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5|JULHO|2002
roteiro|discos
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LAURIE
ANDERSON
Live at Town
Hall, New York City, September 19-20, 2001
2xCD
Nonesuch, distri. Warner Music
7|10
A 11 de Setembro do ano passado, parte do Ocidente ruiu. A
queda das torres acarretou a queda das nossas certezas. E veio o medo. Oito
dias volvidos, Laurie Anderson atuava ao vivo na cidade que fora palco da
tragédia. Nesses concertos (a 19 e 20 de Setembro) que considera os “mais
intensos” da sua carreira, a autora de “Strange Angels” sentiu a mudança. “A atmosfera
na cidade era fantasmagórica, como durante umas férias estranhas. De repente,
os habitantes de Nova Iorque experimentaram um enorme medo e insegurança.
Incapazes de prever o futuro, estávamos simplesmente a ver e a ouvir”. O medo
dissipou-se entretanto, diluído na rotina egoísta segundo a qual “o mundo até
pode acabar hoje desde que seja a mais de 500 metros do meu quintal”. Recuemos
então.
Houve quem
não resistisse à tentação de ver “a posteriori” em algumas das letras escritas
pela nova-iorquina há mais de 20 anos um elemento profético que a própria se
encarrega de desmentir nas notas que acompanham o disco. “Here
come the planes. They’re american planes. Made in America”, canta em “O
superman”, do álbum de estreia, “Big Science”. Um arrepio... Mas não, os aviões são
outros. “Escrevi a canção em 1980, durante o conflito com o Irão, que agora
surge como parte de um conflito mais vasto, fruto do ódio entre o mundo
islâmico e o Ocidente. Falava de uma guerra que prosseguiu até hoje. Perda,
traição, morte, tecnologia, ira e anjos, são estas as coisas sobre as quais
tenho escrito com frequência. No Town Hall de Nova Iorque, por uma vez, cantei
sobre o Presente absoluto”. Todavia, entre o esclarecimento e a palavra em si,
liberta das motivações, a coincidência obriga a um deslocamento da visão...
Perante
o enquadramento em causa, é difícil avaliar estas canções, recolhidas de álbuns
antigos e de trabalhos recentes, como “Stories from the Nerve Bible” e “Life on
a String”, à luz fria de uma análise formal. Gravado em quarteto na companhia
de Sküll Sverrisson (baixo e concertina), Jim Black (bateria e percussões
eletrônicas) e Peter Scherer (teclados e samplers), “Live at Town Hall” permite
comparar, por exemplo, a transposição do calor dos sintetizadores analógicos
das canções escritas nos anos 80 para as novas máquinas digitais, “demasiado
transparentes”, o que levou, inclusive, a que Laurie tivesse reintroduzido
alguma “sujidade analógica” nesses temas. Tudo o resto, porém, se ilumina, ou
não, consoante a subjetividade que lhe quisermos atribuir. É nessa intensidade
partilhada, e apenas por aí, entre a memória e o documento, a emissora e o
receptor, que “Live at Town Hall” adquire relevância. Incomparavelmente mais
simples que as de estúdio, as novas versões ganham a força do rock’n’roll, em
“Poison”, para se assumirem como manifestos poéticos declamados do discurso
mutante com que a cantora vem dissecando a (in)comunicação. A partir de agora,
mais do que nunca interligado ao que poderíamos chamar uma semiótica do
subconsciente.
Fica
a conjectura: como seria se nada tivesse acontecido uma semana antes? “Live at
Town Hall” é uma lição da história ou a história de como a música é também a
projeção afetiva de uma irrealidade, neste caso, projetada sobre a mais dura
das realidades.
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