JAZZ
DISCOS
PÚBLICO 9 OUTUBRO 2004
Serenos como o azul do céu
Garbarek
faz-nos sonhar. Há um ‘jazz’ escandinavo cuja preocupação é levar-nos para um
lugar de paz.
A capa é
bonita. A música bonita é. Posto isto, quem quiser “blues” faça o favor de passar
à frente. Ficou alguém? À espera de “swing”? Também podem tirar os cavalinhos
da chuva. Neste disco também não há. O disco chama-se “In Praise of Dreams” e é
o novo do saxofonista norueguês Jan Garbarek. Já antes tinha falado de sonhos,
em “Legend of the Seven Dreams”, por sinal um dos seus melhores dos anos 80.
Mas então se não tem “blues” nem “swing”, o que é que tem? Bom, é jazz europeu,
não é jazz negro americano e Garbarek há muito que nos habituou a servir
gelados de frutas, doces e fresquinhos. “In Praise of Learning”, se virmos bem,
até terá muito pouco de jazz, tendo a ver sobretudo com a tradição clássica europeia
(os dois discos que gravou com os Hilliard Ensemble fizeram mossa) e com a folk
nórdica. Bem entendido, o timbre do tenor de Garbarek é inconfundível, às vezes
nem sequer parecendo tratar-se de um saxofone mas de uma gaita-de-foles. Mais suave.
Em Garbarek tudo é suave. E, neste álbum, embora ele diga que não, muito eletrónico.
Além dos saxofones tenor e soprano, o norueguês encarrega-se dos samplers, sintetizadores
e programações. Poderia resultar em algo parecido com o que John Surman fez na
sua fase mais eletrónica e minimalista para a ECM, mas não resultou. O que em
Surman é sequencial e parte integrante de uma música hipnótica, quase
dervíshica, em Garbarek soa na maior parte dos casos como acompanhamento
automático e plastificado, fazendo lembrar os “pre sets” rítmicos de um órgão
farsola. Toda a primeira metade do disco padece deste mal e até pode acontecer que
os ouvintes com mais má vontade não consigam passar da primeira faixa, “new
age” a fingir de jazz com som puríssimo para valorizar as aparelhagens. O
título tema, logo a seguir, é medievalesco e melodicamente apelativo até dizer
chega. O “problema” está em que, se ouvido duas ou três vezes, se cola ao
ouvido e já não sai de lá. Algo parecido com o que o compositor já nos tinha
oferecido em “Rosensfole”, com a cantora Agnes Buen Garnas ou com o ascético “The
Sky of MInd”, de Ray Linch. O programa segue com sequenciações de baixo eletrónico
ou a imitar tambores tribais e modalismos vários, incluindo as escalas árabes de
“Cloud of unknowing”, faixa de transição para a última e bem mais interessante
fase final do disco. Quando a eletrónica baixa de facto o tom e se aproxima dos
tais trabalhos de John Surman. O plástico derrete e começam a fazer-se ouvir
sinos de cristal e as cintilações de um espanta-espíritos. “Iceburn” é uma pequena
maravilha e “Conversation with a stone” tem o balanço íntimo de Stephan Micus e
um soprano de feira fantasmagórica como a dos Tuxedomoon, de “Desire”. Além dos
saxofones e da eletrónica, o jogo de cores beneficia do mais do que adequado e
complementar desempenho de Kim Kashkashian, na viola de arco, enquanto Manu Katché
se remete a um discretíssimo papel na bateria. Em última análise, “In Praise of
Learning” cumpre aquele que terá sido o seu principal objetivo: fazer sonhar
num céu sem nuvens.
Mais azul celeste, mais jazz
escandinavo, mais eletrónica e paisagens amplas para contemplar em estado de
serenidade. Oferecidos por Tobias Sjögren, guitarrista, elétrico e acústico com
a preocupação exclusiva de nos acariciar. A guitarra, bem como os restantes
instrumentos solistas, em particular o piano, o clarinete e o saxofone,
aconchegam-se invariavelmente sobre um colchão de sintetizadores, umas vezes
“new age”, outras impressionistas. A voz de “Svenska skogar” faz lembrar Robert
Wyatt e, pensando bem, o disco tem tudo para ser do agrado dos apreciadores de rock
progressivo, estilo plenamente assumido em “Mänen ur molnen”. Nos pontos de “clímax”,
a música ganha uma sumptuosidade cinematográfica, a contrastar com o tom
introspetivo da guitarra. Claro, há coisas a evitar, como os coros de
“Förväntan”, mas fazem sentido na lógica global de “Tobias Sjögren”. Mas não sejamos
cruéis. Ouvido no estado de espírito adequado, esta é uma música de
propriedades curativas capaz de nos levar para longe do ruído da realidade. Música
limpa.
“Norrland”, de Jonas Knutsson e
Johan Norberg, com a sua capa com lago, montanhas, céu e vegetação, mais parece
ser um disco de “folk” do que de jazz. Jonas é um saxofonista discípulo de
Garbarek que em “Norrland” se faz acompanhar por um único comparsa, Johan, na
guitarra e no “kantele” (saltério escandinavo de grandes dimensões). Poderia
ser um disco de Jan Garbarek, com as suas melodias inspiradas em motivos tradicionais.
Por outras palavras, mais música bonita para escutar com a pré-disposição
certa. Três discos agradáveis, contemplativos, para os quais o jazz é, mais do
que uma ferramenta ou um ideal, um pretexto.
Jan Garbarek
In Praise of
Dreams
ECM
7 | 10
Tobias Sjögren
Tobias Sjögren
Q-Rious
6 | 10
Jonas Knutsson
& Johan Norberg
Norrland
Act
6 | 10
Todos distri. Dargil
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