírito. E o
espírito da música árabe clássica, feita de subtis modulações. Não como uma
estrada, que liga um lugar a outro, no Ocidente, mas como um jardim.
"Rabeb"
e "Andalousiat" são álbuns que Brahem gravou à passagem da década de
80 para a de 90 e onde procurou reabilitar a herança riquíssima do seu
património geográfico-musical. Parte a seguir para o Ocidente, descobrindo-se
irmão do jazz mas entrando neste universo pela porta da editora do alemão
Manfred Eicher, a ECM, onde assina três álbuns que lhe grangeiam enorme
popularidade: "Madar" (1994), em duo com o saxofonista norueguês Jan
Garbarek, "Khomsa" (1995) e "Thimar" (1998), em trio com os
seus companheiros desta noite no CCB.
Em Tunes, onde
nasceu, cruzam-se as raízes árabes-muçulmanas com influências africanas e
mediterrânicas. Por isso não espanta que na música de Anouar Brahem soprem
ventos simultâneos que transportam a tradição para terras de descoberta e de
diálogo com "o estrangeiro", habitante de outras formas de olhar um
mesmo mundo.
John Surman e
Dave Holland ajudaram a criar nos anos 60 o que se considerou ser um "novo
jazz" nascido em Inglaterra. Nas grandes formações de Mike Westbrook, Mike
Gibbs e Chris McGregor ou na pequena formação The Trio (ao lado de dois
americanos "expatriados", Barre Phillips e Stu Martin), Surman
pontificou como um músico seduzido pela melodia e por uma visão classizante do
jazz. "Westering Home" e "Morning Glory", álbuns dos anos
70, apontavam já para outra das suas pátrias musicais: um minimalismo de câmara
de pendor electrónico que viria a desenrolar-se em várias etapas ao longo da
sua discografia a solo na ECM, desde "Upon Reflection", "The
Amazing Adventures of Simon Simon" (um clássico!) e "Such Winters of
Memory" (com a cantora Karin Krog) até ao mais recente "Biography of
the Reverend Absalom Dawe". Uma passagem pela música coral, em
"Proverbs and Songs", contrasta com o jazz mais tradicional protagonizado
com o seu quarteto com John Taylor, Chris Lawrence e John Marshall.
Dave Holland
percorreu um trajeto paralelo ao de John Surman, embora num âmbito mais
marcadamente free. Das grandes formações inglesas onde também fez apostolado, o
contrabaixista cedo se aventurou ao lado de Miles Davis (encontramo-lo nos
míticos "In a Silent way" e "Bitches Brew"), e a tocar com
músicos "desalinhados" como Anthony Braxton e Barry Altschul
(juntamente com Chick Corea, nos Circle), George Lewis, Sam Rivers e Evan Parker.
Entrou para a ECM ainda nos anos 70, onde assinou obras marcantes como
"Music from Two Basses" (com Barre Phillips), "Conference of the
Birds", "Emerald Tears" e, com os Company, "Fables".
São estes três
músicos fabulosos que esta noite tecerão armas num concerto que tanto se poderá
pautar pelo fascínio pela composição, fruto de um convívio longamente
amadurecido, como arrancar em direcção ao desconhecido, numa viagem de risco
mas com garantias de retorno. Porque em qualquer dos três, as âncoras dos
respectivos navios se firmam no mais fundo da música.
ANOUAR BRAHEM, JOHN SURMAN E DAVE HOLLAND
LISBOA Grande Auditório do Centro
Cultural de Belém. Hoje, às 21h30.
Bilhetes entre 1000$00 e 3500$.
PORTO Teatro Rivoli, 3ª, 28, às
21h30.
Bilhetes entre 2000$ e 3000$.
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