Pop Rock
1991
MARGEM DE CERTA MANEIRA
PÓS-GNR
Mimi Tão Pequena e Tão Suja
LP/MC/CD
Polygram
Não é difícil, a um músico minimamente inteligente e informado,
ultrapassar a vulgaridade vigente no meio rockeiro nacional. Difícil é fazê-lo
de forma original, isto é, partindo de códigos conhecidos, chegar a qualquer
coisa diferente e realmente nova – tarefa que hoje em dia poderá parecer a
qualquer compositor pouco menos que impossível. O mundo da música
transformou-se numa torre de Babel, onde todas as linguagens, e as suas
infinitas interpermutações, se multiplicaram até ao ponto limite do total
esvaziamento de sentido, auferindo, à falta de melhor, de uma legitimidade
permitida pela “dignidade” da atitude sintetista, chamemos-lhe assim.
“Mimi Tão Pequena e Tão Suja!” (bom título para uma fita
neo-realista-saloia) cabe desde que articulado com um mínimo de coerência e o
apoio suplementar da muleta conceptualizadora.
“Mimi” recua aos anos 70, mais concretamente à vertente menos sinfónica
do progressivismo e ao bruitismo controlado dos King Crimson à época de “Red”.
Grande parte do álbum avança por esse som saturado, no qual assumem papel
preponderante os diversos enunciados da guitarra elétrica e as deambulações de
um baixo poderoso e bem articulado, instrumentos que o próprio Rua manuseia com
o talento que se lhe reconhece.
“Scales & solos” junta ao tom geral de opressão a violência extra,
aprendida na vertigem “hardcore”. Por entre o massacre (aumentado pelo som
resultante de uma prensagem péssima que acentua ainda mais a sensação de
“massa” sonora, talvez a querer dar razão ao “sujo” do título…), irrompem
pequenos pormenores, mais ou menos exóticos, como os que são criados pelo
xilofone da David Maranha (dos Osso Exótico) em “Hardcore II”, por um solo de
piano (excelente Miguel Megre) de súbito rendido à serenidade, em “Independança
II”, ou pelo humor e fraseado guitarrístico muito Eugene Chadbourne de “Strange
perception”.
Passando ao lado do par de temas que abre o segundo lado, num registo
mais próximo da pop, acaba por ser a londa sequência instrumental que encerra o
disco a suscitar a maior parcela de interesse: “The next album” (será de facto
o próximo álbum todo assim?), incursão demolidora nos meandros do ruído, que as
linhas melódicas do baixo, do piano e a inspirada e fragmentada prestação de
Rui Azul, no saxofone, impedem de mergulhar no caos. Uma referência final aos
textos, escritos e cantados em inglês com a fluência do estudante aplicado que
procura alinhar uma sequência de frases sem errar. Mesmo assim, há erros (ou
gralhas?): “Trough” em vez de “through”, “Tokio” em vez de “Tokyo”, “Demon”
pronunciado “démon” em vez de “dimon”. Pormenores que não comprometem, mas aos
quais não ficaria mal prestar de futuro mais atenção. Vítor Rua e a sua “Mimi”
não salvam o rock português, mas situam-se orgulhosamente à margem dele, com a
convicção dos que procuram arriscar. (7)
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