Y
12|JULHO|2002
roteiro|discos
CAMEL
Camel
7|10
Mirage
8|10
Music Inspired by
“The Snow Goose”
7|10
Moonmadness
6|10
Deram,
distri. Universal
Descontando a teimosia que leva os Camel
a continuarem a lançar álbuns no mercado com regularidade, é preciso recuar até
aos anos 70 para se encontrar a fatia de importância que o grupo, de facto,
merece, agora comprovável mediante novas versões, remasterizadas e prodigamente
fornecidas de temas extra, dos quatro primeiros álbuns.
Conotados algures entre o rock
progressivo mais clássico e a escola de Canterbury, os Camel conquistaram fama
e proveito (inclusive em Portugal) já na segunda metade da década, exactamente
quando o Progressivo começava a dar sinais de agonia, através, sobretudo, de
“The Snow Goose” e do seu sucessor “Moonmadness”.
E se estes dois últimos combinam
a plenitude instrumental (para alguns, sinónimo já de decadência…) com a
construção de canções apoiadas em motivos melódicos tão atraentes quanto
lineares (“Rhayader”, de “The Snow Goose”, chegou mesmo a ser um “must” do Prog
trauteável), já os dois primeiros discos podem facilmente ser matriculados na
pop, mais “incompleta” mas mais swingante e jazzy, da academia de Canterbury.
Em “Camel”, de 1973, encontramos
as mesmas vocalizações suaves e o mesmo tipo de ornamentações e fraseado
solístico dos teclados (tocados por Peter Bardens, falecido em Janeiro) que os
Caravan desenvolveram em paralelo no seu período clássico, a par de arranjos,
como em “Separation”, fortemente marcados pela guitarra de Andrew Latimer, que
indicavam já o som típico que se instalaria a partir de “The Snow Goose”.
Mas “Camel” era apenas o
preâmbulo daquele que será o melhor álbum do grupo: “Mirage”, de 1974. O som
ganha músculo e convicção. Os solos de teclados de Bardens e da guitarra de
Latimer decorrem em simultâneo, cruzando-se numa rede intricada cuja
complexidade não ficava atrás das óperas surreais dos Genesis ou das fanfarras
medievais dos Gryphon. Ogres e princesas desviados de “The Lord of the Rings”,
acessos de jazz de cana-de-açucar, sintetizadores da corte do rei Artur, formam
um guache de sonhos, deliciosos para alguns, mas porventura detestáveis para os
ouvidos insensíveis ao espírito, à loucura e à pureza do rock progressivo. Para
estes, uma pequena dose dos 12 minutos de “Lady fantasy” (a presente edição foi
“sádica” ao ponto de incluir duas versões, igualmente longas, do tema…) – mini
suite da qual saiu tudo o que em “The Snow Goose” seria polido e arrumado num
quadro para pendurar na parede – será mais do que suficiente para suscitar a
aversão.
Concluída a fase de ensaios, os
Camel conquistariam a fama à custa do golpe de asa de um ganso. Com “The Snow
Goose”, álbum conceptual (brrrrrr, esse horror inominável que consistia em
desenvolver uma ideia para além dos 3 minutos permitidos por lei…) inspirado na
novela infantil de Paul Gallico, que catapultou os Camel para a 1ª divisão do
Progressivo, leia-se “dos dinossauros” (Jethro Tull, Genesis, Yes, Emerson, Lake
& Palmer), na boca dos detratores. Álbum “pretensioso” (leia-se: que teve o
desplante de tentar elevar a pop a um patamar mais nobre), sofrerá
provavelmente do mesmo mal que “Dark Side of the Moon”, dos Pink Floyd (curioso
verificar como “Rhayader goes to town” é, na essência, um tema floydiano), ou
seja, uma música unidirecional, cuja complexidade é mais aparente do que real,
incapaz de suportar audições sucessivas sem provocar uma sensação de “déjà vu”.
Pecado maior do Progressivo: quando a riqueza harmónica cede ao despotismo da
melodia, por mais agradável que esta possa soar. Um clássico menor, mesmo
assim, embora só aconselhável com receita médica.
“Moonmadness” é a insistência
numa fórmula que se revelara de sucesso, espécie de sequela de “The Snow
Goose”, da mesma forma que “Hergest Ridge” é uma extensão de “Tubular Bells”.
As melodias incisivas, como “Another night”, continuam presentes mas
desprende-se uma ressonância lunar que sacode o enjoo e emergiria em glória no
álbum que os Camel gravariam em 1976, “Rain Dances”, com Richard Caravan,
príncipe de Canterbury, e o convidado Brian Eno – mistério até hoje insondável
para os adversários do Progressivo.
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