Y 19|JULHO|2002
música|radiohead
Radiohead
para acabar de vez com a
amnésia
Trazem o rock progressivo de novo à ribalta. 20
minutos voltou a ser o tempo de uma canção. “Kid A” e “Amnesiac” são
pretensiosos? Ainda bem. Divagações, na vinda da banda a Portugal.
Uma mentira mil vezes repetida acaba por
redundar em “verdade”. Vilipendiado por muitos, acossado por uma crítica que
não viu nem ouviu, o Progressivo tornou-se no saco de levar porrada da pop, o
bode expiatório de quem apenas consegue abarcar a faixa compreendida entre os
quinze minutos de fama de Warhol e a “next big thing”, eternamente adiada,
contida nos três minutos de paixoneta adolescente. Pop produto, querida da
Indústria, encaixada nas “play lists” da mediocridade e na negociata dos tops.
Vitória da amnésia. Se não é líquido que a vinda a Portugal dos Radiohead –
cinco concertos, 22, 23 e 24 em Lisboa, 26 e 27 no Porto –, e o culto que lhes
é votado tenham como consequência a revalorização de uma música por demais
maltratada, não deixará de provocar perplexidades e reacender dúvidas.
Até porque a vingança, como se
sabe, é um prato que se serve frio. Hoje, “progressivo” volta a ser
politicamente correcto e os Radiohead (e Flaming Lips, Air, Elbow, Gorky’s
Zygotic Mynci…) recuperaram-no para o léxico da pop. A proliferação de
informação na net e de reedições tem contribuído para a descoberta de muitos
tesouros escondidos do Progressivo e para a alteração do gosto do público.
E os músicos também crescem.
Sabe-se como é. Banda nova não sabe tocar pelo que terá que arremessar pedras
ao virtuosismo. Ao terceiro álbum, quando o domínio instrumental já atingiu
patamares mais elevados, a banda já sorri com bonomia do passado e anuncia, com
pompa e circunstância, o próximo disco, que será conceptual e se orgulhará de
ostentar citações aos Pink Floyd, Can e Soft Machine.
Começando como grupo pop que não
escondia a sua filiação nos Pink Floyd, os Radiohead trocaram a canção pop de
“O.K. Computer” pelas atuais abstrações que tanto emanam a mesma anti-matéria
de “Tilt”, de Scott Walker, como exploram o conceptualismo do Progressivo e o
contragroove do krautrock. Num dos milhões de sites da Net que lhes são
dedicados, são apontados como influências da banda de Thom Yorke os Can (“Tago
mago”, “Future Days” e “Unlimited Edition”), Faust (“Faust”, “So far” e “The
Faust Tapes”), Neu! (“Neu!” e “Neu! ’75”) e Tangerine Dream (“Pheadra” e
“Stratosfear”). O que diz muito da dimensão espacial dos últimos álbuns, os
gémeos “Kid A” e “Amnesiac”.
A emergência do pós-rock, na
década passada, fez o resto. Subitamente, palavras proibidas como “cósmico”,
“ambiental”, “conceptual” e “minimalista” ganharam nova visibilidade, não só
nos Radiohead como nos Tortoise, To Rococo Rot, Tarwater, Mouse on Mars, Trans
AM, Stereolab ou Godspeed You Black Emperor. Quando, em pleno ataque punk,
alguns julgaram ter sido desferido o golpe mortal no Progressivo, Johnny
Rotten, dos Sex Pistols, incluiu nas suas influências Peter Hammill e os Neu!…
apanhar o comboio errado. Compreende-se que, para o
“status quo”, moldado na exploração do lugar-comum, o Progressivo fosse um
bicho-papão. Faixas com 20 minutos, uma cornucópia de sonhos (lisérgicos ou
não…) e toneladas de loucura são fatores de difícil controlo. Era disso – e do
desejo genuíno de fazer música pela música – que se construiu o Progressivo nos
anos áureos, entre 1969 e 1975.
Veio o Punk mas o Progressivo
resistiu, assumindo a nova nomenclatura “art rock”. E foi nessa encruzilhada
que a maior parte da crítica encalhou, ao apanhar o comboio do Progressivo dos
anos 70 na estação terminal e, no transbordo, ao procurar na linha errada o
ponto de partida para a viagem seguinte – a do rock sinfónico, que estiolava em
bandas americanas, como Boston ou Kansas, e, em Inglaterra, a do malfadado “neo
prog”, personificada pelos Marillion, Pendragon, I.Q., Pallas e quejandos.
Os primeiros eram criaturas
balofas que retiraram do Progressivo apenas o formalismo “sinfónico”. Os
segundos tentaram remoer a teatralidade dos grupos originais, cujo estilo se tornara
imagem de marca, sendo por esse motivo mais facilmente copiáveis, como os
Jethro Tull, Yes e Genesis.
À entrada na segunda metade da
década de 70, a primeira geração do Progressivo agonizava. Os Yes e os Genesis
apagavam os feitos heróicos do passado com simulacros cansados onde a visão já
pouco alcançava para além do formalismo. O krautrock deixara marcas, mas seria
necessário duas décadas para a sua influência se voltar a fazer sentir. Cluster,
Faust, Can, Neu!, Harmonia, Amon Düll II, Klaus Schulze, Agitation Free, Guru
Guru, Embryo, Wallenstein, Ash Ra Tempel, Kraftwerk, Tangerine Dream. A lenda propagou-se na medida
inversa ao desconhecimento a que a sua música foi votada entre 1975 e 1995,
excepção feita aos Kraftwerk, tornados gurus da tecno, e dos Tangerine Dream,
colados ao calendário da “new age”. Houve, no entanto, quem não se esquecesse.
Holger Hiller e Kurt Dahlke (Pyrolator) transportaram o facho durante a difícil
travessia.
Foram três os músicos que lhe
fizeram justiça e recuperaram não só o seu bom-nome como a importância musical
que hoje é facto assente, já não somente em relação às bandas do pós-rock, mas
também para o rock e pop tradicionais. Os três paladinos chamam-se Julian Cope,
John McEntire e Jim O’Rourke. Cope é o “hippie” da idade do junk, lunático de
génio, a quem se deve a publicação do livro “Krautrocksampler” e de álbuns
magistrais. McEntire e O’Rourke são os papas do pós-rock de Chicago. Colheram
da cultura do Progressivo e do Krautrock as raízes de um futuro onde as máquinas,
a acidez e as estrelas se entrelaçam.
Em Inglaterra a revolução esteve
a cargo de uma combo chamado Henry Cow. Três álbuns tão importantes para o rock
como Bartok foi importante para a música erudita do séc. XX
deram origem ao novo mundo do Progressivo: “The Henry Cow Leg End”, “Unrest”,
“Desperate Straights”, “In Praise of Learning” e “Western Culture”. Quatro obras-primas que
formularam as bases do “art rock” e do “chamber rock” que se disseminaria pela
Europa e EUA.
O Progressivo depois do Progressivo
não tinha por nome os Marillion mas estranhas designações como Art Zoyd,
Univers Zero, Etron Fou Leloublan, Samla Mannas Mama, Picchio dal Pozzo, Débile
Menthol, Muffins, Present, Miriodor, Biota, ZNR, Officer, ou Birdsongs of the
Mezosoic, prosseguindo na actualidade nos 5 Uu’s, Motor Totemist Guild,
Thinking Plague e U-Totem, dignos sucessores do que na década de 70 passou
pelos Gong, Magma, Gentle Giant, Caravan, Matching Mole, Khan, White Noise,
Second Hand, Red Noise, Curved Air, Gryphon, Moving Gelatine Plates, T.2,
Premiata Forneria Marconi, Comus…
Os Radiohead acabaram por chegar
lá. “Kid A” e “Amnesiac” foram considerados “pretensiosos” – o que é indicativo
de inteligência em acção… –, “esotéricos”. E até há quem ache a voz de Thom
Yorke tão irritante como a de Jon Anderson, dos Yes…
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