Y 17|JANEIRO|2003
roteiro|discos
SPARKS
Lil’ Beethoven
Lil’
Beethoven, distri. Edel
10|10
Surpresa
do ano que findou, ou talvez não, o cintilante novo álbum dos irmãos Mael.
Chama-se Lil’ Beethoven”, o pequeno Beethoven, e é um daqueles discos capazes de
fazer arrancar os cabelos aos incautos.
Os Sparks ficaram anotados principalmente nos
registos dos anos 70, em álbuns como “Kimono My House” (1974), “Propaganda”
(1974) e “Indiscreet” (1975). Rondaram o “glam”, mas a sua música – algures
entre os primeiros Roxy Music, os Queen e os Electric Light Orchestra –
distinguia-se por uma faceta operática que ainda hoje suscita os ódios mais
acintosos. Nada fazia, pois, prever este regresso aos velhos tempos, ainda para
mais com aquele que será, porventura, o seu melhor álbum de sempre e, desde já,
um ícone da pop em contravenção com o espírito do milénio.
“Lil’ Beethoven” é, como seria de esperar, um
exagero pegado. Transborda de grandes orquestrações, produção barroca,
maneirismos vocais, o habitual estilo Sparks, mas… e este “mas” tem a força de
uma evidência: cada canção é um pedaço perfeito de pop. Com melodias tão
elaboradas como as dos XTC, por exemplo, mas acrescentadas de uma desmesura que
ultrapassa a do menosprezado álbum de estreia dos Electric Light Orchestra de
Jeff Lynne e Roy Wood (ambos provenientes dos The Move), no modo como, de forma
brilhante, combina música clássica da treta, harmonias vocais montadas como um
Lego, riffs de guitarra imbatíveis e as tais “hook melodies” que levaram o
Independent a considerá-lo “a masterpiece of pop art”, a Mojo a afirmar que
“it´s what the world’s been waiting for” e a Musik, chegando-se mais à essência
da coisa, a imaginá-lo como “Gilbert & Sullivan on Qualuudes”. Tudo isto
feito com a desfaçatez de quem se está nas tintas para as modas, convicto de
que a pop comporta tanto uma dimensão de gozo como de paródia. Porque “Lil’
Beethoven” é uma gargalhada sonora, Groucho Marx empunhando a batuta com o
intuito de confundir a orquestra para a conduzir à anarquia.
Uma anedota? Em teoria, sim. Como encarar esta
cornucópia onde se confundem complexidade e simplicidade, altivez e ridículo,
sem que se perceba muito bem onde cada um começa e acaba? Ron e Russell Mael
esperaram 30 anos para apurar o que então era uma girândola de lantejoulas até
a transformar numa sinfonia de palhaços, espelho de citações que não se esgotam
na infinidade dos seus reflexos, antes parecem desmultiplicar-se num infinito
painel de linhas melódicas, que se cruzam e atravessam. “the rhythm thief” (I am
the rhythm thief/Say goodbye to the beat/Where the groove go?/Lights out,
Ibiza, where the groove go?”), “How do I get to Varnegie Hall” são mini-óperas,
charadas com mais do que uma solução, superproduções, pianos e orquestra
convencidos de que não existe nenhuma outra música além da sua. “What are all
these bands so angry about?” faz o que os Residents andam há décadas a tentar:
o refrão mais simples e obscuro do mundo. Desmesuradamente piegas e luminosa de
trompetes e vibrafones, “I married myself” é balada para McCartney e Bryan
Ferry assinarem por baixo, em parceria para levar uma nova “A song for Europe”
à Eurovisão. Típica harmonia vocal em escadinha, “Ride’m cowboy”
desmultiplica-se em pop minimalista, cada repetição dando entrada a mais uma
voz, até à tontura. Sobre “My baby’s taking me home”, o melhor mesmo é ouvir.
Afinal, o “groove” não foi roubado. O dos Sparks é que é único. Esta melodia
esteve sempre ao nosso lado. Só era preciso que alguém a mostrasse.
Depois de “Lil’ Beethoven”, 2003 vai ser um ano
difícil para as novas bandas que gostam de exibir o rótulo “pop clássica”. Ou
como os Próprios Sparks “assassinaram” a pop, colando-lhe outro rótulo, este
definitivo: “Entertainment in extremis”.
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