Pop
A DISCOTECA
O ROMÂNTICO DA TELEVISÃO
Tom Verlaine, lendário guitarrista e
compositor, estará em Portugal a 5 de Maio, para a realização de um concerto no
cinema Alvalade. Depois de, com os Television, ter provado que a New Wave podia
ser inteligente, Verlaine regressa com novo álbum a solo, de genérico “The
Wonder”.
O universo da música popular é fértil em personagens estranhas, a maioria só de fachada, algumas genuinamente alienígenas. O homem dos Television é sobretudo misterioso. Pouco dado a entrevistas, quase nada se sabe da sua visão do mundo, para além dos discursos poéticos gravados ao longo de um percurso discográfico simultaneamente brilhante e irregular. Tímido e introvertido em extremo, perde a vergonha nos discos e dispara palavras cínicas e geladas, apoiadas por uma guitarra não menos incisiva e cortante.
A Lua na Sarjeta
Os Television, banda seminal da New
Wave americana, nasce em 1973, fruto da associação de Verlaine com o
baixista/vocalista Richard Hell e o baterista Billy Ficca. Cedo dão nas vistas,
congregando à sua volta um grupo de admiradores que rapidamente os elevam ao
estatuto de “banda de culto”. Tom Verlaine, líder incontestado e carismático,
convence os proprietários do clube CBGB a abrir as portas à nova vaga de grupos
e artistas que, entretanto, emergiam no circuito “underground” da cidade, e dos
quais se destaca Patti Smith, em cujo “single” estreia, “Hey Joe/ Piss
Factory”, Verlaine virá a colaborar.
Patti e Tom partilham o gosto pela
poesia, desde os românticos (Tom escolheu como apelido o do simbolista francês
Paul Verlaine), aos poetas da Beat Generation, como Kerouac ou Ginsberg. Em
comum, também, a preocupação de que as palavras sejam algo mais do que simples
letras de canções e o estilo declamatório de as cantar. Características estas
bem vincadas no álbum-estreia dos Television, “Marquee Moon”, de 1977,
autêntica pedrada no charco do primarismo “punk” que então vingava, sobretudo
do lado de cá do Atlântico.
Poeta Ignorado
Para trás ficam a tentativa
infrutífera de Brian Eno (que chega a produzir algumas “demo tapes” da banda),
de levar Verlaine e os companheiros para o luxo da Island britânica, e a
substituição de Richard Hell (que virá a formar com Johnny Thunders os
Heartbreakers) por Fred “Sonic” Smith.
“Marquee Moon” suscita o entusiasmo
da crítica e do público ingleses, deixando o lado “yankee” estranhamente
indiferente. Richard Hell não tem melhor sorte com os Heartbreakers e abandona
o ex-New York Dolls, para formar a sua própria banda, os “Voivods”, contando
nas suas fileiras com um senhor guitarrista chamado Robert Quine, aceite mais
tarde como membro de “elites” já de um outro mundo. Os dois polos opostos
iniciais dos Television, Verlaine, o intelectual, e Hell, o “junkie” decadente,
procuram por vias divergentes o sucesso em grande escala, que sempre lhes
fugirá.
Depois de uma “tournée” como banda
de suporte dos Blondie, os Television lançam, em 1978, o segundo álbum,
“Adventure”, mais elaborado que o anterior e em que a parte musical (até então
um tanto ofuscada em detrimento da poética) se equipara em requinte e subtileza
às palavras, sempre corrosivas, do poeta. Os ingleses voltam a captar a
mensagem, em termos de aceitação crítica e de vendas. A proverbial falta de
gosto das massas americanas continua a ditar leis na pátria do segundo
Verlaine.
Via Aberta
Os Television acabam e Tom parte
para uma carreira a solo, iniciada com o álbum “Tom Verlaine”, de 1979, e
continuada, dois anos mais tarde, com “Dreamtime”. “Words From The Front”
(1982) e “Cover” (1984, já na multinacional Virgin) são outras tantas
tentativas frustradas de traduzir em números uma reconhecida qualidade
artística. Por fim, em 1987, a Fontana, especialmente reativada para a ocasião,
edita “Flash Light”, um dos melhores discos de Verlaine, mas ainda e sempre com
o mesmo destino dos restantes: a indiferença pública.
“The Wonder” pode alterar este
estado de coisas. Permanecendo, no essencial, fiel às características que
distinguem a sua música, Verlaine abre um pouco o som, como na ainda tímida
tentativa de criar um “funky” intelectual, no tema “Shimmer”, também editado em
maxi. Um outro maxi, “Kaleidoscopin”, denota a mesma preocupação e evidencia,
até na pacificação das palavras, uma serenidade e uma maturidade capazes
finalmente de convencer, mesmo o mais empedernido, de que o homem tem coisas
importantes para dizer.
VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA,
25 ABRIL 1990
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