PÚBLICO TERÇA-FEIRA, 4 JUNHO 1991 >> Cultura
Folk
Tejo
Folclore, por tudo e por nada
Feito o balanço final do Folk Tejo, ressalta a necessidade
de, para a próxima, se corrigirem os erros deste ano. Se a música, na
generalidade, não foi de molde a entusiasmar, louve-se, pelo menos, o esforço
de dar a conhecer à capital alguns dos nomes mais importantes da “folk” atual.
Só por isso, terá valido a pena.
Agora que a poeira começa a assentar,
importa fazer o rescaldo e tirar algumas conclusões sobre o que foi e poderá
vir a ser, num futuro próximo, o Folk Tejo, iniciativa que neste ano de
arranque terá incorrido em alguns equívocos e erros de cálculo que, de futuro,
convirá evitar. Do papel à prática, algo falhou. Não faz sentido, por exemplo,
concentrar num só dia, quatro nomes de cartaz, todos conotados com a mesma área
musical, deixando para o outro uma mescla desequilibrada de estilios que só
terá servido para confundir e, nalguns casos desmotivar, o potencial auditor e
consumidor das chamadas “músicas tradicionais”. Se os portugueses Vai de Roda e
Júlio Pereira se incluem sem dificuldade naquela categoria, já a banda do
brasileiro Paulo Moura ou os americanos Moore by Four fariam melhor figura,
respetivamente numa festa dos subúrbios do Rio de Janeiro e no casino do
Estoril. Depois, quatro nomes por noite, é excessivo: no final da noite de
domingo, estariam pouco mais de meia centena de pessoas a assistir à atuação
dos Moore by Four.
Quanto à escolha do Coliseu dos
Recreios, para um acontecimento deste género, também não terá sido das decisões
mais acertadas. Demasiado fria para uma música que exige a proximidade e a
cumplicidade do público, a “catedral”, como lhe chamam, ainda por cima não
ajuda em termos acústicos, sobretudo quando, como foi o caso, não está cheia.
Finalmente, o que é mais grave, ao “Folk Tejo” terá faltado um adequado
enquadramento estrutural (ao contrário do que aconteceu recentemente com o 2º
Festival Intercéltico), traduzido em atividades paralelas, capazes de o
transformar em verdadeiro acontecimento cultural e não, como por vezes deu a
desagradável impressão, numa mera jogada de oportunismo eleitoral. Uma
referência final positiva para o programa, elaborado com mão de mestre pela
equipa da “MC – Mundo da Canção”, que constitui o relançamento desta revista de
boa memória, preparada para arrancar com novos voos.
E a música, como foi? Excelente, a dos
Vai de Roda, como já vai sendo hábito, pese embora a proverbial e salutar
insatisfação do seu mentor, Tentúgal, sempre em busca da impossível perfeição.
Destaque para as prestações instrumentais de todos os músicos que desta feita
se sobrepuseram às partes vocalizadas, prejudicadas, sobretudo a partir de “São
João”, pelo som “assassino”. No final, os Vai de Roda apresentaram um tema
inédito, a incluir num provável terceiro álbum (“nem que seja daqui a mais sete
anos”), introduzido por uma notável improvisação de Tentúgal, na sanfona, a
imitar o fraseado e a sonoridade da gaita-de-foles e concluído, de forma algo
hesitante, pela voz de uma cantora convidada, pouco habituada ainda a estas
andanças pelos “Coliseus”.
Júlio Pereira entrou de seguida, em
força, empunhando uma espécie de mini-guitarra elétrica (uma bandolarra? Um
guitarrim?) pondo de imediato a assistência a bater palmas de acompanhamento,
empolgada pela alegria contagiante e pelo reconhecimento do virtuosismo do
homem das cordas. Dedilhando primeiro a braguesa, depois o cavaquinho, Júlio
Pereira percorreu o caminho que vai da foz, das “Janelas Verdes” até à
nascença, do álbum da “guitarra pequenina”. Acompanhado por uma banda de cinco
músicos (destaque para Paulo Curado, nos “saxes” e flauta), Júlio Pereira
recriou, à sua maneira (quer se goste ou não dela) o folclore português,
evidenciando uma frescura e uma alegria de tocar que terão surpreendido muita
gente. Referência muito especial para a voz maravilhosa da Minela e para a não
menos maravilhosa forma como interpretou “Senhora dos Remédios”, num dos
momentos mais altos de todo o festival.
Bem-vindos ao cabaré
Paulo Moura, saxofonista e
clarinetista brasileiro, responsável pela fusão do Jazz com o “chorinho” e a
“gafieira” dos bailes cariocas, desiludiu. Música de cabaré, sem “punch” nem
imaginação, deixou saudades de feitos passados, acentuadas ainda mais pelas
desinspiradas prestações vocais da “crooner” sambista Marilu Moreno. Quando
Paulo Moura tocou “Lisboa antiga”, apeteceu deitar uma moeda na caixa ds
esmolas.
Aos Moore by Four competia fechar em
apoteose o “Folk Tejo”. Pura ilusão. O adiantado da hora e a vulgaridade dos
músicos (versão de terceira dos” Manhattan Transfer) provocou a debandada geral
do público, que, no final, ficou reduzido a uma pequena legião de fanáticos,
disposta a aproveitar até à última gota as contorções e a postura
“Hollywoodesca” dos músicos (a saxofonista, com pinta de “streaper”, soprava um
saxofone tenor mais comprido que a saia, enquanto ia atirando a perninha para
trás, num arremedo de fúria “swingante”…) mas já desesperada com o “top” da
vocalista loura, que teimava em não cair.
À saída, alguém do público, vindo
especialmente de Bragança para assistir ao “Folk Tejo”, bradava, entusiasmado,
para quem o quisesse ouvir: “Fabuloso”. Pena Jorge Sampaio não precisar dos
votos bragantinos.
Sem comentários:
Enviar um comentário