CULTURA
SÁBADO,
18 JANEIRO 2003
Conversa entre
gigantes do jazz no CCB
WILLIAM PARKER EM
COIMBRA
Duos
no CCB. Jazz ao Centro em Coimbra. O jazz no centro das atenções. Steve Lacy, Geri
Allen, Lee Konitz, Joey Baron tocam hoje em Lisboa. O quarteto de William
Parker, em Coimbra
Jazz
a dois é conversa. Amena, inflamada ou, se der para o torto, da treta. Jazz a
duas vozes é o que esta noite se poderá escutar em concerto duplo no Grande
Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a partir das 21h.
São quatro os conversadores,
qualquer deles de monta, cada qual com muitas histórias para contar, para dizer
ao outro e lhe pedir explicações, respostas ou um simples comentário. O outro
fará o mesmo. A história do jazz está cheia destas conversas.
Steve Lacy, um dos saxofonistas mais
prolixos e inquietos do jazz contemporâneo, terá como parceiro a pianista Geri
Allen. Ele, homem de longas fidelidades ("são as relações a longo prazo
que prezo mais"), com Kent Carter, Jean-Jacques Avenel, Oliver Johnson (recentemente
falecido) ou a sua mulher Irène Aebi, mostra-se, no entanto, disponível para a
descoberta de outras músicas que completem ou desafiem a sua. A de Geri Allen
esteve sempre debaixo da sua mira. Cumprirá hoje esse desejo.
Lacy é o viajante por natureza que
aprendeu com a tradição a fabricar o futuro. Duke Ellington, que continua a
considerar "o músico nº1", ensinou-o a gostar de jazz. Com Thelonious
Monk, de quem é intérprete de exceção, manteve a ligação afetiva ao bebop. Mas,
é claro, por ele passou grande parte da excitação que nos anos 60 ganhou o
rótulo, a reputação e o grito de "free jazz". Esteve ao lado de Cecil
Taylor (foi quem lhe revelou Monk), Ornette Coleman, Don Cherry e Jimmy
Giuffre. Era quando o seu saxofone - o difícil soprano, ao qual se dedicou em
exclusivo, num caso ímpar de fidelidade a um instrumento a que a maior parte
dos saxofonistas recorre em segunda escolha - soava mais agreste e libertário.
A passagem dos anos arredondou-lhe o som, levando-o para junto do calor do alto.
Enrico Rava, Louis Moholo, Derek
Bailey, Evan Parker, Steve Potts (Lacy foi dos poucos a reconhecer-lhe
importância), John Stevens, Trevor Watts e Roswell Rudd, além da bizarra nave
espacial chamada Musica Elettronica Viva, foram alguns dos músicos livres que
consigo fizeram o jazz passar a fronteira do bop. Nos anos 80 encontrou no
piano de Bobby Few um lugar de conforto.
Até hoje a sua atividade e os seus
interesses estenderam-se à canção (de veia Brecht/Weilliana, na voz da sua
mulher), ao teatro (trabalhou com Merce Cunningham), à poesia (gravou com Bryon
Gysin, como Willam Burroughs, (poeta das máquinas de linguagem do mal) e ao
cruzamento com outros universos musicais, da música do Oriente (um dos seus
projectos próximos é compor sobre poemas zen e cânticos budistas) a peças
impressionistas como as "Gnossiennes" de Erik Satie, que transpôs
para o sax soprano.
Geri Allen há-de levar em atenção as
palavras de Lacy: "Quando toco com um estranho que nunca me ouviu antes ou
só ouviu através de um disco, é possível que ele não me entenda e pense que
estou perdido. Então é ele próprio que se perde e a coisa pode tornar-se uma
grande confusão".
Da sua extensa discografia,
sugerimos (escolha necessariamente subjetiva e parcelar) os álbuns: "The
Forest and the Zoo", "Scretching the Surface" (triplo CD que
reúne alguns dos trabalhos mais experimentalistas, como "Lapis" e
"The Owl", gravados nos anos 70 em Paris, onde viveu grande parte da
sua vida), "Saxophone Special +", "Weal & Woe",
"Trickles", "The Way", "Two, Five &
Six/Blinks", "We See", "Vespers" e "5 x Monk 5 x
Lacy" (sax soprano solo, Lacy e Monk em jogo de reflexos).
O universo dos
outros
Geri
estará decerto atenta. "Gosto de entrar no universo dos outros. É como ir
para outro país e outra cultura - tem-se a sorte de se poder olhar para o nosso
lado de dentro, mais de perto. E adquire-se uma maior clareza quando se volta
ao nosso próprio universo", diz. Discípula de Kenny Barron, Geri Allen
possui uma musicalidade, um vigor e um swing inconfundíveis. Mergulhou fundo no
movimento M-Base, tocando com Steve Coleman ("Motherland Pulse",
recenseado no Mil Folhas da semana passada). Andrew Cyrille, Julius Hemphill,
Arthur Blythe, Dewey Redman, Lester Bowie, James Newton, Charlie Haden e Paul
Motian puderam igualmente apreciar e aproveitar a poesia poderosa do seu piano.
O seu novo disco tem por título "Twenty One". Dúvida para hoje à
noite: será que trará consigo o sintetizador?
Conversam a seguir Lee Konitz,
saxofonista alto e soprano, e Joey Baron, baterista. De novo duas gerações
frente a frente. Konitz é a voz dissidente do bebop que ousou contrariar o
domínio de Charlie Parker e apontar novas direções, até chegar ao
"cool", consciente de que o timbre e o fraseado do seu alto não são
fáceis de assimilar.
Lennie Tristano, de quem foi
fanático discípulo e acompanhante - e, por consequência, de Warne Marsh, outro
saxofonista "desalinhado" - foi provavelmente o pianista que melhor o
compreendeu, da mesma forma que ele foi dos poucos a compreender Tristano. Talvez
por isso este saxofonista um pouco marginal que tanto se rodeia dos maiores
solistas como de jovens aprendizes entusiastas, que participou nas sessões de
"The Birth of the Cool" com Miles Davis e que acusou Anthony Braxton
de ter insultado a música de Tristano, aprecie a companhia de bateristas
"melódicos". Como Joey Baron, em relação ao qual manifestou uma ânsia
enorme de tocar.
Baron, o baterista do momento, é,
como se costuma dizer, pau para toda a obra. Está no rock, no R&B, na
"downtown", na música improvisada como no mais redundante
"mainstream". A lista de participações é infindável: Dizzy Gillespie,
Tony Bennett, Chet Baker, Laurie Anderson, Art Pepper, Stan Getz, David Bowie,
Philip Glass, John Abercrombie, Al Jarreau, John Scofield, The Lounge Lizards,
Tim Berne... Depois dos Naked City (com John Zorn, Fred Frith, Bill Frisell e
Wayne Horvitz), integra atualmente os Masada, de John Zorn, Dave Douglas e Greg
Cohen. É líder dos Barondown, em trio com Ellery Eskelin e Steve Swell. A sua
mais recente gravação tem por título "Down Home".
Hoje à noite se verá quem irá
aprender com quem. Divertir com quem. Arriscar com quem.
Steve Lacy + Geri
Allen;
Lee Konitz + Joey
Baron
LISBOA
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
Às
21h. Tel. 213612444.
Bilhetes
entre 5 e 20 euros
Baixo grande em Coimbra
O jazz da frente continua a dar cartas em Coimbra, através
dos seus concertos mensais, no âmbito de Coimbra 2003, Capital Nacional da
Cultura. William Parker e o seu quarteto prosseguem esta noite o ciclo Jazz ao
Centro — Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra.
Além
de Parker, contrabaixista de reconhecidos méritos que sucede em linha direta a
mestres como Jimmy Garrison, Paul Chambers e Charles Mingus, fazem parte do
quarteto Rob Brown (saxofone alto), Lewis Barnes (trompete) e Hamid Drake
(bateria).
Parker
faz uma súmula bastante convincente e totalmente personalizada do “free jazz”,
do “hard bop” e do novo jazz que dispensa catalogações. Já no final dos anos 80
participa numa série de gravações com o pianista Cecil Taylor (“Looking”,
“Celebrated Blazons”, “Olu Iwa”, “Melancholy”...), associando-se posteriormente
a improvisadores como Peter Brotzmann, Paul Rutherford, Derek Bailey e Peter
Kowald, integrando as fileiras da editora FMP (“Free Music Productions”).
O
vozeirão do seu contrabaixo, como em Mingus, reivindicativo da primeira pessoa
em discurso direto, dá ainda explicações no Little Huey Creative Music Ensemble
de Nova Iorque.
O seu
álbum mais recente, “Raining on the Moon”, com o selo Thirsty Ear (editora que,
segundo alguns, estará a desempenhar neste novo milénio o mesmo papel que a
Blue Note nos anos áureos do jazz comprendido entre as décadas de 40 e 60)
surge curiosamente inserido numa linha tradicionalista, ou neotradicionalista,
onde se cruzam os fumos da “downtown”, a citação bop e o cabaré.
Coimbra
será o segundo ponto de passagem do quinteto pela Europa.
William Parker Quartet
Coimbra Teatro Académico Gil Vicente
Às 21h30. Tel. 239855636. Bilhetes a 10 euros (estudantes:
8 euros)
Sem comentários:
Enviar um comentário