Y 12|JULHO|2002
música|capa
o
verão é...
em 50 discos
“summertime and
the living is easy...”. E o Verão é… melancólico, preguiçoso; apetece a
pândega e o surf. Queima. E a música? Diz-se que é para todas as estações. Mas
pode ser como o Verão: melancólica, preguiçosa, tão veloz como uma prancha e
tão ardente como o sol. Finalmente, como uma miragem, porque é no Verão que o
Outono mostra os primeiros sinais. O Verão é... em 50 discos – e em todos os
outros que está a ouvir
Nota:
artigo coletivo em que FM assinava os seguintes textos:
THE
B-52´S, 1979
The
B-52´s
No pico da new wave, quando não havia
tempo para o Verão, os B-52’s bombardearam a pop com os penteados “Empire State
Building” e as micro-saias de duas cantoras com nome de boneca: Cindy e Kate.
Isso e o facto de as canções serem desalmadamente pop, plastificadas e
tresandarem àquele tipo de inconsciência adolescente que faz a imbecilidade
parecer um sentimento épico bastaram para colorir as festas de Verão montadas
nesse final de década em todas as garagens de todas as casas de todos os
subúrbios.
ORANGES
& LEMONS, 1989
XTC
Apelidaram-nos de excêntricos. Eles
encolheram os ombros e meteram mãos à obra na edificação de um dos edifícios
mais sólidos da pop. Andy Partridge é um daqueles cérebros com circunvalações a
mais, um espírito barroco e um génio da melodia, capaz de nos prender a alma
com o acorde perfeito. “Oranges & Lemons” não será um dos melhores do
grupo, mas é o que a capa mais psicadélica, com laranjas e limões a fingir de
sóis, bons para espremer no Verão. Citrinos funk, um naipe de metais lambuzados
de limonada, gomos de arco-íris e aquele tipo de voz que vai perder o comboio
que só os ingleses excêntricos têm. E tem “The loving” – garantia de um arrepio
de prazer.
STAN GETZ & JOÃO GILBERTO, 1964
Stan Getz/João Gilberto
Quando proliferam
cocktails estragados de eletrônica, música de dança e Brasil, sabe bem “the
real thing”. “The girl from Ipanema”, “Desafinado” e “Corcovado”, os clássicos,
luzem. Interpretados com a alegria magoada de alguém que se sente só mas sente
prazer na solidão. “Ah, porque estou tão sozinho?/ Ah, porque tudo é tão
triste?/ Ah, a beleza que existe.../ A beleza que não é só minha/ Que também
passa sozinha...”. É isso a bossa-nova: a tristeza mais quente do mundo,
melancolia do fim do Verão, sabendo-se que tudo recomeçará sempre de novo.
MEDDLE, 1971
Pink Floyd
Depois de a chuva
Syd Barrett ter passado, a música dos Pink Floyd clareou. A frescura e a
indolência estivais chegaram com “Meddle”. É tudo água neste disco, das longas
gotas que pingam, ondulando no lago de uma alucinação, da “suite” “Echoes”, a
canções lânguidas que tentam fazer crer que tomar banho na praia do LSD não
requer a digestão feita nem boia salva-vidas. “A Pillow of winds”, “Seamus” e
“San Tropez” (o ácido fez cair o “it”) são passeatas nas nuvens, um piquenique
no Sol, a olhar muito devagar e muito longe cá para baixo...
PARIS MILONGA, 1981
Paolo Conte
Este Piemontês de
65 anos é um génio. O crooner de um filme de Fellini, com o canto grave de Tom
Waits, o talento de arranjador de uma Carla Bley, a pose “cool” de um Bryan
Ferry e o humor de um faz-tudo à deriva num novelo de “spaghetti” sentimental.
Tangos, variedades de faca e alguidar, as piscinas mal esvaziadas de Inverno,
praias de Cinzano, o champanhe entornado na ressaca. Conte canta tudo. “Paris
Milonga” é o Verão que imaginamos quando caminhamos ébrios ao longo da
marginal.
calor é com eles
Barry Adamson na
câmara escura, Perry Blake na Califórnia, Springsteen na América rural,
Sakamoto em idílio brasileiro. O Verão vai ser com eles.
Nota:
texto assinado por F.M., R.M.P. e V.C.
Está cada vez
mais pequeno, o mundo. Músicas e culturas, tecnologia e pessoas, símbolos e
modas, tudo se cruza e imiscui na auto-estrada da informação, em viagens mais e
mais rápidas. Baile de máscaras, orgia ou reunião de trabalho, a verdade é que
as diferenças se esbatem neste convívio por vezes forçado.
Não será o caso do japonês Ryuichi
Sakamoto, turista da arte há muito habituado a viajar em primeira classe, com
bilhete de ida e volta, no Expresso-Oriente. O seu próximo álbum, a editar a 12
de Agosto (Sony), recria a música do brasileiro Antonio Carlos Jobim (em quem,
mais do que o compositor de bossa-nova, Sakamoto viu um parente espiritual dos
impressionistas franceses, como Debussy e Chopin) em colaboração com Jacques e
Paula Morelenbaum.
Mas o que poderia passar por mais um
disco de versões é algo mais profundo. “Casa”, como o nome indica, foi gravado
na casa de Tom Jobim, no Rio, tendo o japonês tocado no próprio piano, “ainda
manchado de whisky e queimado por pontas de cigarro”, do brasileiro. As janelas
estiveram abertas durante as gravações, deixando entrar o som das ondas e o
bruá da cidade. Talvez mesmo algo mais, admite, referindo-se ao pássaro que
entrou e pousou no tampo do piano, a meio de uma canção, para entoar a sua melodia.
“Foi Tom Jobim que entrou ali, encarnando na ave, a exprimir o seu prazer,
cantando uma vez mais a sua música”.
Se Sakamoto e a ave-Jobim são música
branca, o novo trabalho de Barry Adamson, “The King of Nothing Hill” (2 de
Setembro, Zona Música), é, como é hábito, um filme negro imaginário, como
crimes, charadas e diabolismos vários, no que o autor define como um disco
sobre as “ilusões do poder”, se não mesmo sobre a vida enquanto suprema ilusão.
Não por acaso, o antigo teclista dos Magazine e dos Bad Seeds de Nick Cave, já
compôs para David Lynch. “The King of Nothing Hill” abre com funk e termina com
pop. Pelo
meio, o recheio é o mais interessante, como o próprio admite – um ambientalismo
escuro, feito de conotações indecifráveis e máquinas devoradoras de cabeças.
Verão na câmara escura, com papões.
E se um jardim irlandês se
transformasse no Verão californiano? “Got to get out of this place tonight”,
começa por cantar Perry Blake (“This Life”), e a seguir já está numa canção
chamada “California”, onde não pode deixar de assinalar que está em terra de
Beach Boys e onde confessa que “a new life is what we need (...) maybe go to
California, where it‘s warm”. O jardim do irlandês fez-se “road to Hollywood”,
a soul refresca um universo que já chegara à saturação, a voz dá-se ares de
Marvin Gaye, os horizontes alargam-se. Mantém-se a melancolia, a estrutura
repetitiva... Provavelmente Blake nem se mexeu muito: “California”, o álbum
(Universal, Agosto/Setembro) é uma daquelas viagens em que não chega a sair do
mesmo sítio; em que o movimento é apenas ilusão.
Se Perry Blake nos leva até uma
imaginária Califórnia, Bruce Springsteen transporta-nos até à América rural.
Regressa com “The Rising” (Sony, 29 Julho), o primeiro disco gravado com a E
Street Band desde 1984. Da ruralidade, para uma imensidão de paisagens da
América: o terceiro disco dos Queens Of The Stone Age, “Aongs for the Deaf”
(Universal, 26 de Agosto), é um meio termo entre o saturado álbum de estreia e
“Rated R”, o espantoso segundo disco; dos Sparta e dos Mudhoney haverá,
respetivamente, “Wiretap Scars” (Universal, Agosto) e “When we were
translucent” (Música Alternativa, Agosto).
Depois do murro no estômago que foi
“Xtrmntr” (“Exterminator”), o grupo de desestabilizadores liderados por Bobby Gillespie
voltará a assaltar quem escutar “Evil Heat”. É o sétimo álbum dos Primal Scream
(Sony Music, 5 de Agosto). Antes dele, a 22 de Julho, sai o novo dos Public
Enemy, “Revolverlution”. Segue a linha dos anteriores trabalhos de Chuck D,
Flavor Flav e Professor Griff: política e “scratching”.
Mas, se existe projeto conotado com
a leveza do Verão é o dos norte-americanos Thievery Corporation. Vão regressar
em época de calor: “The Richest Man In The Babylon” (Setembro, pela Última).
Quem também vai estar de volta em Setembro é o músico e produtor de Filadélfia
King Britt. O projeto que lidera chama-se King Kooba e o nome do álbum diz
tudo: “Indian Summer” (Ananana).
De todos os nomes da inglesa Ninja
Tune, poucos têm o sentido de humor e a “joi de vivre” de Mr. Scruff. Se quer
ficar bem disposto no Verão aponte na agenda: 9 de Setembro. É nesse dia que
sai “Trouser Jazz” (Ananana). Para um Verão mais preguiçoso convém ouvir o hip-hop
de DJ Vadim – o disco dai a 23 de Setembro, pela Ananana.
Outro trabalho a ter em
consideração: os Steroid Maximus, um dos vários projetos de J.G. Thirwell
(Foetus, Clint Ruin, Wiseblood). Em “Ectopia” ele dá largas a sua veia de
compositor imaginário de bandas sonoras de filmes negros, num registo próximo
do de Barry Adamson – um pouco menos glamoroso.
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