Sons
13 de Março 1998
Tortoise implodem com “T N T”
13 de Março 1998
Tortoise implodem com “T N T”
Para acabar de vez com os AC/DC
Música que vem do nada, música que se basta a si própria, música desligada da realidade. Parece óbvio que o novo álbum dos Tortoise, “T N T”, está a provocar em alguma da crítica nacional e internacional uma dose razoável de perplexidade. Talvez seja apenas a falta de hábito da pop em lidar com álbuns, como este, inteiramente instrumentais. “T N T” é, tão só, um excelente disco de música e, possivelmente, uma gigantesca anedota. Não chega? Para John Herndon, com quem o PÚBLICO falou, é mais do que suficiente. Aliás, o simples acto de falar parece ser um esforço demasiado intenso para o multinstrumentista dos Tortoise.
Na ausência de John McEntire, mentor e ideólogo dos Tortoise, coube a John Herndon o papel de porta-voz do grupo. Parco em palavras, lá foi dizendo que é apreciador de heavy metal (jurou a pés juntos que não estava a brincar...) e de Herbie Hancock e que a maior dificuldade na gravação de “TNT” foi conferir-lhe um “ar de coesão”.
PÚBLICO – O som do novo álbum é bastante diferente do anterior, “Millions now Living will never Die”. Houve mudanças nos métodos de trabalho?
JOHN HERNDON – Começámos a gravar há dez meses e acabámos há cerca de dois meses e meio. O som é, de facto, diferente, mas não tentámos fazer nada de especial para além de ser um álbum novo.
P. – Foi um trabalho de intuição de momento ou o fruto de uma planificação prévia?
R. – Foi algo que se foi revelando e desenrolando à medida que íamos gravando.
P. – O termo pós-rock ainda faz algum sentido para o grupo? Há ainda algo de comum entre bandas tão diferentes como os Tortoise, Isotope 217º, da qual, aliás, também faz parte, ou Stars of the Lid?
R. – Não fomos nós que inventámos essa designação. Pessoalmente, não me diz nada. Não passa de uma maneira fácil de os jornalistas expressarem algo que não é fácil de explicar. Nunca procurámos ser uma banda rock ou pós-rock... Somos apenas um grupo de música.
P. – Há quem critique essa opção da música pela música, como uma coisa abstracta...
R. – Não é suficiente?...
P. – Pode ser, mas as pessoas têm a tendência para querer conhecer mais pormenores, ideias, perspectivas. Os Tortoise não se preocupam com estas questões comezinhas?
R. – A nossa única preocupação é tocarmos os nossos instrumentos da melhor maneira que pudermos.
P. – Que música é que costuma ouvir em casa?
R. – “The Dream Police”, dos Cheap Trick, “Back in Black”, dos AC/DC, “Hail to England”, dos Manowar...
P. – Por que razão escolheram um título como “TNT” para um álbum tão pouco explosivo?
R. – Precisamente, é o título de um álbum dos AC/DC. É uma espécie de homenagem de um fã...
P. – Influências. Tentemos por aqui. Por vezes, o som do disco é muito parecido com o dos Stereolab. Não acha?
R. – Ocasionalmente, usamos o mesmo tipo de sintetizadores.
P. – E Steve Reich, não me vai dizer que os temas “Ten-day interval” e “Four-day interval” não são directamente inspirados na música deste compositor, pois não?
R. – São, sem dúvida. Durante a nossa última digressão, andávamos a ouvir “Music for 18 Musicians”. Pareceu-nos uma boa música de fundo para uma viagem através dos Estados Unidos. Soa muito bem quando se atravessa o deserto... Sei também que John McEntire dedicou algum tempo ao estudo do minimalismo.
P. – “Swung from the gutter” tem o mesmo tipo de “drive” instrumental de algum jazz-rock, uma aproximação que também está presente nos Squarepusher ou nos Isotope 217º...
R. – Essa é, sem dúvida, uma influência. Ouço bastante o Squarepusher, mas também jazz-rock dos anos 70, como Herbie Hancock.
P. – “TNT” apresenta um interessantíssimo trabalho de produção. Como é que trabalharam este disco em estúdio?
R. – Usámos dois tipos de trabalho. Umas vezes, desmontámos secções de música, pedaço por pedaço, noutras fomos juntando as partes até chegar a um todo. Não se trata bem, como alguém disse, de nos remisturarmos a nós próprios, mas de tentarmos criar sons novos. Uma das tendências é pegarmos num excerto de música mais forte que já tenha sido gravado, ampliá-lo, manipulá-lo e processá-lo ao ponto de, no final, o som se ter tornado totalmente irreconhecível em relação ao original. Mas é apenas uma parte do processo...
P. – Como é que transportam esse “approach” para o palco?
R. – É diferente. No estúdio é como se estivéssemos num laboratório. A partir daí, é como se aprendêssemos diferentes versões dos temas que possam funcionar ao vivo.
P. – Em “XXX faster light” trabalham de forma bastante original uma “groove” de “breakbeats”...
R. – Foi estranho... Gravámos primeiro o núcleo desse tema e depois fomos experimentando por cima as partes de bateria. Tentámos vários ritmos, mas nada parecia resultar. Por fim, decidimos aproveitar uma dessas tentativas, basicamente um “break”, para funcionar como medida do tema inteiro. Gravámos essa parte e processámo-la através de um filtro de um sequenciador de ritmos. Depois eu próprio toquei bateria sobre essa sequenciação electrónica. É como se eu fosse a banda a tocar bateria...
P. – Há uma diferença entre a abordagem rítmica das bandas germânicas como os Mouse on Mars ou To Rococ Rot e a dos músicos de Chicago, como os Tortoise, Trans AM ou Gastr del Sol?
R. – Não tenho bem a certeza... Não conheço muito bem a música dos To Rococo Rot. Os Mouse on Mars, sim, são bastante mais electrónicos.
P. – Questão inevitável: em que ponto se encontram as relações dos Tortoise com o legado musical do “krautrock”?
R. – Não conheço nada. Dave Pajo [um ex-membro dos Tortoise] será a pessoa mais indicada para falar desse assunto.
P. – Sabe por que é que ele deixou o grupo?
R. – Penso que quis dedicar mais tempo ao seu projecto a solo, os Aerial M.
P. – Há alguma razão especial para o uso intensivo de sintetizadores analógicos na maior parte dos grupos de... hã... pós-rock?
R. – Uma certa aleatoriedade na criação das texturas musicais.
P. – Qual foi a maior dificuldade com que se depararam na gravação de “TNT”?
R. – Dar ao álbum um ar de coesão, de maneira a não parecer uma colagem de elementos díspares. Por vezes foi difícil alcançar essa unidade, juntar todas as partes separadas que já estavam gravadas, sobretudo ao nível das misturas e do “editing”.
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