Y 24|JANEIRO|2003
discos|roteiro
Quando Gabriel se tornou o anjo negro
PETER GABRIEL
Peter Gabriel 1
8|10
Peter Gabriel 2
7|10
Peter Gabriel 3
8|10
Virgin,
distri. EMI-VC
Os últimos anos da década de 70 foram
cinzentos. Peter Gabriel abandonara os Genesis e o seu teatro sinfónico para,
também ele, vestir a gabardina e fungar a depressão. Mas o primeiros disco que
gravou a solo, em 1977, sem outro título além de “Peter Gabriel” (o mesmo
aconteceria aos três seguintes), identificado como “Car”, permanece ainda sob o
domínio da fábula, ainda que a máscara começasse já a desbotar sob os efeitos
da água da chuva. O álbum, ainda não totalmente liberto dos lampejos
“progressivos” dos Genesis, conta algumas das melhores histórias do arcanjo,
como “Solsbury Hill”, “Humdrum” ou o aviso prévio do fim dos tempos que é “Here
Comes the Flood” (vale a pena ler a letra e tomar as precauções devidas…).
O segundo capítulo (1978), identificável
como “Scratch”, início de um processo de transfiguração que se refletiria na
sucessão de capas até ao volume quatro (o grafismo desta mostra Gabriel a
rasgar a imagem pelo lado de dentro), escurece nos ciclos de mania que são
qualquer coisa de inevitável sempre que está presente alguém como Robert Fripp.
Fripp incluiria mesmo no alinhamento uma versão alternativa de um tema da sua
autoria, “Exposure”, que serviria de título ao seu primeiro álbum a solo.
“Mother of Violence” e “Animal magic” reforçam a ideia de que, provavelmente
sob a influência do guitarrista dos King Crimson, Gabriel abandonara o
imaginário dos Genesis para dar vida às suas visões mais obscuras e obsessivas.
No terceiro volume (1979), anotado como
“Melt” (na capa o rosto do músico derrete, corroído pelo ácido), apesar do som
soar hoje algo datado, a presença do Fairlight (primeiro sampler
comercializado) e os tambores tribais, sem pratos, de Phil Colins, ajudam a
construir uma fusão bizarra de industrialismo, surrealismo e cânticos de
guerra. Prevalece o clima de crime e paranóia, em faixas como “No self-control”,
“I don’t remember” e um muito genesiano “Family snapshot”. “Games without
frontiers”, paródia aos “Jogos sem fronteiras” e metáfora sobre a alienação da
Europa, funcionou bem como “single” enquanto o hino “Biko”, inspirado no
assassinato do ativista sul-africano Stephen Biko, confere ao álbum uma nota
politizada. Estava aberta a porta ao papão. Mas seria a “world” music a
aproveitar a deixa no álbum seguinte. As novas reedições, remasterizadas, são
em cartão, embora não respeitem na íntegra o formato das embalagens originais.
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