Pop Rock
30 de Outubro
1991
COMBUSTÃO
ESPONTÂNEA
NEIL YOUNG &
CRAZY HORSE
Weld
2 x LP/CD, Reprise, distri. Warner Music
Documento oficial da
digressão “Ragged Glory/Don’t Spook the Horse”, “Weld” constitui desde já um
marco nos álbuns ao vivo.
Se “Time Fades Away” cortava
de forma violenta com o passado acústico de “After the Goldrush” e “Harvest”, e
“Live Rust” (1979) encenava já essa violência desmedida que, a partir da
segunda vida dos Crazy Horse, parece ter-se tornado a forma preferencial do
músico responder aos ataques do mundo, “Weld” é a explosão de raiva definitiva,
a hemorragia final da alma, o curto-circuito incendiário das guitarras e dos
sentimentos em carne viva.
Mergulhando ainda mais fundo
do que em “Ragged Glory”, Neil Young prossegue a introspeção demencial e a
denúncia de uma sociedade doente que sempre se encarregou de fazer de lhe fazer
a vida negra. O som, desde as primeiras espiras de “Hey, hey, my, my (into the
black)”, é um murro no estômago, documentário abrasivo de uma “bad trip” que na
descida aos infernos encontra a derradeira redenção.
Dizer que as guitarras de
Neil Young e Frank Sampedro ou o baixo de Billy Talbot são musculados e
poderosos, no ponto limite em que o calor se transforma em chama, ép pouco. Do
princípio ao fim do disco, assiste-se como que à agonia do rock’n’roll,
coincidente com o massacre em que a si próprio se imola com o fogo da paixão.
Auto-sacrifício ou operação de extermínio, pouco importa, se o resultado
assombra com o esplendor dos grandes incêndios. “Love to Burn”, assim se chama
um dos temas do disco, eis do que trata “Weld”, no paroxismo da vertigem, na
ânsia desmedida de tudo querer conter num grito.
Ouve-se “Weld” com a
sensação do cataclismo com a sensação de se assistir ao cataclismo iminente, à
erupção de um vulcão, ao colapso de qualquer coisa que não ousamos
interiorizar. É nesse ponto de impossível equilíbrio que Neil Young tem vindo a
construir a sua obra e a sua vida. A morte de amigos, a proximidade constante
do perigo, juntamente com a fé cega nas virtualidades da música como forma
exclusiva de exorcismo, conferem-lhe mais do que o estatuto de sobrevivente, o
de herói.
Enquanto Dylan se debate
entre as contradições de uma mensagem esvaziada de sentido e o absurdo de
querer manter vivo um mito que deixou de o ser, Neil Young recusa olhar para o
passado, preferindo, em vez disso, investir, de guitarra em punho, contra o
futuro, deixando, pelo caminho, o presente devastado.
Não por acaso, o compositor
de “Rust never Sleeps” (cuja sequela ao vivo, “Live Rust”, contribui com seis
temas para “Weld”, devidamente atualizados e prontos a lançar na fogueira)
retoma um tema de Dylan, “Blowin’ in the wind”, de forma a anular-lhe quaisquer
conotações que ainda pudesse ter com a mística de Woodstock, substituindo a sua
carga pacifista pela gangrena trazida pelos ventos corrosivos que hoje sopram
sobre o mundo. Neil Young destrói o passado, para, num segundo momento de
refluxo, o evocar na sua vertente mais negra: a introdução instrumental de
“Blowin’ in the wind” remete de imediato a memória para a desolação e a
violência de Jimi Hendrix.
Como em “Star Spangled
Banner”, a mesma hecatombe de “feedback”, o mesmo trucidar da guitarra à
procura de sonoridades impossíveis e da pulsação primordial do rock. No limite
dessa apoteose de ruído e da desagregação, faz sentido a inclusão, no formato
de CD, de um tema adicional, “Arc”, 37 minutos de “’feedback’ orquestral” que a
folha promocional se encarrega de definir como “chiqueiro e distorção com
alguns fragmentos vocais”.
Nunca, como em “Weld”, Neil
Young esteve tão perto do Apocalipse. Os minutos finais do épico “Like a
hurricane” resolvem-se num caos grandioso de ruído, manifestação epidérmica
dessa dor imensa que, no final, obriga o música a gritar: “No pain!” Para Neil
Young, cada vez mais “Tonight’s the night”. Sabemos isso e continuamos a
arrepiar-nos (10).
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