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FEVEREIRO 2003
JAZZ
DISCOS
Django Bates, Tim Berne, Matthew Shipp. Ou como o jazz pode enveredar
por ínvios desvios. Umas vezes, perdendo-se, outras não.
As curvas do caminho
Triste
Inverno, este, da nossa incredulidade, do nosso medo e da nossa insegurança. Como
triste foi sempre uma grande parte do jazz e das vidas que o fizeram. Caminhos
onde o amor não tem abrigo e fala baixo. “Speak low”, tema de abertura de
“Quiet Nights”, do teclista inglês Django Bates (frequentador de paragens jazz-rock,
ao lado de Bill Brufford ou do saxofonista Iain Ballamy, de resto aqui presente)
é um murmúrio quente e melancólico como os de Annette Peacock, mistura de
balada e eletrónica, “lounge” difuso de sentimentos e programações, com a voz
de Josefine Cronholm em lugar de destaque. Um mundo suspenso nas margens do
jazz e de uma “world” imaginária, tão próximo de Peacock como de Anja Garbarek,
Sade e da bossa-nova. Suspiros, “scat” indolente, ventos do Tibete, Ballamy a
tentar enquadrar no seu saxofone o jazz mais ortodoxo, e Weill, Tom Jobim e
Duke Ellington, Bates a mexer nos botões e nos circuitos como se cozinhasse um
bolo de “chantilly” na selva amazónica e Josefine a fazer o papel de diva
lânguida numa cerimónia permissiva. Noites exóticas.
Tim Berne também não é propriamente um
purista, fazendo parte de uma família que reúne, entre outros, os irmãos Cline,
Mark Dresser, Joey Baron, Bill Frisell, Drew Gress, Tom Rainey e — habitante já
de outra dimensão — Michael Formanek.
A arte do seu saxofone alto, influenciada
por Julius Hemphill, por demasiadas vezes tem sido desvalorizada, ao mesmo tempo
que são louvados os seus esforços na pesquisa e procura de novas formas de
“desalinhamento”. Em “Open, Coma” (2001) encontramo-lo rodeado por uma banda de
dez elementos constituída por músicos nórdicos, os Copenhagen Art Ensemble,
pelo guitarrista-improvisador Marc Ducret e pelo trompetista de alto risco Herb
Robertson, numa obra de grande fôlego gravada maioritariamente ao vivo no
Jazzhouse de Copenhaga (apenas um dos quatro temas foi registado em estúdio, na
Suécia) de “big band” ansiosa por libertar-se de todos os espartilhos.
Quatro únicos temas, longuíssimos (“Eye
contact” dura 46 minutos, “The legend of p-1”, 33 e “Impacted wisdom”, 41...)
proporcionam encontros e desencontros, desvarios “free” e complexas
arquiteturas coletivas, com largo espaço de manobra para os desempenhos individuais.
Por vezes, parece faltar cola que mantenha unida a estrutura, ficando no ar uma
certa ideia de gratuitidade. Talvez uma menor cronometragem garantisse maior
identidade e estabilidade a esta música que recusa os géneros, sem, contudo,
deixar de os utilizar, e sem esgotar as possibilidades oferecidas por cada um.
O segundo CD sofre dos mesmos defeitos, mas a música adquire tonalidades mais
sombrias, evocando alguns momentos de “The legend of p-1” impressionismo lúgubre de Carla Bley em
vestido de luto ou o cinema “alien” de Michael Mantler (Herb Robertson consegue
soar como se soprasse de uma galáxia distante!...), enquanto Ducret dá largas à
sua veia hendrixiana (ou, mais diretamente, herdada de Sonny Sharrock). Quanto
a Berne, dá o melhor de si por volta do minuto dez de “Impacted Wisdom”,
gritando nos agudos como se estivesse a pedir ajuda... Um bom, nalguns momentos
impressionante, disco, que, no entanto, não consegue atingir a altura do
gigante que aparenta ser.
Gravado no ano seguinte, 2002, “Science
Friction” revela o lado mais descontraído, mas também mais mundano, do
saxofonista, sem que se possa confundir mundanidade com leviandade. Entre o
jazzrock, a turbina “funk” do movimento M-Base e o jazz progressivo, passam por
aqui correntes realmente futuristas, na guitarra de Ducret e nos teclados elétricos
de Craig Taborn. Se “Open, Coma” é um disco para fazer pensar como um tratado
hermético, “Science Friction”, pelo contrário, nada mais pretende do que pôr em
alerta máximo os sentidos e fazê-los gozar (friccionar...) o mais possível. Não
tem a dimensão épica de um Frank Herbert ou de um Robert Heinlein, nem o
lirismo mágico de um Simak ou de um Bradbury, muito menos a esquizofrenia
sagrada de um Philip Dick, esta antecipação jazzística de um futuro que afinal
continua a ser de marcianos verdes, máquinas do tempo reguladas para o passado
e pistolas de raios laser. Mas entra-se nele como num romance de aventuras. E
basta escutar a maneira como o saxofonista sopra em “Manatee woman” para se
perceber como um homem pode ser feliz.
Nas já míticas “Blue Series” da
Thirsty Ear, o pianista Matthew Shipp, atual parceiro das aventuras místicas de
David S. Ware, arranca em “Equilibrium” uma música sem segundas leituras,
baseada no “riffi ng” e num “punch” sem quebras. William Parker encarrega-se,
como seria previsível, do contrabaixo, com a segurança e espírito interventivo
de sempre, Gerald Cleaver chega a ser indigente na bateria (“The root”), mas é
Khan Jamal, no vibrafone, que se afirma como primeiro dialogante do piano.
Alguém disfarçado sob a sigla FLAM toca sintetizadores e organiza as
programações, sem que o equilíbrio do todo se ressinta de excessiva eletrificação,
embora “Nebula theory” e “Nu matrix” possam ser enquadrados nos mesmos
parâmetros de “Amassed”, dos Spring Heel Jack: Jazz cósmico, com centro de
gravidade nas estrelas, como Sun Ra lançara a profecia. “Cohesion” e “World of
blue glass” são as faces opostas de uma mesma moeda. Manobra de diversão
(concluída em “Portal”, curta homenagem ao músico francês) apelativa no
primeiro caso. Assunção da interioridade como fonte primordial do jazz, no
segundo. Não vive muito do jazz atual deste dilema?
DJANGO BATES
Quiet Nights
7 | 10
TIM BERNE
Open, Coma
7 | 10
Science Friction
8 | 10
Todos Night Bird,
distri. Trem Azul
MATTHEW SHIPP
Equilibrium
7 | 10
Thirsty Ear, distri.
Trem Azul
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