02/06/2020

Serenos como o azul do céu [Jazz]


JAZZ
DISCOS
PÚBLICO 9 OUTUBRO 2004

Serenos como o azul do céu

Garbarek faz-nos sonhar. Há um ‘jazz’ escandinavo cuja preocupação é levar-nos para um lugar de paz.

A capa é bonita. A música bonita é. Posto isto, quem quiser “blues” faça o favor de passar à frente. Ficou alguém? À espera de “swing”? Também podem tirar os cavalinhos da chuva. Neste disco também não há. O disco chama-se “In Praise of Dreams” e é o novo do saxofonista norueguês Jan Garbarek. Já antes tinha falado de sonhos, em “Legend of the Seven Dreams”, por sinal um dos seus melhores dos anos 80. Mas então se não tem “blues” nem “swing”, o que é que tem? Bom, é jazz europeu, não é jazz negro americano e Garbarek há muito que nos habituou a servir gelados de frutas, doces e fresquinhos. “In Praise of Learning”, se virmos bem, até terá muito pouco de jazz, tendo a ver sobretudo com a tradição clássica europeia (os dois discos que gravou com os Hilliard Ensemble fizeram mossa) e com a folk nórdica. Bem entendido, o timbre do tenor de Garbarek é inconfundível, às vezes nem sequer parecendo tratar-se de um saxofone mas de uma gaita-de-foles. Mais suave. Em Garbarek tudo é suave. E, neste álbum, embora ele diga que não, muito eletrónico. Além dos saxofones tenor e soprano, o norueguês encarrega-se dos samplers, sintetizadores e programações. Poderia resultar em algo parecido com o que John Surman fez na sua fase mais eletrónica e minimalista para a ECM, mas não resultou. O que em Surman é sequencial e parte integrante de uma música hipnótica, quase dervíshica, em Garbarek soa na maior parte dos casos como acompanhamento automático e plastificado, fazendo lembrar os “pre sets” rítmicos de um órgão farsola. Toda a primeira metade do disco padece deste mal e até pode acontecer que os ouvintes com mais má vontade não consigam passar da primeira faixa, “new age” a fingir de jazz com som puríssimo para valorizar as aparelhagens. O título tema, logo a seguir, é medievalesco e melodicamente apelativo até dizer chega. O “problema” está em que, se ouvido duas ou três vezes, se cola ao ouvido e já não sai de lá. Algo parecido com o que o compositor já nos tinha oferecido em “Rosensfole”, com a cantora Agnes Buen Garnas ou com o ascético “The Sky of MInd”, de Ray Linch. O programa segue com sequenciações de baixo eletrónico ou a imitar tambores tribais e modalismos vários, incluindo as escalas árabes de “Cloud of unknowing”, faixa de transição para a última e bem mais interessante fase final do disco. Quando a eletrónica baixa de facto o tom e se aproxima dos tais trabalhos de John Surman. O plástico derrete e começam a fazer-se ouvir sinos de cristal e as cintilações de um espanta-espíritos. “Iceburn” é uma pequena maravilha e “Conversation with a stone” tem o balanço íntimo de Stephan Micus e um soprano de feira fantasmagórica como a dos Tuxedomoon, de “Desire”. Além dos saxofones e da eletrónica, o jogo de cores beneficia do mais do que adequado e complementar desempenho de Kim Kashkashian, na viola de arco, enquanto Manu Katché se remete a um discretíssimo papel na bateria. Em última análise, “In Praise of Learning” cumpre aquele que terá sido o seu principal objetivo: fazer sonhar num céu sem nuvens.
            Mais azul celeste, mais jazz escandinavo, mais eletrónica e paisagens amplas para contemplar em estado de serenidade. Oferecidos por Tobias Sjögren, guitarrista, elétrico e acústico com a preocupação exclusiva de nos acariciar. A guitarra, bem como os restantes instrumentos solistas, em particular o piano, o clarinete e o saxofone, aconchegam-se invariavelmente sobre um colchão de sintetizadores, umas vezes “new age”, outras impressionistas. A voz de “Svenska skogar” faz lembrar Robert Wyatt e, pensando bem, o disco tem tudo para ser do agrado dos apreciadores de rock progressivo, estilo plenamente assumido em “Mänen ur molnen”. Nos pontos de “clímax”, a música ganha uma sumptuosidade cinematográfica, a contrastar com o tom introspetivo da guitarra. Claro, há coisas a evitar, como os coros de “Förväntan”, mas fazem sentido na lógica global de “Tobias Sjögren”. Mas não sejamos cruéis. Ouvido no estado de espírito adequado, esta é uma música de propriedades curativas capaz de nos levar para longe do ruído da realidade. Música limpa.
            “Norrland”, de Jonas Knutsson e Johan Norberg, com a sua capa com lago, montanhas, céu e vegetação, mais parece ser um disco de “folk” do que de jazz. Jonas é um saxofonista discípulo de Garbarek que em “Norrland” se faz acompanhar por um único comparsa, Johan, na guitarra e no “kantele” (saltério escandinavo de grandes dimensões). Poderia ser um disco de Jan Garbarek, com as suas melodias inspiradas em motivos tradicionais. Por outras palavras, mais música bonita para escutar com a pré-disposição certa. Três discos agradáveis, contemplativos, para os quais o jazz é, mais do que uma ferramenta ou um ideal, um pretexto.

Jan Garbarek
In Praise of Dreams
ECM
7 | 10

Tobias Sjögren
Tobias Sjögren
Q-Rious
6 | 10

Jonas Knutsson & Johan Norberg
Norrland
Act
6 | 10

Todos distri. Dargil

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