17/12/2018

"O Alentejo tem ritmo" [Adiafa]


CULTURA
DOMINGO, 26 JAN 2003

“O Alentejo tem ritmo”

Têm o “cante” na voz e na alma mas não descuram a irreverência. Ao vivo põem as pessoas a rir. À noite, a sua música é para se dançar ao lado de Shakira ou das Las Ketchup. As novas “adiafas” fazem-se nas discotecas

PÚBLICO — Como apareceram os Adiafa e o álbum de estreia?
            ADIAFA — A ideia é do Emídio Palma e do Paulo Colaço que há uns anos começaram a pensar na música da nossa terra e de uma maneira nova de a apresentar. O grupo nasceu há três anos. Fruto da necessidade de termos um cartão-de-visita. Fomos nós que custeámos tudo.
            Mas depois de uma primeira edição caseira, o CD vai ter lançamento oficial da Sony...
            Sim, mas o processo desencadeou-se todo no Alentejo. Foi no Alentejo que começámos a ter sucesso. O disco passa nas discotecas, nas rádios locais... Só a partir daí é que a editora veio ter connosco.
            “Adiafa” significa apenas “banquete” ou algo mais?
            Também é “festa”. No Alentejo, antigamente, o trabalho agrícola era todo feito por pessoas. Não havia máquinas. Vinham do Algarve, das Beiras, do Norte, inclusive de Espanha. No final desse trabalho, o senhor dono das terras dava uma festa. Comia-se, bebia-se, dançavase e cantava-se. Era a “adiafa”, uma palavra de origem árabe.
            Por norma as pessoas associam a música alentejana ao “cante” e aos grupos corais. Provavelmente, não há mais nenhuma formação como a vossa...
            Não quisemos abandonar o “cante” mas recuperar o tempo perdido. Fez-se a promoção do “cante” mas não por opção do Alentejo, na época das recolhas. Houve coisas proibidas e outras não. A viola campaniça, por exemplo, que é o que nos liga mais à tradição, foi deixada ao esquecimento. A história tem destas coisas tristes... Nós somos o futuro.
            Viola campaniça que esteve em risco de extinção. A situação continua a ser grave?
            Menos do que era. Há já alguns jovens a construir e a tocar. A nossa foi construída por um rapaz de 25 anos, o Pedro Mestre. E bom tocador... A viola campaniça representa, no aspecto rítmico, a nossa ligação ao mundo árabe. No “cante” a ênfase é posta na riqueza harmónica e melódica. A verdade é que havia bailes nas aldeias todas as semanas e as pessoas não dançavam modas lentas mas coisas rítmicas. O Alentejo tem ritmo.
            Fizeram recolhas?
            Não andámos de gravador ao ombro. Ouvimos, fomos a “adiafas”, que ainda se realizam. Vimos velhotes, um trio de violas campaniças, tocar e cantar. Também tirámos dos discos. Mas o tema mais conhecido, “As meninas da Ribeira do Sado” aprendêmo-lo por via da tradição oral.
            Mas não se considerem puristas, o que nos leva à “remix” de música de dança de “As meninas da Ribeira do Sado”...
            Somos puristas na maneira de cantar quando estamos num grupo de cantares alentejanos. Se se reparar, a traça da nossa música continua a ser a do “cante”. Damos-lhe é uma roupagem diferente... O Fernando Lopes-Graça escreveu um livro chamado “Problemas da Música Portuguesa”. Uma das coisas que ele dizia era precisamente que nas recolhas a que teve acesso se percebe que o povo não está estático, as pessoas evoluem. Por exemplo, há uma moda da Dulce Pontes com um grupo coral que ninguém conhecia e que hoje se canta nas tabernas.
            Sim, mas a “remix”...
            Foi ideia do Paulo. Fazer uma moda alentejana ser dançada nas discotecas. Antigamente dançavam-se nos bailaricos. Hoje as “adiafas” são feitas nas discotecas. Passam “As meninas da Ribeira do Sado” ao lado da Shakira e das Las Ketchup.
            Todas as pessoas reagiram bem à vossa música?
            Havia um bocado a ideia de que o “cante” tem que ser sempre lento, pouco apelativo à vista. Nós, nos espectáculos ao vivo, que é o nosso forte, somos extraordinariamente bem dispostos, brincamos uns com os outros e com o público. Contamos histórias, anedotas, pomos as pessoas a rir.
            Além de música alentejana o que é que ouvem em casa?
            Cada um de nós tem gostos diferentes. Herbie Hancock, Joe Zawinul, Wes Montgomery, “blues”, música de dança... Antes dos Adiafa tocávamos jazz mas as pessoas não queriam saber disso. Aplicamos os nossos gostos e os nossos conhecimentos técnicos à música alentejana. Sempre cantámos à alentejana. É inato. Está-nos na alma.
            Fazem parte da mesma linhagem do Vitorino ou do Janita Salomé? Ou representam uma ruptura?
            Ruptura nunca. Embora o Vitorino cante com cubanos, é uma opção dele... A verdade é que quando ele nos ouviu pela primeira vez, ainda não éramos conhecidos, torceu um bocado o nariz. Mas no outro dia, ouviu-nos cantar “à alentejana”, seis ou sete modas, veio ter connosco a pedir para cantarmos mais. Convidou-nos para participar no próximo disco.
            Existe mesmo uma pop alentejana?
            Além de nós, há o Paulo Ribeiro, o fadista António Zambujo, o Francisco Sobral, fizeram os dois parte do musical “Amália”, todos de Beja, todos da mesma geração. Não sei se será coincidência. É como se estivesse algo a cozinhar e de repente se decidisse deixar de ser politicamente correto.

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