11 JANEIRO
2003
JAZZ
DISCOS
Os anos 80, segundo a editora Jazz
Music Today (JMP), em odisseia de reedições
pela Winter & Winter.
Quando o jazz desceu de novo à rua
Coube à editora Winter &Winter a reedição
do catálogo da Jazz Music Today (JMT), cujos 81 títulos, remasterizados em 24
bits e embalados em minimalistas mas pouco imaginativos “Smart-Pac” (lá dentro
escondem-se as capas originais), estarão disponíveis na sua totalidade até ao
final de 2005, à média de nove por semestre.
Na
JMT, publicou-se algum do jazz importante dos anos 80, nomeadamente pelo coletivo
M’Base (“Macro-Basic Array of Structured Extemporizations”), disposto a repor
uma certa “verdade” do jazz como música popular, transcultural e aberta à
miscigenação com outras linguagens musicais, sem todavia perder contacto com a
cultura negra que lhe está na origem. Steve Coleman orientava a estética e
ideologia deste movimento que procurava, de forma mais intuitiva do que
sistemática, juntar espiritalidade, ideologia, cosmopolitismo, tradição e
modernidade, estrutura e improvisação, no “melting pot” da grande “nação afro-americana”.
“Motherland
Pulse”, primeiro manifesto do M’Base, publicado originalmente em 1985,
apresenta o saxofonista alto em quarteto com Geri Allen (piano), Lonnie Plaxico
(baixo) e Marvin “Smitty” Smith (bateria), com Cassandra Wilson (voz), Graham
Haynes (trompete) e Mark Johnson (bateria) como convidados. O bop está presente
na ligação do saxofonista ao piano de Allen, os “blues” servem de ponte e abrigo,
o funk agita-se num “groove” que era imagem de marca. O registo vocal “frio” de
Wilson perde na comparação com as duas melhores peças do disco, “The glide was in
the ride”, fabuloso e sensual “drive”, pujante de swing, de Geri Allen, e o
título-tema onde a África pulsa, mergulhada em percussões da terra, com Coleman
ao mais alto nível, Allen a assinar novo “tour de force” e Plaxico a tirar o
máximo partido do arco no telurismo do baixo. Fundamental.
Com
o número 13 do catálogo, “X-Cerpts”, do quinteto do trompetista Herb Robertson,
nome familiar da cena “downtown” de Nova Iorque, é outra das peças-chave deste
lote parcial de reedições. Gravado ao vivo em Wilisau, Suíça, em 1987, é
escalada e descoberta do “eu” interior. Dois temas, estruturados em forma de
ascese, como o “Amor Supremo” de Coltrane ou as posteriores iluminações de
Pharaoh Sanders: “Jiffy jester jig”, de 27m26, e “Karmic Ramifi cations”, de
31m28. Tim Berne, no sax alto e Joey Baron, na bateria, criam amplos espaços de
manobra para a improvisação livre em que a trompete, a corneta e o fi liscórnio
do líder, viajando por timbres pouco ortodoxos, se embrenham em universos
paralelos de um estranho fascínio. A opacidade dos momentos mais obsessivos da
música é quebrada pelo vibrafone de Gust William Tsilis, tocado pelas notas de Milt
Jackson, embora o seu fraseado seja mais atmosférico e menos denso do que o do
homem dos Modern Jazz Quartet. Quem aplaudiu “Witness”, de Dave Douglas,
encontrará
aqui matéria igualmente rica de
deslumbramento. Ou para se chamuscar num Tim Berne literalmente em combustão
nos cinco movimentos das citadas “ramifi cações kármicas”.
No
ano seguinte, o mesmo Robertson gravaria uma estranha homenagem à obra pianística
de Bud Powell, em “Shades of Bud Powell”, álbum que, paradoxalmente, dispensa o
piano – pura diversão em registo de “brass ensemble”, composta por duas
trompetes, o trombone de Robin Eubanks, a trompa de Vincent Chancey e a tuba de
Bob Stewart. O “bop” veste-se de carnaval “dixieland” em “Un poco loco”, Joey Baron
tem na bateria a agilidade de um acrobata, agitando-se como um adolescente no
cio ou murmurando nas vassouras uma oração triste como a de “I’ll keep loving
you”. Álbum de múltiplos matizes, apresenta momentos admiráveis como o desfile
de descobertas arrancadas às entranhas da música de Powell que é
“Hallucinations” – termo que define na perfeição a personalidade, não só musical,
do mestre.
Ainda
mais alucinado é “Black Pastels”, de Hank Roberts (1988), disco estranho que
mistura o jazz rock, a “country” mutante, a clássica contemporãnea, cânticos
rituais da selva amazónica e a... canção folk/pop. Roberts toca violoncelo,
guitarra de 12 cordas e “jazz-a-phone violino”. E canta, algures entre a
ingenuidade de Arto Lindsay e o cabaré de Joe Jackson (!). Três trombones: Ray
Anderson, Eubanks e Dave Taylor. Joey Baron senta-se à bateria e o notável Mark
Dresser discorre no baixo. Bill Frisell pulveriza o seu habitual timbre de
alumínio e cetim, num solo abrasivo de rock que redime o título-tema das
armadilhas da música de fusão. Esotérico (sempre que Roberts amplifica e liga
os pedais de efeitos do seu violoncelo), “hippie” e folk (“Rain village” poderia
pertencer à fornada psicadélica de 1967...), exótico à maneira de um Hermeto Pascoal
(“Choqueno”), “Black Pastels” entra e sai do jazz com o maior dos desplantes.
Entra mesmo pela porta maior no incrível arranjo de “Granpappy’s barn dance
death dance (for Daddy Ben Benson)” no qual os três trombones triunfam segundo
a ordem sagrada do contraponto.
“Monk
in Motian” lê Monk à luz do trio. Ladeado por dois dos seus comparsas
familiares, Joe Lovano, no sax tenor, e Frisell de volta aos seus
lugares-comuns, Paul Motian estreava-se aqui na JMT com um passeio em redor da
música do génio do bop. No “standard” “Straight no chaser”, Dewey Redman
introduz uma nota extra de inquietação num álbum que a 15 anos de distância soa
como um manifesto de devoção, inteligência e classicismo.
Greg
Osby é um dos trunfos do saxofone atual, restam poucas dúvidas sobre isso. Mas
no seu segundo álbum como líder, “Mindgames” (1988), mete o pé na argola. Onde
“groove” é sinónimo de funk, mas tudo se perde num ritmo quadrado (Sam Samuels chega
a ser confrangedor nos binários da idade da pedra) e na adulação de
sintetizadores (um deles manuseado por Geri Allen...) enfeitados com texturas de
“strings” (ugh!). Mais George Duke que Weather Report, a música de “Mind Games”
nunca chega a descolar. Ou, como diz o teórico Jean Wagner, “é impossível ser
rico melodicamente quando se é reprimido nas harmonias e no ritmo”. Osby teria de
esperar...
Na
JMT esperaria pouco tempo, apenas até encontrar Steve Coleman para com ele
reencontrar os bons caminhos do “groove”, em
“Cipher Syntax”, carimbado pelo coletivo Strata Institute. O diálogo em exclusivo
que ambos travam em “Micro-move” constitui um dos momentos de exceção de um
álbum onde o jazzrock recupera a sua dignidade.
Nota:
O álbum “Footsteps of our Fathers”, de Branford Marsalis, tem distribuição
Dargil e não Trem Azul, como por lapso escrevemos na semana passada.
Steve
Coleman Group
Motherland
Pulse
8|10
Herb
Robertson Quintet
X-Cerpts
9|10
Herb
Robertson Brass Ensemble
Shades
of Bud Powell
8|10
Hank
Roberts
Black
Pastels
7|10
Paul
Motian
Monk
in Motian
8|10
Greg
Osby
Mind
Games
5|10
Strata
Institute
Cipher
Syntax
7|10
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